- Quase dois anos depois
- Mas o Ruanda pode “comer” boa parte dos ganhos da área 1
Tal como prometera em finais do ano passado, a Total Energies poderá retomar, dentro de dias, as obras de construção do seu complexo industrial em Afungi, interrompidas em Março de 2021, após um ataque ao distrito de Palma, dentro do perímetro de 25 quilómetros que havia sido acordado com o Governo. Mas porque não há almoços grátis, a Total poderá impor várias condições na mesa, dentre as quais a continuação das forças do Ruanda, país que, para além de lucrar com a “guerra”, tem estado a facturar com alguns contratos na área de óleo e gás.
Reginaldo Tchambule
A informação é avançada pelo portal Africa Intelligence, que adianta que o CEO da Total Energies, Patrick Pouyanné, deverá escalar, dentro de dias, a província de Cabo Delgado, onde irá anunciar a retoma daquele que é considerado o maior investimento directo estrangeiro em África, avaliado em mais de 23 mil milhões de dólares.
Durante a sua visita ao país, concretamente a Cabo Delgado, onde prevê-se que escale a península de Afungi, Patrick Pouyonné irá anunciar o reinício dos trabalhos, cerca de dois anos depois de ter accionado a cláusula de força maior, após o maior ataque nas proximidades do seu canteiro de obras.
Antes do ataque que obrigou o abandono das operações da Total Energies, seus parceiros no negócio e empresas subcontratadas, o Governo havia anunciado a criação de uma Task Force de elite especializada das Forças de Defesa e Segurança que iria proteger o perímetro de 25 quilómetros do projecto. Contudo, no seu primeiro teste, a referida força falhou ao permitir o ataque dos insurgentes a 24 de Março de 2021, que chegaram a ocupar a vila sede do distrito de Palma por alguns dias.
Após o abandono das operações, o Governo, que num primeiro momento se opôs à vinda de “botas” estrangeiras, admitiu a vinda das tropas do Ruanda e da SADC, que em pouco tempo, em coordenação com as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas, conseguiram estabilizar a situação pelo menos no eixo entre Mocímboa da Praia e Palma.
Neste eixo, considerado relativamente mais seguro, em relação aos demais distritos do norte de Cabo Delgado, está posicionada a Força do Ruanda que opera como uma espécie de força mercenária, num pacote que inclui pagamentos vindos da França e até de toda a União Europeia, que recentemente desembolsou à Kigali um pacote de 20 milhões de euros para apoiar as Forças Ruandesas em Cabo Delgado.
Para além da Guerra, Ruanda está envolvido em negócios em Cabo Delgado
Neste momento, decorre a reconstrução de infra-estruturas socioeconómicas, com destaque para a reposição de energia, água e reabertura de algumas estradas. As Forças ruandesas, com mais de dois mil homens no terreno, concentram maior parte do seu contingente para proteger a zona económica estratégica de Palma, mas para além do negócio da guerra, os ruandeses estão a facturar com outros negócios.
A assinatura de múltiplos acordos secretos entre o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi e o seu homólogo ruandês, Paul Kagame, em Setembro de 2021, tem estado a gerar muita desconfiança na sociedade moçambicana, um receio que agora ganhou mais força, depois da empresa ruandesa Radar Scape ter sido anunciada, em Dezembro, sem concurso público, como parceira o Instituto de Formação Profissional e Estudos Laborais Alberto Cassimo para a reabilitação de casas na vila de reassentamento de Quitunda, em Palma, próximo a Afungi, em Cabo Delgado.
Através de um memorando, o IFPELAC, um centro de formação vocacional do Governo, que pouco ou nada tem a ver com o sector das obras públicas, contratou a empresa ruandesa Radar Scape para reabilitação de 76 casas, que foram vandalizadas por deslocados e militares que ocuparam a vila logo depois do ataque de larga escala em Março de 2021.
No projecto, a Radar Scape vai substituir a italiana CMC, que foi encarregue de construir a cidade próxima ao acampamento de Afungi. A italiana fugiu do local em Março de 2021, logo depois do maior ataque protagonizado pelos terroristas próximo do perímetro do canteiro de obras da Total.
Pelo trabalho, a referida empresa que foi registada em Moçambique no BR Nº 209 de 29.11.21, Boletim da República – III Serie, com o nome Radar Scape Mozambique, Limitada, vai ganhar USD 800.000 pagos pela TotalEnergies.
O registo da empresa em Moçambique foi formalizado em 29 de Novembro de 2021, cerca de dois meses depois da assinatura de acordos secretos entre Filipe Nyusi e Paul Kagame, a 24 de Setembro de 2021, numa instância turística no distrito de Mecúfi, a 50 quilómetros de Pemba, nas vésperas das celebrações do dia das Forças Armadas de Moçambique.
Na altura, o teor dos acordos não foi tornado público, apenas foi dito que se inseriam nos domínios da segurança, cooperação económica, com destaque para as áreas de recursos minerais e energia e indústria e comércio.
Internamente, Nyusi está sob pressão para revelar o conteúdo dos múltiplos acordos de cooperação que o Governo tem estado a assinar com o Ruanda em vários domínios e a sociedade moçambicana “não perdoa” o facto da União Europeia estar a pagar directamente ao Ruanda para defender o nosso país.
Mas, ao que tudo indica, para além da ajuda que recebe em nome de Moçambique, o Ruanda está envolvido em outros negócios, com destaque para a área de construção civil. A Radar Scape não é a primeira empresa que ganha negócios milionários no ramo da construção.
Há alguns meses, a empresa construtora NPD, uma das maiores do Ruanda e tida como próxima de Kagame, foi associada como favorita de uma lista de um concurso público internacional para a realização de trabalhos preparatórios no projecto de gás em Moçambique.
O envolvimento de empresas ruandesas precisamente nos circuitos de negócios ligados ao bloco da área 1 da bacia do Rovuma é visto como uma espécie de pagamento indirecto por parte da TotalEnergies, líder do consórcio, pelo trabalho que as tropas ruandesas estão a fazer com vista a restabelecer a paz em Cabo Delgado.

Facebook Comments