- Antigo governador do Banco de Moçambique mentiu
- Pediu que o processo fosse tratado sem envolvimento dos técnicos
- Em 2016, confrontado pela imprensa, declarou que não tinha registo das dívidas ocultas
- Silvina de Abreu queixa-se de chantagem de Do Rosário e pressão de Gove
Afinal, o antigo governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove, que em Abril de 2016 disse: “Nós não temos registo dessa dívida”, não só tinha conhecimento das dívidas ocultas, como também orientou uma equipa “restrita” por si montada para pontapear alguns princípios de gestão de crédito externos, de modo a permitir que as autorizações do financiamento externo, com garantias do Estado para as empresas Proíndicus, EMATUM e MAM, fossem emitidas em tempo recorde. Como se tal não bastasse, foi o primeiro a ter contacto com o dossier e instruiu a sua equipa para tratá-lo de forma sigilosa, antes de informar que António Carlos do Rosário seria a pessoa de contacto e traria o expediente em mãos, tal como revelou esta segunda-feira Silvina de Abreu, antiga directora do Departamento do Estrangeiro, uma divisão do Banco de Moçambique responsável pela supervisão de operações financeiras com o exterior.
Reginaldo Tchambule
Manhã de 07 de Abril de 2016. A imprensa barrica Ernesto Gove à saída da Praça dos Heróis, após a cerimónia de deposição de coroa de flores alusiva ao dia da Mulher Moçambicana. Os jornalistas, sempre incómodos, querem detalhes sobre a intervenção do Banco de Moçambique na emissão de pareceres para a homologação do acordo de financiamento.
A resposta vem categórica: “A gestão da dívida externa é gerida no lugar vocacionado para isso, que é o Ministério das Finanças. Mas nós precisamos de fazer um estudo macroeconómico para vermos a sustentabilidade da dívida de Moçambique e, para isso, precisamos de dados que devem ser revelados e disponibilizados. Nós não temos registo dessa dívida”, disse Ernesto Gove, então governador do Banco de Moçambique.
Na altura, Ernesto Gove fez o país e o mundo acreditarem que o governo contraiu dívidas sem competente parecer do Banco de Moçambique. No entanto, tudo não passou de uma mentira para proteger operações “restritas e sigilosas” que eram do seu conhecimento. Afinal, documentos vazados logo depois mostram que o financiamento das três empresas caloteiras foi aprovado pelo Banco de Moçambique, em 2013.
No caso da Proíndicus, os documentos foram submetidos por Eugénio Matlaba a 08 de Março de 2013 e teve resposta em seis dias, após muita pressão de topo para que o processo tivesse os pareceres a velocidade de luz.
Esta segunda-feira, a antiga directora do Departamento de Estrangeiro, Silvina de Abreu, descortinou o véu e revelou que, afinal, Ernesto Gove não só sabia da existência das dívidas como também foi o primeiro a ter contacto com o expediente, antes de montar uma equipa para trabalhar de forma sigilosa.
Como tal, os pedidos de autorização do financiamento externo com garantias do Estado para as três empresas não deram entrada através do balcão, como acontece com outros pedidos “normais”.
Silvina de Abreu, que na ordem de audições antecede justamente ao seu antigo “chefe”, disse que recebeu orientações expressas do então governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove, indicando que iria receber um expediente de um quadro superior do SISE, no caso António Carlos de Rosário.
“Os processos não deram entrada pelo balcão como normalmente acontecia com outros do mesmo género. Em Março de 2013, concretamente sobre o expediente da ProIndicus, recebi uma chamada do então governador do Banco de Moçambique, pedindo que tratasse do processo de forma restrita e sigilosa, não envolvendo os técnicos, mas apenas os gestores de departamentos”, disse Silvina de Abreu, confirmando que, afinal, Ernesto Gove mentiu quando disse que não conhecia o processo das dívidas ocultas e não houve nenhuma conta aberta para receber dinheiro das três empresas.
Declarante queixa-se de pressão psicológica de António Carlos de Rosário
Apenas ela e a sua assistente de direcção, Elsa Chambal, e a chefe do serviço de licenciamento cambial, Telma Gonçalves, é que tiveram acesso ao processo, justificando-se pelo facto de se tratar de um processo que envolvia matérias de soberania e segurança do Estado, que impunha sigilo.
“O governador contactou-me e disse que estava para dar entrada um expediente no Banco de Moçambique, que vinha da área de segurança, e que, pela sua natureza, eu, na qualidade de directora do departamento estrangeiro, devia apenas trabalhar com o colectivo de gestão. Na altura, ele dizia que se tratava de um assunto sigiloso e de segurança do Estado. Perguntou quem havia de pôr como focal point, porque teríamos o contacto de alguém que vinha tratar desse assunto, e eu indiquei a assistente de direcção, Elsa Chambal”, declarou De Abreu, ajuntando que o expediente foi entregue em mãos.
O contacto referido por Gove viria a ser António Carlos de Rosário, de quem a declarante se queixou de ter sofrido pressão psicológica, chantagem emocional e apelos de patriotismo económico para poder acelerar o expediente.
Na ocasião, Silvina Abreu revelou que, nos casos das empresas EMATUM e MAM, as ordens também vieram de cima. Aclarou que, desta vez, recebeu instruções, em dois momentos distintos, do então administrador do Banco de Moçambique, Valdemar de Sousa, para receber o expediente directamente do réu António Carlos de Rosário e dar o mesmo tratamento que se deu ao expediente da ProIndicus.
Dito e feito, os expedientes das três empresas foram despachados num tempo médio de três a seis dias, contra os 15 a 30 dias, como tem sido prática em casos similares.
Refira-se que até ao fecho desta edição ainda decorria a audição de Silvina de Abreu e estava ainda previsto o início da audição do antigo governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gove, constituído arguido num processo administrativo.

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