Alexandre Chiure
Um dia, estava em programa num dos canais de televisão quando um telespectador, triste e decepcionado com a vida, ligou e disse que tudo andava mal em Moçambique. Achei-o pessimista e a sua declaração, um exagero.
Lembrei-me desse episódio agora, passados dois ou três anos, ao assistir a um programa interactivo com público em que as pessoas ligavam a queixar-se de água que não sai. Da criminalidade que apoquenta as comunidades, de transporte que não há, etc. etc. etc.
Foi então que resolvi olhar para o país e fotografá-lo em todos os ângulos. Analisá-lo de todas as formas possíveis e imaginárias para ver até que ponto é que aquele telespectador tem razão. Acompanhe-me na passeata, de sector em sector. No fim tirará as suas conclusões.
Educação: Em pleno século XXI, o país ainda tem centenas de crianças, pelo país, que estudam debaixo das árvores e sentadas no chão. Nos dias chuvosos, não há aulas. Escolas sem carteiras apesar da abundancia de madeira no país.
Estabelecimentos de ensino que funcionam sem orçamento. Ficam a depender da contribuição de pais e encarregados de educação. Passam por necessidades básicas como giz, livro do professor, para além de problemas crónicos de distribuição tardia do livro escolar para o ensino primário.
Para completar a roda, há o problema da qualidade do ensino a vários níveis. Saber ler e escrever continua a ser um desafio para algumas crianças que passaram pelas mãos de professores.
Saúde: Os hospitais não têm medicamentos, materiais de trabalho e equipamento para o diagnóstico e tratamento dos doentes. As infra-estruturas sanitárias estão degradadas. Os médicos e os profissionais da saúde estão à espera da satisfação dos seus cadernos reivindicativos pelo governo.
Agricultura: O país tem 36 milhões de hectares aráveis, água e mão de obra barata, mas continua a depender de importação, dos países vizinhos, até de produtos básicos como tomate, cebola e batata.
O executivo diz que os moçambicanos têm três refeições por dia, mas quando descemos para a realidade, encontramos famílias que lutam para ter pelo menos uma refeição condigna por dia.
Turismo: Moçambique tem praias, sol, fauna bravia, paisagens e clima, mas o sector é aquele que tem uma contribuição modesta de menos de dez por cento para o PIB. Com todas as condições disponíveis e de invejar, o país não consegue brilhar. Há países que não têm sequer dez por cento do que possuímos e o seu turismo está desenvolvido.
Polícia: Alguns agentes da polícia, no lugar de defenderem o cidadão, envolvem-se em assaltos, roubos, raptos e no comando de gangs de criminosos a partir de dentro da corporação.
Outros vendem passaportes e bilhetes de identidade moçambicanos a estrangeiros, para além de nacionalidade moçambicana e facilitação da entrada de imigrantes ilegais a troco de pagamento de alguns valores.
Recursos Minerais: A riqueza moçambicana está a saque. Estrangeiros exploram e exportam recursos minerais ilegalmente em detrimento de moçambicanos, a exemplo de ouro e pedras preciosas.
Em Panda e Temane, os sul-africanos exploram, há cerca de 20 anos, o gás natural que é bombeado para Secunda, na África do Sul, e as comunidades nos distritos de Inhassoro e Vilanculos onde se localizam os campos de produção, continuam na mesma. A sua vida não mudou e não se nota nenhum tipo de desenvolvimento.
Indústria: O país já teve quase todo o tipo de indústria, desde ligeira e pesada, metalo-mecânica, de vestuário e calçado, de conserva, produção de embalagens, mobiliário de escritório e hospitalar, de pneus, pilhas, baterias para automóveis e outras áreas. O governo deixou estas indústrias fecharem as portas por falta de políticas apropriadas para o seu desenvolvimento e protecção contra choques externos e hoje, de mãos a abanar, fala da necessidade de revitalização do sector industrial.
Estradas: A estrada nacional número um que liga as regiões sul, centro e norte do país, é uma autêntica vergonha. Está de qualquer maneira. No fim de 49 anos da independência, o governo não consegue oferecer aos moçambicanos uma estrada em condições de transitabilidade. Já não digo em relação às secundárias e terciárias.
Tirando um e outro caso, a maior parte das estradas está esburacada, incluindo de dentro das cidades Maputo, Beira, Nampula e outras.
Ambiente: A Constituição da República diz que a terra é do Estado, mas não parece. Ela é vendida a torda e direita à luz do dia e nada acontece. Não há ninguem que não compre, incluindo os guardiões da legalidade, nomeadamente magistrados judiciais e do ministério público, polícias e tantos outros.
Hoje em dia, a terra é para quem tem dinheiro e o cidadão pacato, não. As autoridades perderam o controlo da situação, pois, quem atribui terras são, em muitos casos, as comunidades e não, por exemplo, os municípios ou governos distritais.
As florestas estão a ser devastadas por estrangeiros, com a cumplicidade de fiscais, autoridades locais e não só. Exploram, inclusive, espécies proibidas ou protegidas por lei. O pior é que nada acontece aos infractores. Quantidades enormes de madeira são exportadas ilegalmente em prejuizo do país.
Diversos: O que estes e outros sectores não mencionados têm em comum é a corrupção, o mal que domina nos concursos públicos para o fornecimento de bens e serviços e mesmo em pequenas coisas. Se não paga ao funcionário, nada vai andar. Afinal aquele telespectador tinha razão. Nesta minha passeata não consegui identificar um único sector que está bem. Estamos mesmo mal e a precisar de um resgate. (X)