Arão Valoi
Não é novidade para ninguém que, no nosso País, o cenário político e econômico tem sido marcado por uma inquietante série de raptos. E nos últimos meses, a frequência com que vinham acontecendo, quase semanalmente, e nas barbas de elementos da Polícia da República de Moçambique (PRM), ou de instituições relevantes, mostrava o quão à-vontade andavam ou andam os raptores.
Empresários, particularmente, de origem indiana, foram sempre alvo de um fenômeno que parece transcender a mera criminalidade comum. Os raptores, não apenas se destacam pela audácia, mas pela aparente conexão com estruturas de poder, o que levanta sérias questões sobre a integridade e a segurança no País.
Estranhamente, desde o início da campanha e à medida que as eleições gerais se aproximam, no dia 9 de Outubro, uma pausa enigmática nos raptos lança uma sombra de dúvida sobre as verdadeiras motivações e possíveis intervenções políticas. É como se, de repente, os raptos se tivessem prostrado diante de uma senhora chamada “campanha eleitoral”, deduzindo-se, por esta via, que, afinal, há como acabar com este mal. É só clicar num botãozinho e já está.
Durante anos, a narrativa foi a mesma: empresários de destaque foram sequestrados e mantidos em cativeiros até que quantias astronômicas fossem pagas em resgate. A organização e a sofisticação dos crimes sugerem que os responsáveis não são meros bandos de criminosos, mas sim uma rede complexa que pode envolver altos patentes da polícia e, possivelmente uma rede transnacional. O cenário é alarmante, mas o que realmente não deixa de surpreender, neste momento, é a interrupção abrupta desses crimes com a campanha eleitoral e aproximação das eleições. É como se alguém tivesse dado orientações para se parar com os raptos, até que novas ordens sejam dadas.
Este silêncio inusitado durante um período tão crucial e bastante crítico na política interna do País pode ser interpretado de diversas maneiras, e cada uma delas revela uma faceta inquietante da relação entre o poder e o crime.
A primeira hipótese é a de uma acção coordenada por aqueles que têm interesse em proteger a imagem das autoridades e garantir uma eleição tranquila. A coincidência entre o interregno dos raptos e o início da campanha eleitoral pode não ser mera sorte, mas sim um indicativo de uma estratégia deliberada para evitar que os crimes comprometam o clima político.
A segunda hipótese está relacionada com uma provável manipulação política. Se a percepção pública é influenciada pela ausência de crimes que antes causavam grande alvoroço, o efeito nas eleições pode ser significativo. A suspensão dos raptos revela uma tentativa de alterar a narrativa e de oferecer aos eleitores uma falsa sensação de segurança e eficiência por parte das autoridades. Num cenário eleitoral, onde a segurança é uma questão fundamental, estas manobras podem ser vistas como uma jogada estratégica para beneficiar candidatos específicos ou para enfraquecer adversários.
Uma terceira hipótese também pode despontar. Esta paragem pode ser, igualmente, uma estratégia para resgatar a amizade dos desavindos grupos empresariais de origem indiana com as elites políticas do País, principalmente, em matérias de financiamento da campanha eleitoral. Zangados, os empresários de origem indiana, principais vítimas dos raptos, fecharam as torneiras e não mais compram canetas a um milhão de meticais. Declararam, igualmente, apoio à Venâncio Mondlane e ao seu PODEMOS. Trata-se, de resto, de um posicionamento com implicações sérias no contexto político nacional. Há quem diga que estes grupos empresariais estão a provar do seu próprio veneno. Sempre financiaram actividades políticas com avultadas somas de valores, para daí, colherem os benefícios económicos, incluindo favorecimentos em concursos públicos, tráfico de droga, entre outras acções pouco claras. Hoje, sentem-se abandonados por quem lhes devia proteger.
Por outro lado, a presença de conexões entre os raptos e as elites políticas é um indicador de uma relação mais profunda e preocupante. Se os responsáveis pelos raptos são, de facto, protegidos ou facilitados por figuras de alto escalão, a pausa pode ser uma forma de não chamar mais atenção para a corrupção e para as conexões criminosas. A prática de interromper actividades ilegais durante períodos críticos é uma estratégia para evitar que os crimes se voltem contra aqueles que têm o poder de controlá-los ou encobri-los.
A falta de transparência sobre as investigações e a ausência de medidas concretas para solucionar o problema dos raptos são reveladores de uma conivência ou uma tentativa de manipular a situação para benefício próprio. O facto de que essas actividades cessam exatamente quando o foco está voltado para as eleições é, em si, uma manobra calculada para preservar a estabilidade política e evitar que as questões de segurança se tornem um ponto focal de crítica.
A verdadeira motivação por trás dessa pausa só será clara quando o ambiente político se estabilizar e as dinâmicas de poder se reconfigurarem. No entanto, uma coisa é certa: o fenômeno dos raptos em Moçambique não é apenas uma questão de segurança pública, mas um reflexo de uma rede de interesses políticos e econômicos complexos que moldam a realidade do País, apesar de o fenómeno mostrar tendências de descer para o nível mais baixo, afectando agora a classe média baixa.
Enquanto os eleitores se preparam para as urnas, a pergunta que paira no ar é: o que realmente está em jogo? A resposta a esta pergunta pode ser mais obscura do que se imagina, reflectindo um jogo de poder onde a segurança e a política se entrelaçam de maneiras que desafiam a compreensão simples. Em Moçambique, o silêncio dos raptos é, talvez, a evidência mais clara de que a política e o crime, muitas vezes, têm uma dança sinistra, onde a verdadeira natureza das conexões permanece oculta sob o véu da conveniência eleitoral.
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