Dionildo Tamele
Já virou hábito para a imprensa doméstica e internacional, sempre quando o ano estiver prestes a terminar, escolher-se a figura do ano, com critérios não muito claros. Quando era estudante de jornalismo, indaguei bastante, em função dos critérios da escolha da figura do ano, pelos diversos meios de comunicação social, sediada na cidade das acácias e um pouco por todo país. A mera conclusão na qual cheguei é que a escolha da figura do ano estava associada a linha editorial dos meios de comunicação, uns a favor do governo, vezes sem conta o chefe do Estado foi sempre a figura do ano, enquanto os contra a governação faziam escolhas discrepantes. Para quem tem uma formação em jornalismo e ciência política, sabe de antemão da dificuldade enorme da neutralidade dos meios de comunicação social e não obstante dos intelectuais, no sentido que sempre estão a favor da direita ou da esquerda, não sendo isso errado, apenas é errado tentar mostrar a ideia da sua neutralidade no seio das massas, parafraseando o sociólogo alemão, Robert Michels, na sua célebre obra cujo título é Oligarquia, democracia e representação. Aqui, Michels mostra a impossibilidade de um ordenamento social mais democrático e igualitário no seio da sociedade. O argumento central do livro é que apesar disso a lei do ferro das oligarquias procura trazer uma reflexão, comprometida com o avanço da democracia, em vez de alerta ao abandono do ideal democrático, servindo de alerta contra o abastecimento desse ideal pelas próprias instituições que dizem implantá-lo, proporcionado um instrumento de análise crítico da representação política.
Como disse antes, a figura do ano é escolhida dentro das instituições e as mesmas são formados pelos valores, uns são a favor e outros contra. Para o presente ano, eu sugiro que a figura do ano seja a população de Cabo de Delgado, pelo facto de já serem quatro anos e alguns meses de instabilidade naquela região histórica, a imprensa moçambicana podia reescrever a história do país, como no passado o fez, no período colonial.
Por que a população de Cabo Delgado deve ser a figura do ano? Estamos todos ou deveríamos estar a acompanhar o julgamento das dívidas não declaradas. O móbil daquelas dívidas está associado ao sistema de segurança nacional, sendo que isto não aconteceu, as dívidas apenas beneficiaram as elites políticas e económicas do país, deixando a deriva o sistema de segurança e por causa disso pode depreender que o país está numa condição instável, embora o Presidente da República, no dia em que se dirigiu a nação, quatros anos depois dos eventos calamitosos em Cabo Delgado, disse que o país estava estável, apesar de termos um país na altura do seu discurso, com mais de 123 mil crianças sem aulas, 1200 professores refugiados, paralisação dos projectos de extração de gás.
Os makondes, mwani e makua, estas três etnias, não esquecendo algumas etnias que vivem naquela província sem ser parte integrante daquela província, em termos de origem, vivem um martírio que os hebreus viveram no Egito, durante 400 anos de escravatura, sem direito de uma escolha e muitas das vezes deveriam viver com as suas malas prontas porque não sabiam onde dormir e isto fez com que eles fossem nómadas, o que ainda persiste para os hebreus. Em Moçambique, o lugar de holocausto é a província de Cabo Delgado.
Os meios de comunicação social no presente ano deveriam como um acto de cidadania fazer uma mera homenagem aquela população, quando falo da imprensa me refiro a escrita, radiofônica, televisiva, as redes sociais, porque não activarmos o movimento “Cabo Delgado também é Moçambique”, sentindo sermos parte integrante como agentes de grupo de pressão para o governo, com a perspectiva da resolução desta situação de forma urgente.
Cabo Delgado e o seu povo são parte integrante de uma história que não devem de modo algum continuar a viver como tem vivido nos últimos quatro anos e alguns meses. Se um povo não tem capacidade de preservar a sua história, este povo deve ser exterminado na sua totalidade. É urgente que todos nós possamos reivindicar a estabilidade desta província que é a estabilidade do país.
Voltemos ao debate que eu proponho no presente artigo, mas antes é preciso situar melhor o conceito de figura do ano, sendo esta figura denominada personalidade do ano, porque reúne um conjunto de características marcantes num determinado ano, duma pessoa que é a força activa que ajuda a determinar o relacionamento das pessoas baseada em seu padrão de individualidade pessoal e social, referente a pensar, sentir e agir. Personalidade é um termo abstrato, utilizado para descrever e dar uma explicação teórica do conjunto de peculiaridades de um indivíduo que o caracterizam e diferentes dos outros.
A personalidade é ligada a postura de valores, a tendência de julgar determinados objectivos, como a liberdade, ou a disposições de acção com honestidade, como desejável ou não. Em função dos critérios nos quais arrolei, no presente ano, a luz dos preceitos já estabelecidos, a proposta que avançamos em torno desta temática não é que não existam pessoas que possam ter o prêmio ou devam ser dado, dado que a província supracitada passou por vicissitudes extraordinárias, mais do que individualidades, no seu conjunto, é merecedora desta atribuição. Ora, na pior das hipóteses, se determinado órgão de comunicação social se dispor a dar a qualquer figura ou instituição esta distinção deve, na verdade, não aceitar e vir publicamente oferecer ao povo de Cabo Delgado, por causa do sofrimento que esta população tem passado ao longo do tempo e algumas vezes esquecida pela população. Nas presentes festividades muitas pessoas até já se esqueceram que existem pessoas que estão a sofrer e sem alguma coisa para comer e a sua festa de família é uma incerteza, fora as festas não se sabe o que vai acontecer nos próximos anos: sem um lugar para viver, ausência de hospital, ou melhor os serviços básicos tornaram-se um reflexo que não existem , essa população está a quase 4 anos sem uma centelha de dignidade humana, as crianças em sua tenra idade são recrutadas para um trabalho de matanças como sendo instrumento, ou melhor, maquinaria de matança de outros irmãos seus, isso nos lembra como foi possível Abel matar o seu próprio irmão Cai.
Voltemos a ser moçambicanos, não no sentido de origem, mas desta vez da nossa própria consciência, no sentido que precisamos levar os ideais defendidos por grandes homens da imprensa, poetas, artistas plásticos. Não esquecendo que Moçambique é um Estado politicamente fraco, no sentido mais lato do termo, falo do processo institucional, mas no sentido do povo, espaço geográfico, não esquecendo a dimensão cultural existente, na lógica da diversidade étnica que caracteriza Moçambique.
Outrossim, o país continua paupérrimo no nível de consciência, o que, na minha opinião, não deve de maneira alguma satisfazer a sociedade, mas como o que dentro do imaginário é sempre a teoria de conspiração que nunca nos leva para frente, mas no coloca sempre atrás dos outros na nossa própria existência que está além da nossa procura. O fenômeno político deve ser levado em conta por toda a sociedade, desde o agricultor, religioso, acadêmico, político, porque deve impulsionar a vida política no presente e no futuro. Vezes sem conta esta mesma juventude tem se retirado da vida política, porque a mesma acha que a política não faz nenhum sentido para a sua vida. O que faz-nos concluir que estamos diante de uma sociedade que politicamente é analfabeta, mesmo pagando os seus impostos não estão preocupados em ser agentes activos na sociedade de forma mais profunda, mas o que fazem apenas é reparar as coisas, trocando os papéis, que além de ser activos são apenas meros passivos preocupados com uma vida boêmia, sem nenhum capital político, económico, social, talvez por simples razão de estarmos na era do empreendedorismo, onde todos querem abrir negócios, sem nenhuma compreensão do empreendimento, mas em outras latitudes os jovens têm maior preocupação com o andamento da sua sociedade.
Mas continuamos a dizer que a figura ou personalidade no ano prestes a terminar é o povo de Cabo Delgado, por causa da sua resiliência que tem passado ao longo dos quatros anos e alguns meses.