- Uma vida dedicada a uma arte que resiste ao tempo
Aos 61 anos de idade, Abílio Sumbane é um ícone da produção artesanal de sapatos em Maputo. É do bairro de Chamanculo, onde saem sapatos cozidos cuidadosamente à mão e que se confundem e até superam de longe as grandes marcas de sapatos portugueses ou italianas, pela qualidade personalizada e emprestada a cada item. É uma arte e começou aos 14 anos. A técnica de costurar sapatos é fruto da sua árvore genealógica. Sumbane aprendeu esta actividade do seu tio ainda no tempo colonial e desde lá tem dado continuidade ao legado da família através da sua marca chamada “Afribunhe”. Hoje em dia, mesmo sem uma fabriqueta devidamente equipada, sua oficina é um testemunho de vidas e conquistas e uma referência no histórico bairro de Chamanculo, onde deságua gente de bom gosto, no que ao calçar diz respeito.
Elísio Nuvunga
Em Moçambique, o mercado do calçado depende sobremaneira das importações, ou seja, o grosso dos sapatos comercializados no país vem do exterior, pois a maior parte das sapatarias que outrora faziam sapatos a gosto e medida fecharam.
No entanto, há ainda uma franja de artesãos cuja arte resiste ao tempo e a delicadeza do seu trabalho valoriza-os ainda mais. É o caso de Abílio Sumbane, que após o encerramento da fábrica de sapatos em que estava empregado, anos depois da independência, não quis engrossar o número de desempregados.
Com parcos recursos e pequenas máquinas que conseguiu juntar decidiu abrir uma empresa que fabrica sapatos made in Chamanculo. Natural da província de Maputo, concretamente na Vila de Manhiça, mudou-se para a Cidade de Maputo ainda em tenra idade em busca de melhores condições de vida.
“Aos 14 anos, em 1972, comecei a residir aqui em Maputo. Quando cheguei aqui tinha em vista aprender a fazer alguma coisa, como os outros que saem de outros pontos do país na busca de oportunidades em Maputo. Minha família não tinha condições condignas, por isso tive que muito cedo fazer alguma coisa para me tornar homem”, contou, para depois referir que primeiro trabalhou como ajudante na oficina do tio, que se dedicava ao fabrico de sapatos.
Com o conhecimento que adquiriu do seu tio mergulhou-se em outras aventuras laborais. Em 1977, deu continuidade com o mesmo ofício, porém numa outra fábrica de sapatos onde trabalhou cerca de nove meses e consequentemente aprimorou o que havia sido transmitido por seu tio.
“Quando cheguei na nova empresa vi que, afinal de contas, eu estava avançado em relação a eles. Eu já estava em vantagens porque eu já fazia um sapato completo sozinho, enquanto que na fábrica, o sapato passava por muitas mãos, haviam secções, e confesso que aprendi porque eles estavam avançados em termos de tecnologias, apesar de eu trabalhar com as mãos”, disse.
A falência que abriu as portas para o empreendedorismo
Com as experiências adquiridas ao longo do tempo, chegou a trabalhar numa empresa privada de ortopedia (especialidade médica que cuida da saúde relacionada aos elementos do sistema motor, como ossos, músculos, ligamentos e articulações) por 12 anos. Com esta bagagem, Sumbane sentiu algum preparo para começar a caminhar sozinho, apesar das dificuldades.
“Em 1990 comecei a trabalhar sozinho, sem mais nenhum patrão. Me desvinculei da empresa que estava quase em falência. Eu disse para mim mesmo que está na hora de procurar ser homem de verdade. Com milagres de Deus, comprei minha primeira maquininha de costura, e outra pequena máquina de fresa. Tudo começou nesse pequeno espaço que espero um dia tornar maior. As máquinas ainda não são suficientes, mas dá para ganhar alguma coisa”, disse Sumbana.
Como diz o adágio popular, “o tempo foi generoso”, de facto Abílio Sumbane é uma referência nacional a tomar em consideração quando se trata de sapatos de qualidade e personalizados na cidade de Maputo.
As suas obras de arte em jeito de sapatos levam a marca “Afribunhe”. A marca é muito mais do que um simples nome, é um símbolo de identidade e orgulho africano. Sua marca surge com o objectivo de capturar e expressar a essência da africanidade através de cada peça de sapato que carrega um valor cultural da sua zona de origem.
“Afribunhe” é inspirado em seu nome “Abílio”, origem (África) e sua naturalidade (Bunhe), no distrito da Manhiça.
“A marca dos meus sapatos, que é Afribunhe, não surge do nada. Sou moçambicano, sou africano, e pensei: ‘deixa lá criar uma marca que deixa claro que quem faz os sapatos é de África’. Então, ficou ‘Afribunhe’, que significa ‘Abílio, que é africano, natural de Bunhe’, que é um bairro da Manhiça”, explicou.
Até figuras do governo e artistas vestem “Afribunhe”
A marca Afribunhe conquistou um “status” de prestígio em Maputo, vestindo até figuras do governo com suas criações sofisticadas, apesar de complexas. Desde a sua fundação, a marca se destacou por sua capacidade de combinar tradição e africanidade, oferecendo sapatos que não apenas reflectem a riqueza cultural do continente, mas também atendem aos mais altos padrões de elegância e qualidade.
Hoje, Afribunhane é sinónimo de prestígio e identidade, provando que a produção artesanal pode alcançar o mais alto nível de sofisticação e respeito.
A “Afribunhe” é um testemunho de que o empreendedorismo pode criar oportunidades, mudar e transformar vidas. O seu legado não só será memorável nas marcas dos sapatos como também será seguido pelo seu filho Nardo Abílio Sumbane, que lado a lado procura absorver o conhecimento do seu pai, para preservar a tradição familiar.
Um ofício que passou de geração para geração
Nardo Abílio Sumbane seguiu as trilhas do seu pai aos 12 anos de idade. Hoje com 41 anos de idade, o seu sonho não passa da simples produção de sapatos com o seu pai. Com esforço e dedicação, Nardo conta como o ofício transformou sua vida.
“Comecei a ingressar nesta área de sapataria aos 12 anos e hoje tenho 41 anos. Não sei fazer outra coisa. Vivo disto. Não tenho outra profissão. Consegui fazer minha décima segunda classe na base disto. Já concorri na universidade onde podia estudar no período pós-laboral, mas admiti num curso que não queria. Por isso estou aqui e nunca mais me imaginei a fazer trabalho. Eu amo essa arte”, sentencia.
Casado e pai de cinco filhos, consegue ser provedor como um qualquer pai que vive da arte. Com pouco que ganha na oficina do pai, chega para colocar a comida na mesa e as ambições na arte não param.
“Hoje sou um homem casado, tenho cinco filhos e pago contas deles, como escola e alimentação. Com esse trabalho consigo também pagar minhas contas. Acredito que com o trabalho que a gente faz nessa oficina é possível ganhar vida como os outros. Esperamos um dia que o nosso trabalho seja implementado nas escolas para ajudar os jovens a terem o seu próprio emprego”, sublinha, desafiando as autoridades.
Agora, senhor Sumbane, graças a longa estrada, abraça “mega projectos” juntamente com o seu filho Nardo e com outros colaboradores da empresa (05). Com suas mãos de muita técnica e mestria, foi desafiado a produzir sapatos para o Hospital Central de Maputo (HCM), destinados para crianças com pé boto e outro tipo de deficiência.
“Agora com os meus colaboradores, estamos a fazer um trabalho sobre a saúde. Estamos a produzir esses sapatinhos para crianças que nascem com deficiência, neste caso o pé boto (uma malformação congénita do pé que necessita de um tratamento ortopédico adequado). Estamos a trabalhar com o Hospital Central de Maputo”, explicou.
“Aqui em Moçambique não há mais ninguém, sou eu sozinho que faço (sapatos)”
De complexo que é o trabalho, Abílio conta que em Moçambique é único homem munido dessas capacidades, apesar da idade.
“Aqui em Moçambique não há mais ninguém, sou eu sozinho que faço. Não é um processo fácil. Já foi desafiado um jovem para produzir os sapatos para crianças com pé boto, mas ele não conseguiu. Esses sapatos são feitos em Ruanda e na África do Sul”, explicou.
Volvidos 47 anos de muita labuta, apesar de alguns desafios, conta com um orgulho que valeu a pena ter seguido o caminho que escolheu, pois hoje já conhece o “sabor” da vitória.
“Não me arrependo de ter escolhido esse caminho. Graças a esse trabalho nunca parei na esquadra ou ouvir dizer que já roubei. Hoje não posso dizer que estou completamente realizado, porque ainda tenho falta de algumas máquinas e modernizar a oficina. Com este trabalho, consegui meter na escola meus cinco filhos, um deles está aqui e estão a ver. Consegui comprar minha casa, minha carrinha (carro) que estão a ver. Tenho terrenos, umas e outras casas, que são para mim conquista”.
Vale salientar que os preços de calçados da “Afribunhe”, marca de Abílio Sumbane, variam de cinco mil a doze mil meticais. Os preços devem-se à qualidade dos sapatos, que o seu processo de produção é quase esporádico em Moçambique.
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