- Sobre Jornalismo Cultural
Teodósio Camilo
Na esfera de jornalismo, embora se observe o surgimento de novas abordagens que impulsionam o exercício da classe e aperfeiçoa a indústria jornalística, verifica-se, particularmente na imprensa escrita, a transformação da notícia, tradicionalmente considerada género predominante, a uma abordagem imediatista no mundo digital, o que faz com que os outros géneros, a semelhança da biografia, fiquem na penumbra ou caiam no esquecimento.
Estas transformações procuram responder aos requisitos do leitor moderno e encontram espaço de adequação na imprensa digital. Não obstante a esta evolução que se regista devido à aplicação das tecnologias de informação e comunicação (TIC), a notícia é o género jornalístico mais predominante e, infelizmente, a biografia como um género jornalístico-literário está esquecida ou pouco se produz em Moçambique.
Estas tendências da massificação da notícia digital não somente se registam pelo mundo fora, tanto quão em Moçambique, quer de forma tímida ou não, algo de género ou similar se descortina. Na mesma linha, os géneros jornalísticos mais predominantes são a notícia e a reportagem, os restantes a semelhança de feature diverse e a biografia, ainda não nasceram na “Pérola do Índico”.
Assim, pretende-se, em breves trechos, analisar a biografia, por ser um género jornalístico-literário, o seu contributo no jornalismo cultural, trazer à luz do dia o espaço que ocupa na divulgação de informação cultural, bem como sua interdisciplinaridade com diversos campos de saber científico.
Tiremos as “máscaras ou camuflagem”. Em Moçambique, há uma percepção generalizada e errada segundo a qual, o jornalismo cultural focaliza-se apenas na divulgação de agenda de eventos culturais, tais como concertos musicais, exposições de artes plásticas, por serem elementos essenciais que fazem a agenda das notícias abordadas pelos jornalistas culturais. Lamentavelmente, esta é uma crua realidade que assola a imprensa deste país lusófono.
O jornalismo cultural é uma área extremamente rica em temas que podem ser abordados. Porém, alguns jornalistas nem sequer sabem que a biografia é um género jornalístico cultural bastante rico, capaz de trazer informações valiosas no campo de jornalismo, na literatura e contribuir na produção de conhecimento.
Associando-se a concepção de Krieken & Sandes (2016), o carácter dinâmico de um determinado género jornalístico provém da compreensão das acções sociais que influem na valorização e transformação de um determinado estilo ao longo do tempo. As práticas discursivas mudam, o mesmo acontece com os géneros jornalísticos. Nas últimas décadas, nota-se que alguns géneros, norteados pelo advento e impacto das TICs, poderão com o andar de tempo cair em desuso, pois as práticas discursivas, a conjuntura social e a visão do mundo terão, logicamente, mudado, dando aos fazedores de informação novas formas de produzir conhecimento.
A fraca exploração do género biografia em Moçambique está na origem de vários factores: pode-se destacar a fraca formação profissional de jornalistas em matéria de comunicação social; existência de jornalistas culturais no activo sem formação na esfera cultural; percepção distorcida sobre o jornalismo cultural que norteia a concepção errada de jornalistas amadores, pois poucos dão valor a formação; existência de jornalistas dedicados ao cumprimento de agendas apetitivas e imediatistas para cobertura de espetáculos e exposições artísticas, negligenciado o jornalismos investigativo; inexistência da cultura do jornalismo investigativo, reflete a fragilidade de instituições de formação moçambicana de forjar ideias distorcidas aos fazedores de informação.
Ser jornalista não se trata apenas de saber ler e escrever. Escrever, no âmbito de comunicação social, significa seguir as regras, técnicas e deontologia profissional aplicadas na comunicação. Significa, acima de tudo, a responsabilidade e comprometimento com a causa de comunicação, moldar as mentes da sociedade através de informação real e fidedigna. Eis a razão de procurar aperfeiçoar-se dia-após-dia.
Observa-se que na imprensa escrita, audiovisual e radiofónico, a existência de jornalistas que não se comprometem com a causa de comunicação preenchem diversas páginas nos jornais, falam eloquentemente, exibem-se na Televisão ou na Rádio, apenas confundem os telespectadores e ou ouvintes, mas infelizmente não comunicam absolutamente nada.
De forma generalizada, nas últimas décadas, a sociedade é assolada por “síndrome de fobia à leitura”. Poucas pessoas gostam de ler, este facto abrange igualmente jornalistas que passam muito tempo acomodados na classe sem justificar a sua razão de ser. Um jornalista que escreve sem se preocupar em ler, ou melhor, realizar pesquisas com intuito de aprimorar o seu conhecimento, não se espera que evolua e faça parte da classe de jornalistas que primam pelo jornalismo investigativo.
A falta de contacto com obras literárias, mesmo com o nível de licenciatura, faz com que os tornem medíocres, menos inovativos, sem conhecimentos que os possam orientar na produção de uma biografia. Somente jornalistas que gostam de ler é que podem estar em posição de produzir uma biografia de qualidade. Por isso, a biografia como género jornalístico está na penumbra ou ainda não nasceu em Moçambique.
Os jornalistas culturais ao se preocuparem em realizar cobertura de apenas agendas de concertos musicais, por serem actividades fáceis de produzir notícias, afastam-se do jornalismo investigativo, perdem a oportunidade de explorar a riqueza que o género biografia proporciona na sua interdisciplinaridade com a outras áreas de saber.
O género biografia relaciona-se com a Literatura, Antropologia, Sociologia, Artes Plásticas, Geografia, Biologia, enfim, todo o campo científico. Em termos etimológicos, a biografia sempre esteve associada a historiografia e literatura. Devido ao surgimento da indústria jornalística, a biografia sofreu alterações no domínio jornalístico, por conseguinte, a aplicação dos métodos jornalísticos na biografia tem sido menos considerada (Render & Haan, 2007).
Ignorando a riqueza da área de artes plásticas, os repórteres culturais descrevem de forma tímida as exposições culturais, referem-se apenas ao número de quadros produzidos, não exploram o contributo que um artista plástico presta na construção do conhecimento.
Desta forma, a biografia permite colher uma diversidade de informação sobre o artista, técnicas usadas na produção dos quadros de arte, compreensão das correntes que influenciam o desenvolvimento da arte, relacionar com a correntes literárias da época, visão do mundo do artista ou de uma determinada época.
A biografia contribui igualmente na educação de jovens e adultos, promoção do gosto pela leitura, escrita, produção do vocabulário aplicado no uso correcto da língua.
A biografia cultural, por ser uma área de jornalismo investigativo, desafia o jornalista a descobrir e trazer à sociedade informação valiosa que se tornará do domínio do consumidor. Estas actividades requerem a leitura constante, comparação de determinadas obras de arte com outras de artistas de períodos bem distintos, por forma a descobrir convergências e assimetrias.
Notavelmente, existe uma relação directa entre a cultura e a língua, tal como entre as correntes de artes plásticas e as literárias de uma determinada época. A combinação destes elementos torna-se comovente aos leitores de obras literárias, pois encontram a essência da cultura, arte e literatura na vida de seres humanos.
Há que observar. Não se pinta quadros de arte abstratos, sem fundamentos sociais. Todo o artista plástico forja ideias a partir da leitura social, mesmo as obras de ficção abraçam de forma tímida os alicerces sócio-culturais de um determinado quartel, daí a conexão com correntes literárias.