Arão Valoi
Nos últimos tempos, as ruas do nosso País têm sido palco de um espetáculo triste, mas ao mesmo tempo revelador: o despertar, principalmente nos jovens, de uma consciência que, por anos, foi calada pelo silêncio ensurdecedor da opressão, da corrupção e de promessas vazias. As manifestações que tomaram conta do País não são apenas o reflexo de uma crise pós-eleitoral, mas sim o grito angustiado de uma geração que vive na incerteza e na falta de perspectivas. Os jovens que saem às ruas das capitais da nossa pátria não o fazem apenas para reivindicar a verdade nas urnas, mas para exigir o direito de existir num País que parece ter esquecido o seu nome, a sua história, as razoes das suas lutas seculares e, principalmente, do seu futuro. Mas, como já era de se esperar, a resposta do Partido Frelimo — que há 50 anos domina a cena política moçambicana — é acusatória, simplista e ofensiva.
Chamar os manifestantes de “vândalos” e “arruaceiros” é uma tentativa descarada de deslegitimar a dor de um povo que, após décadas de promessas não cumpridas, decidiu não se calar mais. Mas é também uma expressão de desespero de quem, incapaz de confrontar as próprias falhas, recorre à criminalização como última linha de defesa. Nas redes sociais, os “milicianos” digitais do Partido esgrimem todos os argumentos para adjectivar os jovens sofridos, aliás, o verdadeiro povo moçambicano, chamando-o com todos os nomes pejorativos conhecidos.
Os jovens, que são rotulados como “bárbaros” pelas elites que os veem apenas como número num jogo político sujo, são, na verdade, os filhos e filhas de um sistema que falhou. E qual é a falha que está na raiz disso tudo? O desemprego juvenil, que atinge proporções alarmantes, é só um dos muitos sintomas de uma doença mais profunda. O País foi tomado pela estagnação econômica, pelas promessas não cumpridas, pela falta de oportunidades. O que esses jovens têm, então, além da indignação e da revolta?
Se a Frelimo acusa os manifestantes de vandalismo, ela precisa de olhar para os próprios espelhos da história. O vandalismo não está nos pneus, nos cartazes queimados ou nos vidros quebrados nas lojas e supermercados, nos carros partidos ou queimados, mas sim nas promessas de uma vida digna que nunca foram cumpridas. O vandalismo está nas escolas sem livros, nos hospitais sem medicamentos, nas cidades sem saneamento básico, nas aldeias sem eletricidade. O vandalismo, meus caros, resulta de uma política pública que prefere gastar fortunas em projectos de fachada enquanto os cidadãos padecem nas margens da miséria. O vandalismo está nas instituições de justiça que estão ao serviço e só beneficiam as elites do partido no poder.
O vandalismo está na Polícia da República de Moçambique (PRM), nas Forças de Defesa e Segurança que assassinam, em plena luz de dia, jovens desarmados que só reclamam dos seus direitos. O vandalismo está nas cidades com ruas podres e sem transporte público. Meus senhores, isto tudo, faz com que Moçambique, com tudo para dar certo, esteja pior que um País desgovernado.
Os jovens não são “arruaceiros”, como equivocadamente insiste a propaganda do Partido no poder. São o reflexo de um governo que, por décadas, manipulou o poder para perpetuar a própria sobrevivência política, e não para promover o bem-estar da população. A arrogância discursiva da Frelimo não ajuda na pacificação do País. Pelo contrário, enerva mais os jovens, porque mostra, de forma clara, a dissonância entre os governantes e o povo. Agudiza mais o “nós versus eles” e a ideia dominante de que o Partido no poder só usa o povo durante os pleitos eleitorais e o esquece por completo durante os cinco anos de mandato. Neste momento de crise no País e, no Partido Frelimo – o partido deve optar por mandar calar todos os seus soldados digitais, pois, estes só contribuem para agravar a situação já tensa.
É difícil olhar para o futuro com esperança quando a narrativa oficial se recusa a enxergar os gritos de um povo que há muito vive à margem da política. Quando os jovens se levantam, eles não estão apenas a exigir uma mudança de governo; estão a exigir um pacto social em que as suas vidas importem, em que a sua voz tenha peso. Eles estão a dizer que já não aceitam ser invisíveis, nem ser tratados como inimigos da paz, quando, na verdade, são vítimas de um sistema falido.
A verdadeira farsa não está nas ruas e nas manifestações. Ela está nas promessas de um governo que há 50 anos deveria ter promovido um desenvolvimento inclusivo, mas que, ao invés disso, se apega ao poder com unhas e dentes, esquecendo que os jovens que agora protestam são o reflexo do seu próprio fracasso. A Frelimo deve parar de chamar de vandalismo a revolta de um povo que simplesmente deseja, acima de tudo, a dignidade.
É hora de entender que, enquanto a repressão é a única resposta, a revolta só cresce. E ela crescerá enquanto os problemas estruturais do País, que vão desde a educação precária até a corrupção endêmica, não forem resolvidos. O futuro de Moçambique está nas mãos da sua juventude, por sinal a maioria, e se a Frelimo continuar ignorando esse facto, a revolta será inevitável, por mais que o governo tente rotulá-la como “vandalismo”. O povo tem o direito de exigir mais. E, mais cedo ou mais tarde, será ouvido.
Nota: Em algumas escolas do País, os professores boicotaram os exames finais que deviam ter iniciado ontem. Um amigo meu, membro do Partido Frelimo, escreveu num grupo de WhatsApp que a manifestação dos professores, exigindo o pagamento de horas extras, é obra dos partidos da oposição. É deste tipo de membros que a Frelimo se deve libertar. Não ajudam em nada ao partido, pelo contrário promovem discursos que aumentam a raiva das classes sociais desfavorecidas. Os membros da Frelimo devem ajudar o partido a identificar os problemas reais que afectam o País e propor soluções sustentáveis e não perder tempo a apontar dedos acusatórios, esquivando das causas essenciais que levam o País à derrocada.