- Medidas do banco de Moçambique podem agravar a bancarrota
- Depois dos empresários, revelações da FMA sobre falta de divisas fazem soar alarmes
- Economistas advertem Banco Central a disponibilizar mais divisas para a banca
Na última semana, a Fly Modern Ark, empresa sul-africana, conhecida por uma auto vitimização nos meios de comunicação, culpou ao Banco de Moçambique pela crise de divisas na banca nacional que, supostamente, impossibilita o pagamento de uma astronômica dívida de trezentos mil dólares com a EuroAntlantic, referente ao aluguer do avião que faz a rota Maputo-Lisboa, pagamentos de combustível, entre outros serviços. O facto que corrobora com o clamor apresentado pelos empresários, num passado não muito distante, colocou o país em alerta, uma vez que Moçambique é mais importador que produtor. Começando por tranquilizar os moçambicanos, Egas Daniel observa que não há motivos para alarmes por enquanto, mas adverte que a situação pressiona as importações, uma vez que as empresas importadoras se debatem com problemas de não conseguir pagar no imediato. Já, por seu turno, Raul Mendes insta ao Banco Central a disponibilizar mais divisas para os bancos comerciais para desbloquear o pagamento dos produtos importados e com isso evitar a subida do custo de vida que já atingiu níveis insustentáveis.
Duarte Sitoe
O mercado moçambicano tem vindo a registar, nos últimos tempos, uma menor disponibilidade de divisas, uma situação que é associada à queda das exportações, bem como às novas medidas de restrição cambial adoptadas pelo Banco de Moçambique.
A situação está a gerar constrangimentos, sobretudo, para o sector privado, que através da Confederação das Associações Económicas (CTA) diz que a nova Lei Cambial, ora em fase de divulgação pelo Banco de Moçambique, está a gerar restrição no acesso a divisas, o que já terá motivado a fuga de companhias aéreas devido a dificuldades para repatriar capitais e realizar operações no mercado.
“O turismo precisa de novas companhias, mas as companhias que cá estão a actuar estão a sofrer por falta de divisas. Estas entidades precisam, nalgum momento, de repatriar capitais para fazerem face aos custos das operações de handling e combustíveis. Enfrentam constrangimentos para as suas operações quando aterram nos aeroportos de Maputo, Beira e Nampula”, disse o presidente do pelouro do Turismo na CTA, acrescentando que confederação tem sido confrontada com reclamações relacionadas à falta de divisas.
“A situação não afecta só as empresas aéreas, mas também o cidadão, se o cidadão moçambicano quer comprar passagens pela Air France. Não se pode aceder à partilha do mercado moçambicano, tem de se recorrer à África do sul ou outro país. Tivemos também o caso da Cathay Pacific. Deixou de estar activo cá, em Moçambique, e pediu a intervenção da CTA para que, através da plataforma de diálogo com o Governo, fizesse chegar e resolvesse esse problema da nossa economia”, disse.
Habituada a vitimizar-se e procurar bodes expiatórios sempre que está em dificuldade, a Fly Modern Ark, acaba de encontrar uma saída de mestre para justificar o fracasso de uma das suas maiores aventuras empresariais. É que, segundo Sérgio Matos, é por culpa do Banco de Moçambique que tem registado recorrentes atrasos no pagamento de dívidas às Linhas Aéreas de Moçambique com a EuroAtlantic, pelo aluguer do avião, pagamento de combustível e outros serviços.
“Moçambique não consegue fazer pagamentos de altas somas porque o país está sem divisas. As dívidas existem sim. A nossa dívida é de 300.000 dólares”, declarou Sérgio Matos, que acaba de encontrar uma fuga perfeita.
Entretanto, o Banco de Moçambique, que nos últimos anos, sobretudo desde que é dirigido por Rogério Zandamela, tem comunicado com bastante deficiência, continua remetido a um sepulcral silêncio sobre a crise das divisas e seus impactos na economia e nas operações comerciais.
Escassez retarda pagamento de transações com o resto do mundo
Relativamente a escassez de divisas nos bancos comerciais, o economista Egas Daniel referiu que situação deriva da gestão “artificial” do Banco de Moçambique e observa que poderá retardar os pagamentos das importações e das dívidas.
“A escassez reflecte na gestão artificial da taxa de câmbio que é vantajosa para o país porque estabiliza os preços, mas a taxa de câmbio não reflecte flutuações da procura e oferta. Com a gestão artificial, o Banco Moçambique pode fixar a taxa cambio e fazer de tudo para que ela se mantenha a esses níveis, certamente que isto resulta a muita procura de divisas nessa escassez que o preço imposto pelo Banco de Moçambique não reflecte a realidade da procura e oferta normalmente na sua escassez acaba retardando o pagamento das importações, acaba atrasando o pagamento de dívidas, acaba retardando as transações que o país tem com o resto do mundo do ponto vista de flexibilidade do pagamento”, declarou.
Numa altura em que, por exemplo, em São Tomé e Príncipe, operadores económicos dizem não conseguir abastecer o mercado devido à falta de divisas nos bancos comerciais e alguns ameaçam fechar as portas, quando questionado até que ponto a escassez de divisas pode afectar da economia moçambicana, Egas Daniel referiu que por agora não terá nenhum impacto negativo, apontando que a gestão do Banco Central poderá conter a infracção.
“Olhando da forma que pode prejudicar a economia, se colocarmos na balança talvez vale a pena tentarmos gerir no aperto esta escassez de divisas do que numa situação em que o Banco de Moçambique deixa de colocar a sua mão e a moeda desvaloriza de forma brusca. Então, é como quem diz em relação a ter um metical descontrolado e um metical gerido artificialmente, mas com essas consequências temporárias de escassez de divisas vale a pena o câmbio estar controlado do que gerir a disponibilidade do dólar com o câmbio descontrolado e depois ter uma depreciação excessiva que pode se refletir no aumento generalizado do preço do mercado”, refere o economista.
Embora considere que a escassez de divisas nos bancos comerciais ainda não atingiu níveis de alarme, admite que pode ser um alerta não só para o mercado, mas também para o Banco de Moçambique tentar melhorar e ver que equilíbrio pode encontrar entre fixar a taxa de câmbio e ao mesmo tempo garantir que o mercado não tenha escassez de dólares.
“É uma pressão que se exerce ao Banco porque o mercado sempre vai emitir sinais e estes sinais até então não são novos. O banco vem fazendo este jogo de cintura. Agora a pergunta é até que ponto vai continuar a fazer este jogo de cintura”, defende.
Raul Mendes defende disponibilização de mais divisas para desbloquear importações
Por sua vez, o economista Raul Mendes defendeu que o Banco de Moçambique deve disponibilizar mais divisas para os bancos comerciais para desbloquear o pagamento dos produtos importados e, por via disso, evitar a subida do custo de vida.
“Os agentes econômicos precisam de divisas para fazer importações. O mercado paralelo pode até oferecer alternativas, mas é incapaz de satisfazer a procura. Os fornecedores só desbloqueiam os produtos depois do pagamento, daí que o Banco Central deve evitar a subida do custo de vida através da disponibilização de mais divisas para os bancos comerciais que neste momento estão pressionados. Até aqui a situação está controlada, mas temos que estar em alerta”, disse Raul Mendes.
Nas entrelinhas, Mendes referiu que para diminuir a dependência do exterior o país deve dinamizar a produção agrícola que a longo prazo vai sustentar a indústria transformadora e esta, por sua vez, vai impulsionar o desenvolvimento das outras indústrias.