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A proposta de Lei de Comunicação Social traz consigo avanços visíveis, mas também perigosas armadilhas que podem comprometer a própria essência do jornalismo em Moçambique, num contexto de democracia fragilizada como se pode ver nos últimos relatórios de estágio de democracia em Moçambique. Entre muitos aspectos que se mostram problemáticos e quase ausentes no debate, há que destacar que não é coerente (como se vê no artigo 45 que versa sobre responsabilidade criminal) atribuir aos órgãos de comunicação social responsabilidade solidária por textos ou opiniões assinadas por autores que não são efectivos da redacção. Uma coluna de opinião, por exemplo, é, por natureza, um espaço de liberdade individual, ancorado na confiança que o jornal deposita na integridade do colunista. A direcção do jornal não pode ser transformada em polícia da consciência alheia, obrigado a verificar até os elementos mais íntimos da argumentação pessoal. Fazer recair sobre o jornal a pena por um artigo de opinião é ignorar a natureza do género, é confundir linha editorial com livre pensamento.
A situação torna-se ainda mais grave quando se percebe que, em determinados casos, como se vê no artigo 48, o jornalista está impedido de se defender pela verdade, se o ofendido for o Chefe de Estado. Aqui, o direito de defesa é amputado em nome de uma falsa intocabilidade presidencial. Não faz sentido. O jornalismo não existe para massagear egos de governantes, mas para fiscalizar o exercício do poder, até ao mais alto nível. Limitar a defesa é empurrar os jornalistas para o medo, para a auto-censura, é decretar um retrocesso num tempo em que deveríamos caminhar para a maturidade democrática e para a solidez das instituições.
Outro ponto crítico está no artigo 49, que versa, por exemplo, sobre a suspensão de órgãos após três condenações por difamação ou injúria em cinco anos. Se, por um lado, a medida pode disciplinar abusos, por outro cria um risco real de as sanções se transformarem em arma de silenciamento. Imagine-se um jornal investigativo, frequentemente processado por expor corrupção, como já o faz o Evidências, a ser condenado em três instâncias sucessivas. O resultado não é justiça, mas sim a extinção de uma voz incómoda. A proposta precisa de ser coerente; se queremos revolucionar o jornalismo, que seja pela seriedade e transparência, não pelo medo.
É verdade que há sinais de progresso, a introdução da carteira profissional de jornalista, o combate aos meios clandestinos, passos que consolidam o sector e elevam os padrões. Mas tais avanços ficam manchados quando acompanhados de restrições que lembram mais mecanismos de controlo político do que garantias de liberdade. Obrigar a imprensa a publicar notas oficiais gratuitamente e com destaque é uma dessas incongruências. O Estado não deve pautar a linha editorial dos jornais. A independência editorial é condição para que a imprensa não seja confundida com um mero braço da propaganda política.
Outro absurdo é a tentativa de impor ao jornalista o dever de decidir o que é ou não informação “sigilosa”. A classificação do sigilo pertence ao Estado, mas o dever do jornalista é outro, é apurar se a informação é de interesse público. Misturar estes papéis é reduzir o jornalismo a extensão da máquina estatal.
A própria lei, em alguns pontos, mostra falta de cuidado da sua redacção. O Artigo 39 faz referência a alíneas que simplesmente não existem, criando contradições que fragilizam o texto. Como confiar numa proposta que quer regular a imprensa quando ela própria carece de rigor na sua redacção?
Por fim, coloca-se a questão das licenças renovadas a cada cinco anos. A quem serve esta obrigatoriedade? Para que reinventar burocracia se o registo já está feito e validado? A renovação periódica só abre portas para arbitrariedades administrativas e para a dependência política.



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