- Venâncio Mondlane pode ter comprado um presente envenenado chamado CAD
- Partidos que compõem a CAD não fizeram averbamento no Ministério da Justiça
- Averbamento da CAD devia ter acontecido antes o início de entrega de candidaturas
- Único averbamento da CAD publicado em BR como manda a Lei é de Junho de 2018
- CAD foi notificada para suprir irregularidades e entregou documentos incompletos
Nem mesmo as ameaças feitas a vários níveis e muito menos correntes de jejuns e orações, última vigílias das quais aconteceu bem defronte dos escritórios da Comissão Nacional de Eleições (CNE), foram suficientes para demover a sensibilidade dos 18 vogais da CNE que por unanimidade deliberaram, dentre vários aspectos, chumbar a candidatura da Coligação Aliança Democrática (CAD) por nulidade. Na sua fundamentação, entre vários aspectos, a CNE esclarece que, afinal, está prevista na Lei a obrigatoriedade de averbamento e publicação de convénios antes do arranque da apresentação de candidaturas por parte dos partidos que compõem a coligação, o que não aconteceu. Ademais, a lei dispõe que os políticos da coligação têm 15 dias, a contar da data da celebração do Convénio, para comunicar ao Ministério da Justiça para efeitos de averbamento, no entanto, a CAD só comunicou ao ministério no dia 18 de Junho, dois meses depois da assinatura do Convênio de Coligação, datada de 27 de Abril de 2024. Ademais, a CNE diz que notificou a CAD para suprir as supostas irregularidades, tendo recebido documentos incompletos. Inconformada, a CAD recorreu esta segunda-feira exigindo que o Conselho Constitucional anule a deliberação da CNE.
Começa a se esvair no horizonte o sonho de muitos moçambicanos de verem a CAD concorrer às eleições legislativas e quiçá formar uma bancada na próxima legislatura. Semana finda, de forma liminar, a CNE decidiu chumbar a sua candidatura por, alegadamente, estar impregnada de irregularidades e violações que levarão à declaração de sua nulidade.
“Nestes termos, e por força do n.° 1 e da alínea b) do n.° 2 do artigo 129 da Lei n.° 14/ 2011, de 10 de Agosto, os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei imponha expressamente ou que careçam, em absoluto, de forma legal são nulos. Importa referir que a nulidade pode ser invocada a qualquer momento, nos termos do artigo 286 do Código Civil”. Foi assim, como Paulo Cuinica, vogal e porta-voz da CNE sentenciou o futuro da CAD, pelo menos por enquanto, pois aquela coligação decidiu usar de um direito que a assiste e recorreu da decisão ao Conselho Constitucional.
No entender da CNE, a candidatura da CAD não reúne requisitos para ser aprovada, por dentre várias irregularidades, os partidos que a compõem não terem cumprido com o dever de efectuar averbamentos sobre quaisquer actos relevantes, tais como a dissolução, fusão, coligação ou mudança dos titulares dos órgãos centrais, em face de uma comunicação, por escrito, feita pelo partido, tal como manda o artigo 8 da Lei dos Partidos Políticos e do artigo 1 do Diploma Ministerial n.° 11/91, de 13 de Fevereiro
A referida comunicação, segundo o entendimento da CNE devia ter sido feita no prazo de 15 dias ao Ministério da Justiça, a contar da data da sua ocorrência, ou seja, assinatura do Convênio, contudo, segundo os órgãos de administração eleitoral, a CAD só fê-la dois meses depois quando foi notificada a sanar irregularidades.
Averbamento da CAD devia ter acontecido antes o início de entrega de candidaturas
Como se tal não bastasse, no entender da CNE, a CAD devia ter regularizado a sua situação legal e publicado o Convênio nos órgãos de comunicação antes do início da fase de entrega de candidaturas. Ou seja, mesmo se a CAD conseguisse hoje fazer o averbamento, seria extemporâneo.
“Nos termos do artigo 158 da Lei n.° 3/2019, de 31 de Maio, conjugado com o artigo 174 da Lei n.° 8/2013, de 27 de Fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.° 2/2019, de 31 de Maio, é permitido, para fins eleitorais a dois ou mais partidos políticos apresentarem uma lista única de candidatos a Membros da Assembleia Provincial e a Deputados da Assembleia da República, desde que tal coligação, depois de devidamente autorizada pelos órgãos competentes dos respectivos partidos políticos seja anunciada publicamente nos órgãos de comunicação social, com a publicação no Boletim da República, até ao início do período de apresentação de candidaturas”, refere a CNE.
Sucede que o único averbamento da CAD publicado em BR como manda a Lei é datado de 26 de Junho de 2018, período que a coligação era composta por oito partidos. De lá para cá, dois partidos, nomeadamente Congresso dos Democratas Unidos (CDU) e Partido Ecologista de Moçambique (PEMO), saíram.
Para legalizar a sua participação, os cinco partidos que compõem a CAD actualmente assinaram entre si um convénio de coligação datado de 27 de Abril do presente ano. Estranhamente, este convênio foi engavetado e não houve comunicação por parte dos partidos signatários ao Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, para efeitos de averbamento.
“Noos partidos políticos que celebrem Convénios de coligação para fins eleitorais devem comunicar o facto, mediante a apresentação da prova bastante à Comissão Nacional de Eleições até a apresentação efectiva das candidaturas, em documento assinado conjuntamente pelos órgãos competentes dos respectivos partidos políticos. Esta comunicação deve conter: a) a definição do âmbito e fins da Coligação; b) a indicação da denominação, sigla e símbolos da Coligação; c) a designação dos titulares dos Órgãos de Direcção ou de Coordenação da Coligação; d) o documento comprovativo da aprovação do Convénio da Coligação.
No entanto, segundo a CNE, apreciado o expediente, constata-se que foi submetido pelos requerentes apenas o documento comprovativo da aprovação do Convénio da Coligação (por eles próprios), mostrando-se, assim, em falta os outros elementos, tal como a definição do âmbito da Coligação.
“Ademais, afere-se que não se juntou os averbamentos devidos, efectuados nos registos de cada partido político que integra a Coligação, nos termos do n.° 1 do artigo 8 da Lei n.° 7/91, de 23 de Janeiro. Nota-se, ainda, que o Convénio da CAD foi celebrado no dia 27 de Abril de 2024 e comunicado ao Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, no dia 18 de Junho de 2024, violando assim o prazo previsto no n.° 3 do artigo 8 da Lei acima referenciada, que estabelece, imperativamente, que os partidos políticos da coligação têm 15 dias, a contar da data da celebração do Convénio, para comunicar ao Ministério da Justiça para efeitos de averbamento. A comunicação ao órgão competente para o averbamento constitui um dever dos partidos políticos”, esclarece a CNE, atirando assim culpa para os cinco partidos que compõem a CAD, que podem ter dado um presente envenenado a Venâncio Mondlane.
CAD foi notificada para suprir irregularidades e entregou documentos incompletos
Na sua comunicação, os membros da CAD, sobretudo através do Facebook, têm estado a referir que aquela coligação foi notificada tempestivamente para sanar qualquer irregularidade atinente ao seu registo.
Entretanto, na sua comunicação, Paulo Cuinica jurou de pés juntos que a CAD, afinal, teria sido notificada e, fruto disso, sanou uma e outra irregularidade, havendo aquelas que se mostraram insanáveis.
“Face às irregularidades constatadas, a CAD foi devidamente notificada com vista a supri-las, tendo apresentado documentação incompleta. Da confrontação feita entre a Certidão do Registo da CAD, datada de 28 de Junho de 2018, e o Convénio de 27 de Abril de 2024, constata-se que, no novo Convénio não constam os partidos CDU e PEMO, ou seja, não houve nenhum acto comprovativo da modificação e/ou alteração, em flagrante violação da alínea b) do n.° 1 do artigo 16 da Lei n.° 7/91, de 23 de Janeiro, ‘comunicar ao órgão estatal competente para o registo dos partidos, as alterações aos estatutos e programa, bem como a superveniência da dissolução, da fusão, da cisão e da coligação’. Ao proceder à comunicação, à entidade competente, para o devido averbamento, no dia 18 de Junho de 2024, de forma extemporânea, isto é, fora do prazo estabelecido, de 15 dias, a contar da data da celebração do mesmo, que é de 27 de Abril, a CAD violou o preceituado no n.° 3 do artigo 8, da Lei n.° 7/91, de 23 de Janeiro”, entende a CNE;
Mais ainda, destaca que a falta de comunicação deste acto à entidade competente, neste caso ao Ministério da Justiça, em tempo legalmente estabelecido, constitui, por outro lado, violação dos deveres dos partidos políticos que integram a CAD.
“O averbamento oficioso pelo Ministério da Justiça só ocorre após a comunicação do facto pelo interessado, no prazo legal da obrigatoriedade da mesma, estabelecido, imperativamente, no número 3 do artigo 8 da supracitada lei. Pelo que, a comunicação é requisito essencial. A comunicação do Convénio celebrado e submetido à CNE não respeita os requisitos formais estabelecidos nas alíneas a) e d) do número 4 do artigo 158 da Lei n.° 3/2019, de 31 de Maio”, refere.
Outra irregularidade apontada pela CNE tem a ver com o facto nos seus estatutos a CAD (BR Il Série n.° 131 de 9 de Julho, de 2019), estar escrito no seu artigo 6, que “a CAD é uma pessoa colectiva independente das outras organizações políticas, constituindo, por isso, entidade distinta dos partidos que a integram”.
No entender da CNE ao se consagrar como uma entidade distinta dos partidos políticos que fazem parte da Coligação, a CAD viola, o prescrito no n.° 3 do artigo 26 da Lei n.° 7/91, de 23 de Janeiro, que preconiza, como se referiu supra, que “as coligações de partidos políticos para efeitos eleitorais não têm personalidade jurídica distinta dos partidos que a integram”.
Diante destes fundamentos, a CNE decidiu rejeitar as listas plurinominais fechadas de candidaturas da Coligação Aliança Democrática por suposta nulidade do processo da sua candidatura. Em outras palavras, salvo opinião contrária dos juízes do Conselho Constitucional, neste momento a CAD está fora da corrida eleitoral.
CAD submete recurso e mantém sua estratégia de pressão com ameaça de insurreição a mistura
O presidente da coligação que suporta a candidatura de Venâncio Mondlane, Manecas Daniel, referiu que a decisão tomada pelo órgão eleitoral tem em vista a prejudicar àqueles que colocam em a causa o seu “estômago” para além de enganar o povo moçambicano sobre irregularidades.
Tal como prometera semana finda, a CAD submeteu esta segunda-feira um recurso tempestivo ao Conselho Constitucional que funda-se essencialmente no princípio de aquisição progressiva dos processos.
Quer isto dizer que a CAD não nega que possam existir irregularidades com o seu averbamento, contudo, entende que tal exigência devia ter sido arguida durante o processo de inscrição e não agora. Não tendo sido interpelada naquele momento a sua inscrição está regular e é por isso que está publicada em BR. Igualmente, entende que as nulidades evocadas pela CNE nunca podem afectar toda a lista, mas sim alguns candidatos.
Por isso a CAD pede no seu recurso, que deu entrada esta segunda-feira, que o Conselho Constitucional anule a deliberação da CNE na parte que rejeita a candidatura da CAD e solicita ainda que o CC ordene a recorrida, neste caso, CNE, a aceitar as listas plurinominais fechadas da candidatura da CAD.
Ademais, a CAD contraria a CNE e diz que o que conta às coligações não se aplica a Lei dos partidos Políticos, mas sim o disposto na lei eleitoral, pelo que entende que para efeitos eleitorais, apenas uma comunicação para efeitos de anotações basta.
“O que conta para o processo eleitoral é apenas a comunicação de averbamento e não o averbamento em si”, disse a CAD, adiantando que este exercício foi feito, penso embora tenha sido solicitada tardiamente. No entanto, assume que a Publicidade de Convênio da CAD só foi feita no Jornal Notícias no dia 18 de Junho do presente ano, quando no entender da CNE devia acontecer antes do arranque da fase de submissão de candidaturas.
Falando após a submissão de recurso com propósito o de anular a deliberação da Comissão Nacional de Eleições, o presidente da Coligação Aliança Democrática, Manecas Daniel convocou uma marcha para dia 27 do mês e ano em curso para protestar a deliberação da CNE que ao seu ver constitui “violação de direitos basilares dos moçambicanos”.
Prosseguindo, Manecas Daniel exortou ao Conselho Constitucional (CC) a aprovar o recurso submetido, para deste modo evitar o pior para além de provar sua ineficiência, uma tónica de ameaça que foi também manifestada dias antes da deliberação da CNE em que chegou-se a alegar que “os jovens conheciam as casas dos vogais”.
“Comunicar aos órgãos de soberania, ao povo moçambicano, a comunidade internacional e a sociedade civil das acções que estão sendo tomadas e a execução da responsabilidade dos danos a serem causados caso o conselho constitucional não reponha a verdade e a legalidade”, disse Daniel elevando o tom de ameaça de insurreição.