Iniciou, hoje, a terceira fase das manifestações em protesto aos resultados eleitorais de 09 de Outubro e os assassinatos do advogado Elvino Dias e do mandatário do PODEMOS Paulo Guambe. Nesta quarta-feira (30), dando eco a convocação feita pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane num comunicado virtual, os partidos da oposição marcham em todo o país em reivindicação aos resultados eleitorais. No entanto, longe de corredores políticos, os efeitos destas manifestações na economia, nas famílias e na sociedade são agora mensuráveis. Para se ter uma ideia, somam-se três mil milhões de meticais em prejuízos, toneladas de produtos alimentares a apodrecer nos mercados, famílias dependentes de vendas diárias na incerteza e elevação do discurso de ódio que evoluiu das redes sociais para prática.
Eis-nos na quinta-feira, o último dia de Outubro e o primeiro dia da terceira fase da reivindicação dos resultados eleitorais. Nas cidades de Maputo e Matola, onde as manifestações têm maior repercussão, o dia iniciou calmo, com enchentes nas paragens, mas com pouca circulação de transporte público e os semicolectivos privados. Este cenário ilustra a controversa das manifestações. Apesar de existirem argumentos plausíveis para as reivindicações que tem forçado a paragem da economia, as manifestações se inserem num contexto social de pessoas que um dia sem trabalho significa um dia sem comida à mesa. E é esta classe que enche as paragens nas zonas periféricas com uma perspctiva de chegar ao centro da cidade em que encontra quase tudo fechado; uns por aderir as manifestações pacíficas e outros por temer pela vandalização das suas viaturas.
Jornalistas de diferentes órgãos estiveram na rua para ouvir quem sente os efeitos de perto. “Tudo o que é guerra, o que é manifestação, não é bom! Há um ditado que diz: onde os elefantes lutam o capim é que sofre. Então nós o povo vamos sofrer de fome, vamos passar mal, mesmo o trabalho não vai andar porque não há receita, não há salário para o patrão nem para o trabalhador”, disse Yassin Adamuji, proprietário de uma ferragem, quando foi interpelado pela nossa reportagem.
Adamuji é – à semelhança da maioria – um trabalhador por conta própria sem estrutura e sem reservas para aguentar uma paralisação de 7 dias. Para ele, apesar de ser uma manifestação pacífica, há sempre espaço para saques, oportunismos e outros actos que configuram terror. “Entrem em acordos para a paz, o país precisa de paz. Sem paz não há desenvolvimento. A paz é a coisa mais fundamental para uma nação. Então espero que os políticos resolvam estas coisas, sete dias são muitos, mesmo um dia não dá”, disse com a voz embargada pelo desalento.
Para Anastácia Matavel, cozinheira no mercado Malanga, estes dias em suspenso são complicados, mas mudanças são necessárias. “Alguma coisa pode vir a mudar com o Venâncio Mondlane. A nossa preocupação é que nós dos mercados trabalhamos com dinheiro dos bancos. É um bocadinho difícil porque vamos ter que ficar em casa uma semana. Não teremos como fazer xitique, não teremos como trabalhar. Tem aquelas pessoas que, quando não saem de casa, não há pão, precisam vender qualquer coisa para conseguir mandar dinheiro para casa para os filhos matabicharem”, disse.
Já o desespero de Rosita Mabulo é maior ao pensar nos sete dias em casa. Rosita, que é vendedeira, vai contra as massas pró venancismo. “Eu não apoio as manifestações porque o negócio não vai andar. Eu dependendo de mercado para sustentar meus filhos. Quando não saio para vender, as crianças não comem em casa. Não tenho marido, dependo de verduras que estão a ver para pagar despesas. Eu não apoio, apesar das pessoas dizerem que é para o nosso bem”.
No mercado de Zimpeto, houve relato de que os produtos de primeira necessidade estavam a apodrecer. Em contrapartida, há suspeitas de que o país mergulhe numa crise ainda mais adensada pela falta de stock dos produtos de primeira necessidade.
Além de fortes indicadores de agravamento de pobreza nas famílias, nota-se a degradação da tolerância.
A grande maioria da massa entende o apelo de Venâncio Mondlane como imposição e a democracia, que é também o respeito pelo direito de não participar, se torna autoritária.
Nos chapas, já se registam episódios de extensão de ódio que já fazia escola nas redes à semelhança da própria manifestação. Testemunhamos um episódio caricato de uma senhora que foi obrigada a descer do transporte semi-colectivo de passageiros, na cidade de Maputo, por não apoiar as manifestações de sete dias. Um outro senhor, por pronunciar palavras favoráveis a Frelimo, também foi obrigado a terminar a viagem mais cedo e permanecer à espera de chapa num dia de circulação limitada. Há também uma campanha de ódio contra apoiadores de Venâncio Mondlane, que se resume nas denuncia das paginas das redes sociais, que são o seu principal veiculo de comunicação.
Nas redes sociais, a intolerância e propagação de ódio são palpáveis. Forçar a adesão é uma forma de autoritarismo que contradiz o espírito de uma luta que pretende construir uma sociedade onde todos são iguais perante a lei e onde os direitos individuais, incluindo o de se abster de qualquer movimento político, são respeitados.
Os três mil milhões de prejuízos em três dias
As massas estão no informal e não é possível mensurar os danos exactos de uma manifestação que se quer pacífica, mas saqueia, bloqueia as vias de acesso com barricadas, destrói os bens públicos e privados, e chega a causar danos fatais em confronto directo com uma Polícia que recorre sempre a força desproporcional.
No sector privado, já se conhecem os danos para os negócios. São, em prejuízo directo, três mil milhões de meticais em três dias de manifestações, de acordo com a Confederação das Associações Econômica de Moçambique (CTA). Estes dados foram partilhados nesta quarta-feira (30).
Nesta quarta-feira, em resposta à convocação de manifestações e paralisação de actividades promovidas por Venâncio Mondlane, o Governo, através do Ministério da Indústria e Comércio, garantiu que estão criadas todas condições para o decorrer normal das actividades económicas e que o país não irá fechar.
O Governo, ao alertar que as paralisações representam um retrocesso significativo, ressaltou que os prejuízos acumulados já ultrapassam milhões de meticais devido às interrupções recentes, afectando gravemente tanto as empresas quanto os trabalhadores. Não é prejudicada, anotou o Governo, apenas a renda familiar, mas também a estabilidade do mercado. “É essencial que as empresas permaneçam abertas; a interrupção das actividades apenas agrava a situação económica do nosso país e retarda o progresso que já foi alcançado”, afirmou o ministro da Indústria e Comércio, Silvino Moreno, sublinhando a importância de um esforço colectivo para mitigar os danos acumulados.
Moreno reiterou que a estabilidade económica é de suma importância, especialmente considerando os desafios históricos enfrentados, como os longos anos de guerra civil, convocando os representantes do sector privado a unirem esforços.
Apesar das tensões sociais, reconhece Moreno, é fundamental garantir que a economia continue a operar sem interrupções desnecessárias, que podem levar a uma crise ainda maior.
Maputo hoje
O anúncio da indisponibilidade de serviços, feito pelos bancos, logo no primeiro dia de uma manifestação que irá durar sete dias (31 de Outubro a 07 de Novembro), mostra que o apelo do Governo não teve qualquer efeito. Mas adesão a manifestação do efeito venancismo não é motivada exclusivamente pelo comando que Venâncio Mondlane representa. Há aqui uma pluralidade de motivações entre os jovens envolvidos, desde convergência de ideais, medo e até oportunismo.
Do resto, a incerteza tende a crescer com o receio de que as manifestações venham durar 25 dias, igual de número de balas que tiraram a vida de Elvino Dias e Paulo Guambe.
Anastácia Matavel – Cozinheira no Mercado Malanga
Rosita Mabulo
Yassin Adamugi
Fonte: CDS