De candidato improvável a vencedor contestado, Daniel Chapo, de 48 anos, é o quinto Presidente da República de Moçambique. A cerimónia de tomada de posse decorreu esta quarta-feira (15) na Praça da Independência sobre fortes medidas de segurança. A menos de 200 metros do local, na avenida 25 de Setembro, a Polícia recorria às balas reais e gás lacrimogênio para reprimir os focos de manifestantes. No fim do dia, foram relatados sete mortos. À margem deste contexto conturbado, Chapo anunciava reformas drásticas com impacto de poupar até 17 mil milhões de meticais (só com redução de cargos no Governo), orçamento suficiente para dar uma nova roupagem à Educação e Saúde, os mais penalizados no consulado de Filipe Nyusi. 17 mil milhões seriam aumento em 20% do orçamento destinado só a Educação em 2023. O discurso de ruptura teve aceitação das massas, mas há dúvidas dentro do partido, que pode ser a sua principal resistência. Uma oposição a altura de Venâncio Mondlane e uma Frelimo resistente às mudanças e despreparada para sacrifícios são os principais desafios Chapo. Armando Guebuza foi o primeiro a mostrar que são coisas da cabeça de Chapo (interpretação do autor).
A inovação que inaugura a Era Chapo não esteve apenas no discurso da sua investidura. Na cerimónia, não foi permitida a entrada com trajes do partido. Antes do evento, foram distribuídas algumas camisetas brancas, mas na entrada do recinto os que traziam foram barrados. O Governo da Frelimo teve, tradicionalmente, dificuldades de distinguir um evento do Estado do partido.
A onda é de mudança e os movimentos nas ruas cujas motivações transcendem reivindicações eleitorais mostram a necessidade de urgência nesse sentido. É nesta linha que tende a pender a comunicação de Chapo, que viu seu discurso inaugural ser aplaudido fervorosamente e granjeando simpatia no seio de uma sociedade que anseia pelas mudanças.
O consulado de Filipe Nyusi chegou ao fim, deixando um legado desastroso, de um País isolado pelo mundo (evidenciada pela ausência de países amigos) a revoltas populares que protestam quase tudo. Do lado dos pro-Venâncio Mondlane, a comunicação não foi escrutinada, os debates limitaram-se em buscar algumas semelhanças e ignorando a sua exequibilidade, um sinal de aceitação do mérito das medidas.
Chapo, um outsider que continua uma incógnita, trouxe um discurso de esperança e de ruptura com o passado, detalhando nele o que pretende fazer. Essa comunicação se mostrou consistente com as suas promessas de campanha eleitoral. O discurso exprimiu mudanças que nalguns pontos coincidem com as promessas dos seus concorrentes, aquando da corrida eleitoral e não passou desapercebido ao contexto. “A estabilidade social e política é a nossa prioridade das prioridades”, anotou o Chefe do Estado, enquanto as balas da Polícia, principalmente nas zonas periféricas, sugerem a urgência de uma acção robusta nesse sentido.
Sem retirar a relevância histórica dos seus antecessores de quem reconheceu desafios próprios de seus contextos, Chapo anunciou mudanças que, na observação do Evidências, a sua concretização é exclusivamente dependente da vontade política. Entre eles o destaque vai para a redução de ministérios, a eliminação das secretarias de Estado e da figura de vice-ministros.
Chapo ouve.. mas o partido o deixará fazer?
O ganho dessas medidas para economia foi anunciado ainda no discurso de investidura. “Esse exercício significará uma economia em cerca de 17 mil milhões de meticais por ano! Esse dinheiro será redireccionado para onde realmente importa: Educação, Saúde, Agricultura, água, estradas e energia para a melhoria da vida do nosso Povo”, anotou. Para se ter uma ideia do que este orçamento possa representar, é só olhar no Orçamento de 2023, que foi de 82 mil milhões para educação.
Outras medidas passam pela redefinição das atribuições da figura do secretário permanente dos ministérios. Enquanto nas províncias, afirma que os secretários de Estado vão passar a ter funções efectivamente de supervisão e a actuação do Executivo será o Governador, que é a figura eleita pelo povo.
E há mais. As regalias dos dirigentes serão revistas. Para enrobustecer o orçamento para sectores sociais, ele diz que vai congelar aquisição de viaturas protocolares do Estado, para adquirir mais meios aos sectores da saúde e educação. Esta ideia foi avançada por jornalistas no encontro de auscultação havida em Setembro, quando ainda candidato. A inclusão de pontos propostas no decurso de auscultação sugerem que podemos estar, desta vez, diante de um Governante que ausculta para ouvir e não para formalizar propostas já pré-concebidas e criar a percepção social de que é inclusivo.
Mais medidas anunciadas passam pela privatização e ou concessão de empresas públicas não rentáveis. Este modelo não é novo, no entanto, muitas das vezes tem sido usado para que os camaradas se apropriem das empresas rentáveis do Estado como o consulado de Nyusi tentou com Emose e fez com STEMA. Chapo argumenta que o objectivo é reduzir os encargos sobre o orçamento do Estado, gerar receita para investir no que é prioritário e tornar sectores importantes da economia mais competitivos. Mas seria oportuno garantir a transparência para garantir que este não seja uma forma de atribuir as empresas públicas aos camaradas que, havidos por não ter acomodação no Governo, vão cobrar sua parte do bolo.
Entre as medidas inovadoras, consta ainda a introdução de trabalho por metas aos ministros; na justiça, a introdução da pulseira electrónica para “crimes leves”; criação do centro de aquisições do Estado onde se prevê a criação de entidade única que gere as compras e aquisições das instituições públicas.
“Chega de corrupção, desorganização e falta de transparência! Vamos começar pelo processo de compras do Estado. Vamos criar uma Central de Aquisições do Estado, uma instituição que será o coração de todas as compras públicas. Ela vai planear, coordenar, supervisionar e fiscalizar os processos de aquisição, garantindo que cada metical seja investido de maneira justa e eficiente. Esta medida vai reduzir custos, combater a corrupção e, acima de tudo, restaurar a dignidade do nosso sistema de compras públicas, dirigido por pessoas íntegras de reconhecido mérito e competência na sociedade”, explicou.
Esta é daquelas promessas que abrem espaço de dúvida quanto a sua exequibilidade. Por exemplo, nos últimos cinco anos, o Executivo de Nyusi centralizou o orçamento, fazendo com que as províncias dependam de Maputo, ou seja, do Governo central para pagamentos. A medida só proliferou a corrupção, levando até a institucionalização de uma taxa de 05 a 10 porcento para os fornecedores que quisessem ser pagos. Essa institucionalização de corrupção manchou até a passagem de Max Tonela nas Finanças, que levou a uma queda que o tornou mais próximo de Daniel Chapo.
Oposição de VM versos uma Frelimo resistente às mudanças
Chapo anunciou a criação da Inspecção-Geral do Estado. Explicou que é um órgão, que será elevado ao mais alto nível hierárquico, vai responder directamente à Presidência da República e será dotado de total independência. Ele vai garantir que cada órgão público, incluindo as empresas estatais, sigam rigorosamente as normas de transparência e ética. E mais: “todos os anos, a Inspecção-Geral prestará contas à Assembleia da República, mostrando ao Povo os resultados do seu trabalho. Quem é corrupto ou praticou corrupção vai constar do relatório e a respectiva medida tomada disciplinarmente ou judicialmente”.
Outras medidas que de promessa eleitoral transitaram para o discurso de investidura são a criação do Banco de Desenvolvimento, Plataformas Únicas de Pagamento ao Estado versos Tributação na Era Digital, Estímulo ao Sector Privado e Industrialização, Transformação Digital para um Governo Moderno, pontos que podem estar distantes da realidade.
A nível das Tic’s, as inovações não têm se mostrado flexíveis e há uma aparente resistência a mudanças nesse sentido. Só para se ter uma ideia até Universidades Públicas que introduziram transformações digitais não se mostram com capacidade de gestão. Mas há casos em que é mesmo falta de vontade política, por exemplo, o Gabinete da Presidência usa e-mail da google (gmail).
O resgate das promessas eleitorais mostra a coerência desta figura, embora seja ainda cedo para medir a sua flexibilidade em implementar essas medidas. Uma coisa é certa, os últimos eventos elevaram a consciência política, o que sugere que a monitoria sobre o Chefe do Estado será rigorosa e seus erros administrativos não terão a mesma tolerância que os seus antecessores tiveram. Aliás, o facto de ter de lado de fora uma oposição liderada por Venâncio Mondlane eleva as responsabilidades do consulado de Chapo.
Por outro, apesar de Chapo ter a sorte de ter um partido com maioria parlamentar, há dúvidas sobre o seu controlo partidário e tudo indica que a maior resistência será a nível do partido, até para nomeação de quadros competentes. A postura de Armando Guebuza de se recusar a comentar sobre o discurso de Chapo com recurso a afirmação de que só o próprio autor de discurso pode explicar o que fala, num contexto é que este mostra ruptura, sugere essa resistência à mudança e pouca vontade de dar o apoio devido.