- Magistrados ameaçam seguir a Constituição e desobedecer Lei da Frelimo e Renamo
Os Tribunais Judiciais de Distrito receberam, em Abril do ano em curso, luz verde para ordenar a recontagem de votos em casos de ilícitos eleitorais, na sequência da revisão da lei eleitoral. No entanto, o Presidente da República devolveu o instrumento para o reexame no Parlamento por entender que havia arestas a serem limadas. No reexame, os parlamentares, com voto a favor da Frelimo e Renamo, aprovaram um novo texto que mexe essencialmente nas competências dos tribunais de distrito. Nesse caso, estes perderam o poder de mandar recontar os votos, passando o Conselho Constitucional a ser uma espécie de instância única efectivamente com poder quando se trata de contencioso eleitoral. Inconformada, a Associação Moçambicana de Juízes já avisou que vai desobedecer a esta Lei e aplicar aquilo que está consagrado na Constituição. Aliás, denuncia que há cada vez maior interferência política nos processos judiciais.
Elisio Nuvunga
As bancadas parlamentares da Frelimo e Renamo na Assembleia da República aprovaram, sob protesto do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o reexame da Lei Eleitoral que acomoda as emendas sugeridas pelo Presidente da República, que recorrendo ao seu poder de veto devolveu, em Maio passado, o texto anteriormente aprovado por consenso à casa do povo
A luz do novo texto da controversa Lei que estranhamente teve OK da Renamo, que sempre se queixou das artimanhas da Frelimo, fica eliminado o articulado que suscita dúvida quanto ao mecanismo processual da sua aplicação por parte de Sua Excelência o Presidente da República.
O referido articulado é nada mais, nada menos que as competências dos tribunais no âmbito do contencioso eleitoral. Assim, os tribunais passam a ser uma instância meramente cosmética, sem nenhum poder de mandar contar votos. Esta prerrogativa passa a ser exclusiva do Conselho Constitucional.
A atribuição dos poderes ao Conselho Constitucional para ordenar a recontagem de votos ao invés dos Tribunais Judiciais do Distrito, no que é interpretado como uma preparação da fraude, não está a ser bem acolhida pela Associação Moçambicana de Juízes (AMJ).
Começando por denunciar cada vez mais interferência política nos processos judiciais, o presidente da AMJ, Esmeraldo Matavele, esclarece que o contencioso eleitoral é um processo judicial e antes de chegar ao Conselho Constitucional, que é uma instância de recurso, deve ser julgado no tribunal de distrito.
“Uma coisa não está bem. Nós achamos que está havendo uma politização dos processos judiciais, o recurso de contencioso eleitoral é um processo judicial. É verdade que ele regula a vida política de um país, mas é um processo judicial, e os processos judiciais têm a sua forma de tramitação. Existe a primeira instância, a segunda instância ou até a última instância. Agora, dizer que o tribunal do distrito, o juiz do tribunal judicial vai receber o processo do contencioso eleitoral e depois produzir toda prova meter ao CC, não sei se é essa a função de um juiz”, indagou Esmeraldo Matavele.
Mesmo com a revisão da Lei Eleitoral, o Juiz garantiu que em caso de contencioso eleitoral vai ter em consideração o que está previsto na Constituição da República.
“O juiz é independente, faz a apreciação dos factos, interpreta e aplica a lei, o que considera mais adequado, por isso, face a essa revisão legislativa que ocorreu ontem, os juízes irão aplicar a lei e o vão aplicar a constituição da república de Moçambique, que define quem é quem, o que cabe a cada um dos órgãos neste estado. Essa é a principal mensagem de que os juízes vão agir de acordo com a lei e temos a nossa constituição da república que é a lei mãe neste país”, sublinha.
Por outro lado, Esmeraldo Matavele deixou ficar que não compete a juízes servir interesses particulares ou políticos, muito menos agir por conta de recados.
“Nós não trabalhamos em vingança, em orientações, em recados, não. Nós defendemos uma tese no parlamento, mas o parlamento entendeu o que entendeu como podem reparar foi na última hora que se chegou a este acordo, mesmo essa decisão de se ficar só com a recontagem já era duvidosa, porque nós achamos que quando o juiz julga em primeira instância é para exercer seu papel de julgar dizendo o direito aplicável ao caso concreto. A que respeitar a assembleia da república tomou a sua decisão, mas os juízes também em cada tribunal são órgãos de soberania, tal como a assembleia é um órgão de soberania”, destacou, fincando pé no que parece ser uma posição firme.