- Ministra do Interior disse no parlamento que não sabia
- Matlombe já não entra em algumas capelas em Maputo e Gaza
- Crentes assumiram controlo e orientam os cultos. Chamam de zonas libertadas
Em Abril do presente ano, causou alguma estranheza quando a ministra do Interior, Arsénia Massingue, disse, em viva-voz, no parlamento, que não conhecia “nenhuma escolta destacada pelo ministério para escoltar o apóstolo Matlombe”, dando a entender a existência de um comando oculto que autorizava, à revelia do ministério, a protecção do apóstolo da Igreja Velha Apostólica em Moçambique, Jaime Matlombe, com uma musculosa força de elite da PRM, incluindo batedores em motorizadas, como se de um governante se tratasse. Mas essas dúvidas ficaram dissipadas este Domingo, segundo alguns crentes, quando o Presidente da República, Filipe Nyusi, apareceu lado a lado com aquele clérigo na inauguração de um templo daquela congregação na Matola, numa altura em que uma parte dos fiéis está de costas voltadas com o seu líder supremo, acusado de adultério e má gestão de fundos, que veio cristalizar a ideia de que o Chefe do Estado pode ter sido quem autorizou as escoltas, tal como se avançou na altura, quando surgiram rumores de que o apostolo terá pedido apoio directamente à direcção máxima da Frelimo, sob alegação de que os manifestantes eram da Renamo e tinham em vista derrubar as bases do partido estabelecidas na igreja.
Reginaldo Tchambule
Não se mostra para breve o fim do diferendo entre parte dos fiéis e a liderança da Igreja Velha Apostólica em Moçambique. Embora tenham reduzido episódios de confrontação pública, Evidências apurou que o líder da igreja, apóstolo Jaime Matlombe, perdeu o controlo de um número considerável das capelas nas províncias de Maputo e Gaza, onde os crentes destituíram as lideranças (superintendentes) leais à Matlombe e estabeleceram suas próprias estruturas.
Trata-se das capelas de Ndlavela, Abel Jafar; Moamba, e Matola C, na província de Maputo, Triunfo e Hulene C, na cidade de Maputo; para além de outras capelas na província de Gaza, sobretudo Chókwè, onde Jaime Matlombe está impedido de entrar, cultuar e muito menos controlar o dízimo.
Num golpe de imagem para tentar ganhar legitimidade no seio dos fiéis e da comunidade no geral, o apóstolo Matlombe busca consolo e apoio na classe política.
Foi assim que, no último Domingo, arrastou o Presidente da República, Filipe Nyusi, para a “lama”, convidando-o para inaugurar um templo na Matola. Usando a mesma estratégia do partido Frelimo, mobilizou autocarros que recolheram fiéis leais a si de várias zonas da cidade e província de Maputo para participarem do evento e darem impressão de popularidade.
No entanto, a participação do Presidente da República está a trazer à ribalta dois grandes debates no seio daquela comunidade religiosa: a interferência política e do Estado nos assuntos religiosos, bem como a aliança que existe com o líder daquela congregação e a classe política a ponto de lhe ser alocada uma escolta, sem consentimento, inclusive, do próprio Ministério do Interior.
É que, ao inaugurar templos com direito a lápides de mármore, segundo entendimento de alguns juristas, o Presidente da República pode estar a violar o número dois do artigo 12 que determina que “a laicidade assenta na separação entre o Estado e as confissões religiosas”, ou seja, os órgãos do Estado tem o dever de manter imparcialidade em relação às questões religiosas e ao aparecer a tomar posição numa contenda entre crentes e seus líderes, Filipe Nyusi acabou por colocar mais lenha à fogueira.
Nyusi autorizava escoltas?
Como tal, a parte dos crentes descontentes com a actual liderança começa a desconfiar que foi nessa senda que Matlombe passou a contar com uma escolta policial, que curiosamente a ministra desconhecia, ou seja, suspeitam que a escolta que incluía vários Mahindras e até polícias batedores transportados em motorizadas, geralmente afectados a dirigentes altos do Estado, tenha sido autorizada directamente pelo Presidente da República, Filipe Nyusi.
Recorde-se que, em Abril, após uma pergunta do deputado da bancada da Renamo, António Muchanga, sobre a razão do líder da Igreja Velha Apostólica em Moçambique merecer um tratamento especial em detrimento dos outros líderes religiosos no país, a ministra Arsénia Massingue declarou que nunca houve instruções para que a Polícia da República de Moçambique fizesse escola ao apóstolo da igreja Velha Apostólica em Moçambique.
“Em relação ao caso da escolta ao apóstolo Matlombe, queríamos referir como Ministério do Interior que não há nenhuma escolta destacada pelo ministério para escoltar o apóstolo Matlhombe”, declarou Massingue.
Agora, após a cerimónia de lavagem de imagem, com patrocínio do mais alto magistrado da nação, os crentes acreditam que se confirmaram os rumores, que circularam em Abril, de que o apóstolo Matlombe terá pedido apoio político e proteção ao partido Frelimo, dirigido por Filipe Nyusi, sob pretexto de que os protestantes eram da oposição. A Igreja Velha Apostólica tem sido um dos centros de mobilização do partido.
Logo após a missa, pelas redes sociais, sobretudo o Whatsapp, como tem sido o seu apanágio, os fiéis começaram a circular mensagens de voz maldizendo a parceria entre Matlombe e Nyusi. Mensagens que o Evidências interceptou, os crentes chegam a associar o Presidente da República ao saque do dízimo.
“Acho que Matlombe foi longe demais. Desde quando é que líderes investidos de poderes carnais inauguram igrejas? Como é que Nyusi inaugura capelas da OAC, enquanto temos apóstolos eméritos e os nossos superiores na África do Sul?”, indagou um dos crentes num dos áudios interceptados pelo Evidências, para depois acrescentar que “a igreja não é de Nyusi nem do partido Frelimo, mas sim resulta da contribuição dos membros. Quando chega o tempo de eleições sempre vem pedir votos, mas desta vez não vão apanhar nada. Vai votar Matlombe e seus seguidores”.
Nyusi apelou à reconciliação, mais tolerância e mais compreensão

Discursando durante a inauguração da Capela, o Presidente da República destacou uma mensagem de paz e apelou à reconciliação, sem no entanto se pronunciar de forma directa sobre o conflito que opõe Matlombe e seus crentes. No entanto, não poupou elogios ao Apóstolo Matlombe, destacando que a capela resulta de boa gestão e “união”.
“Com esta edificação, a cidade da Matola e Província de Maputo, e não só, ganha mais um centro de formação do homem e da mulher moçambicana. Aqui deverão ser difundidos valores da paz, solidariedade e do amor ao próximo, elementos indispensáveis para a edificação de um Moçambique mais justo e harmonioso. Devem ser difundidos os mais altos valores de tolerância e reconciliação, a partir de nós mesmos, membros da igreja Velha apostólica de Moçambique”, disse o Presidente.
A capela de Sikwama já existia e estava aberta aos crentes há muito tempo, tendo sido palco de tumultos envolvendo crentes da igreja, um dos quais culminou com o esfaqueamento de um membro da congregação. Na ocasião, Nyusi apelou à coesão e perdão mútuo aos crentes.
“Estamos a levar a mensagem para as futuras gerações, mensagem de paz, solidariedade, mas sobretudo é preciso que entre nós, nos nossos corações, haja reconciliação, mais tolerância e mais compreensão”, sublinhou, sempre evitando mencionar de forma directa o escândalo de adultério que levou à divisão da igreja.
A capela ora inaugurada tem capacidade para acolher, sentados, 5 mil crentes, um salão multiuso para até mil pessoas, e um parque de estacionamento com capacidade de mais de 100 viaturas.

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