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Das dívidas ocultas a um julgamento que “oculta” mentores e limita-se nas comissões

Com todo optimismo que se criou aquando do anúncio do julgamento, cimentando a esperança de que a verdade sobre o mega calote seria conhecida e os lesas-pátrias seriam responsabilizados, dos réus até aqui ouvidos, ficou a percepção de que o Ministério Público está na ginástica de busca da prova material dos que se beneficiaram das comissões, isolando os que conceberam o projecto, subfacturaram os equipamentos e não sabem nem explicar o que foi feito com mais de USD 500 milhões dados como desaparecidos aquando da auditoria da Kroll.

Isso não poderia ser respondido por Nhangumele, Mutota ou Ndambi… ou por qualquer outro dos mais de uma dezena de réus que estão no banco defronte ao juiz, alguns dos quais por azar de terem aceite ser usados pelo núcleo duro das comissões. Aliás, alguns, pelo incipiente nível de envolvimento, nem deviam ser colocados no mesmo pote com os comissionistas. São réus miúdos hasteados pelo Ministério Público como bodes expiatórios de um selectivo compromisso de “combate à corrupção”. Hoje somos servidos um espectáculo mediatizado para mais uma vez terminarmos na sensação de uma justiça actuante para pilha galinhas e que acarinha lesas-pátrias. Limitar-se ao peixe miúdo que desfila na BO é igual a colaborar na ocultação da verdade, que desde o princípio o poder político mostrou-se determinado a não revelar.

Estamos convictos de que até aqui os únicos que respondem pelo acto que lesou a pátria é Manuel Chang, António do Rosário e Gregório Leão, quanto aos outros, só pelas comissões ficou claro que nem tinham ideia da dimensão da empreitada, até porque entregaram um projecto de 360 milhões, no caso da ProIndicus, mas saiu do Ministério de Defesa para Privinvest com orçamento duplicado. Infelizmente, isto não está em investigação.

Ou seja, há neste roubo figuras políticas que ganharam nas comissões, nas subfacturações e no desvio de 500 milhões, e cá distraídos torcemos pela detenção dos que mamaram a quarta parte dos 200 milhões descriminados pela Privinvest para o pagamento das comissões. É desses 200 milhões que foram retirados os pagamentos de vinho à Presidência da República, os pagamentos a Frelimo, os facilitadores nos bancos que concederam empréstimos, e a todos envolvidos neste processo.

Decorridas duas semanas do Julgamento, são essas reticências que ainda não foram dissipadas principalmente nos que mantém intacta a convicção de que há mão política neste processo, uma teoria secundada pelas declarações num tom desafiador de Ndambi Guebuza, que pecaram pela arrogância na colocação, convencido de que o “oculto” não são só as dívidas, seus mentores continuam deliberadamente ocultados pelo Ministério Público, com apadrinhamento do Tribunal Supremo, com quem vão pincelando quem deve e não deve ser arrolado ao escândalo.

Indiciou isso quando este réu afirmou à “heroica” magistrada do Ministério Público, que “meritíssima, o povo quer saber das dívidas ocultas, dos 2,2 mil milhões de dólares”. Ele está sendo julgado pelos USD 33 milhões, um roubo hasteado pela justiça forjada para encobrir um roubo maior, que transcende os ganhos das comissões. A justiça em curso será digna de reconhecimento quando não se limitar na base, avançar até ao topo, afinal, não há mais segredo de Estado, ora exposto, para encobrir pagamentos até aqui não justificados.

O Ministério Público isolou o roubo e centrou-se nos detalhes e quer que alguém creia que não estamos perante a um julgamento forjado, para posteriormente vender aos incautos a narrativa de uma justiça funcional e de responsabilização, como já é espalhado pelas redes sociais e em alguma imprensa. Político ou não, não estamos perante um julgamento que esclareça onde foram aplicados os cerca USD 2,2 mil milhões, mas, sim, que está a rastrear no processo principal o paradeiro e a forma espectaculosa de como foram aplicados as 50 milhões de galinhas. Está claro que compraram altas máquinas, outros viraram reis de gado e alguns foram semear milho para depois mamar o taco, mas para que a justiça seja verdadeira é preciso saber quem são os que comeram a maior parte do bolo.

Ainda há espaço para arrolar todos os envolvidos neste processo, e responsabilizar todos prevaricadores em toda cadeia. Desde os bancos, a Privinvest, o Ministério de Defesa, o SISE e as responsabilidades política da Presidência da República. Na ausência desses no banco dos réus, adiemos a esperança para o Julgamento Britânico, em 2023. Não podemos ficar dependentes dos processos autónomos, também eles ocultos, quando temos neste processo ora em julgamento a oportunidade de, no mínimo, saber da verdade.

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