Nyusi anuncia mais uma mão cheia de nada para o povo

POLÍTICA
  • No dia em que medidas de alívio do custo de vida transformaram-se em medidas de gestão
  • PR prometeu aliviar custo de vida, mas anunciou medidas com impacto dentro de dois anos a três anos

“O meu Governo está a produzir medidas para mitigação do impacto sócio-económico da realidade actualmente vivida e será objecto de divulgação durante a primeira quinzena do próximo mês de Agosto”. Foi com estas palavras que, a 14 de Junho do ano em curso, o Presidente da República, Filipe Nyusi, animou os moçambicanos, prometendo o anúncio de um pacote de medidas para o alívio do custo de vida, no entanto, a narrativa mudou horas antes do anúncio do que chamou de Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), que vieram como uma mão cheia de nada, pelo menos de forma imediata, para um povo desesperado com a cada vez acentuada degradação do nível de vida, causada pela inflação generalizada de preços, que no mês passado atingiu níveis históricos.

Reginaldo Tchambule

Mais uma vez, o povo moçambicano viu as suas expectativas frustradas, após o Governo falhar o cumprimento de mais uma promessa para melhorar as suas condições de vida, numa altura em que o país enfrenta uma profunda crise económica causada pelo aumento do preço de combustíveis e cereais a nível internacional.

Foi com o pretexto de aliviar o custo de vida e fazer face a actual crise alimentar que grande parte dos moçambicanos enfrenta, devido à inflação geral de preços, que o Presidente da República, a 14 de Junho, durante a tomada de posse do ministro dos Transportes e Comunicações, prometeu que estava a pensar num pacote de medidas para minimizar o impacto do elevado custo de vida no país.

No entanto, as medidas anunciadas beneficiarão as empresas e a sectores como agricultura, ou seja, a apenas um punhado de gente, deixando grande parte dos moçambicanos ainda na penúria.

A frustração de grande parte dos moçambicanos deve-se ao facto de, aquando da promessa deixada no dia 14 de Junho, Nyusi ter assegurado que seriam medidas que aliviariam o custo de vida dos moçambicanos.

“Temos plena consciência do aumento de preços na corrosão do poder de compra nas famílias moçambicanas. O meu governo considera urgente e necessária a implementação de medidas que aliviam o custo de vida dos moçambicanos. Sabemos que qualquer medida tem suas implicações. Todavia, através dos quadros que agora tomam posse, recomendo a se juntar aos colegas que já estão a trabalhar para a mitigação do custo de vida dos moçambicanos”, assegurou na altura o Presidente da República.

As promessas subiram de tom no dia 27 de Julho, quando anunciou que o pacote de medidas seria anunciado na primeira quinzena de Agosto, voltando a referir que as mesmas visavam aliviar o impacto económico actualmente vivido.

“O meu Governo está a produzir medidas para mitigação do impacto sócio-económico da realidade actualmente vivida, e será objecto de divulgação durante a primeira quinzena do próximo mês de Agosto”, afirmou Filipe Nyusi, apontando as consequentes sanções económicas à Rússia, como responsáveis pela degradação da vida dos moçambicanos, que já estava sendo arrasada pelas calamidades naturais, terrorismo e pelos efeitos da pandemia da Covid-19.

Todavia, no dia marcado, horas antes do anúncio das medidas, a narrativa oficial começou a mudar. Em vez de falar em medidas de alívio do custo de vida, o Governo e a sua equipa de choque começaram a preparar os moçambicanos para o que chamou de Pacote de Aceleração Económica. Era o prenúncio do que estava por vir.

Diante de uma toda nação ávida em ouvir medidas imediatas que aliviassem o custo de vida de forma imediata, Filipe Nyusi anunciou uma mão cheia de nada ao povo moçambicano, pois do conjunto de 20 medidas anunciadas como parte do pacote de Aceleração Económica, nenhuma terá impactos imediatos e o horizonte de tempo esperado para que comecem a produzir efeito é de dois a três anos.

Medidas arrojadas, mas que não mudam nada no custo de vida

As medidas de reforma económica anunciadas pelo Presidente da República no passado dia 09 de Agosto estão longe de reduzir o alto custo de vida que se regista nas principais cidades moçambicanas, estando mais viradas a estimular o crescimento da economia a médio e longo prazo.

São essencialmente medidas de estímulo fiscal, reforma na função pública, desburocratização de processos e aumento da eficiência e eficácia na função pública, mas cujos impactos só serão mensuráveis, se calhar, a partir de 2024, ou seja, a mão cheia de promessas de alívio do custo de vida deu lugar à decepção para quem esperava começar a ver resultados em pouco tempo.

Esta machadada às aspirações dos moçambicanos acontece numa altura em que pelo segundo mês consecutivo o país regista uma subida de preços em dois dígitos, tendo atingido, em Julho, um novo recorde no aumento de preços na ordem dos 11,77%.

Discursando na cerimónia que contou com a presença de membros do Governo, Sector Privado, Associações Económicas, Sociedade Civil, representantes de parceiros de cooperação para o desenvolvimento, o Presidente da República tornou público que, para dinamizar a economia e melhorar o poder de compra das famílias, o Governo decidiu reduzir a carga tributária, com destaque para o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que passa de 17 para 16%

O Presidente da República anunciou a isenção do IVA na importação de factores de produção nos sectores da agricultura e energia, para além de baixar o IRPC dos 32% para 10% para agricultura e aquacultura.

Ainda no rol das medidas para estimular o crescimento da economia nacional, com mais ênfase para as zonas onde são extraídos os recursos naturais, o Executivo vai alocar 10% das receitas dos recursos naturais às províncias, para estimular o crescimento local, entre outros.

Da Amnésia Presidencial

As 20 medidas anunciadas pelo Presidente da República não só não minimizam o custo de vida actual dos moçambicanos, como também revelam uma certa amnésia do Presidente da República, que deve ter esquecido das suas promessas feitas há pouco menos de dois meses, ou seja, a 14 de Junho e reforçadas a 27 de Julho.

Neste momento, o combustível, que é transversal e cuja variação tem impacto sobre toda a cadeia de serviços e produtos essenciais, regista um aumento de preços histórico, encarecendo assim o preço de quase tudo no país. Durante os seus discursos, o Presidente da República havia prometido medidas fiscais para reverter a situação. Precisamente, Nyusi prometeu que as medidas incidiriam, principalmente, sobre as taxas de combustíveis (as de natureza fiscal), bem como subvenções ao sector formal de transporte de passageiros.

“Estas medidas podem contemplar subvenções ao sector formal de transporte de passageiros, são de natureza extraordinária e terão um impacto negativo no equilíbrio das contas públicas, assim como nos rácios relativos à gestão macroeconómica das reservas cambiais. Porém, elas vão permitir a mitigação dos efeitos inflacionistas, enquanto perdurarem os choques externos, e atenuar a deterioração das condições de vida dos moçambicanos, em especial os carenciados”, sublinhou a 14 de Junho.

No entanto, no dia em que apresentou o PAE, o Chefe do Estado arranjou espaço no seu discurso para dar o dito pelo não dito. “Em nenhum momento referi que as medidas iriam aliviar o custo de vida imediatamente” – atirou num curto improviso.

Mas as surpresas ainda estavam por vir. Após garantir que iria dar incentivos ao sector formal de transportes e eliminar as taxas sobre os combustíveis, durante a apresentação do PAE não se pronunciou em nenhum momento sobre as tais medidas que prometeu que incidiriam sobre as taxas de combustíveis.

Quer isso dizer, em outras palavras, que os moçambicanos continuarão a pagar uma infinidade de taxas e impostos por cada litro de combustível. Só do IVA, por exemplo, os combustíveis pagam mais de cinco vezes o mesmo imposto em toda a sua cadeia, desde a importação até à distribuição nas bombas.

Empresários divididos quanto à apreciação do PAE

Reagindo logo após o anúncio das medidas de aceleração económica, o presidente da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), Agostinho Vuma, disse estar satisfeito com as medidas anunciadas, no entanto pediu o alargamento do período de implementação para permitir o seu aprimoramento.

Vuma disse esperar que com essas medidas haja maior produção, melhor ambiente de negócios e maior produtividade para o sector privado para uma maior contribuição no Produto Interno Bruto.

“O sentimento é de muita satisfação. O conjunto de medidas que foi anunciado pelo Presidente faz parte de um pacote que o sector privado (a CTA) tem vindo a pedir desde 2020, quando enfrentamos a pandemia. Mas o mais importante é o facto de se ter anunciado a redução do IRPC na cifra defendida pelo sector privado, de 32% para 10%”, destacou Vuma.

Mas a Associação Comercial da Beira (ACB) não tem o mesmo entendimento e considera que a redução do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRPC) devia incluir outras actividades económicas para além da agricultura.

O presidente da ACB, Félix Machado, defendeu que o alívio fiscal devia ter abrangido outras áreas com impacto directo na vida da maioria da população, como a panificação e a avicultura.

“A maior parte das senhoras que praticam algum negócio neste país estão ligadas à avicultura e toda a gente come pão nos dias que correm, daí ser opinião da ACB que as padarias deviam ser abrangidas na redução do IRPC”, declarou Machado.

Por seu turno, o presidente da Associação das Agências de Viagens e Operadores Turísticos de Moçambique (AVITUM), Noor Momade, mostrou-se bastante optimista quanto às medidas anunciadas para a área do turismo.

“As medidas anunciadas pelo Presidente fazem-nos acreditar num futuro melhor e queremos acreditar que agora as coisas vão ser diferentes. Concretamente, satisfaz-nos a abertura na concessão de vistos diferentes e o visto online, pois isso vai ajudar bastante o turismo”, afirmou Momade.

Já a Organização dos Trabalhadores Moçambicanos – Central Sindical (OTM-CS) diz que ainda precisará de mais tempo para avaliar os impactos reais destas medidas sobre a vida dos trabalhadores moçambicanos, que neste momento vivem no aperto.

“São promessas enganosas e populistas tendo em vista o Congresso” – Ossufo Momad

Reagindo ao Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), o presidente da Renamo, Ossufo Momade, acusa o governo de ter vendido gato por lebre ao povo moçambicano, ao anunciar acções que não aliviam o actual custo de vida. No entender de Momade, trata-se de promessas enganosas e populistas tendo em vista o Congresso.

Ossufo Momade desconfia que o objectivo do pacote de medidas anunciadas por Filipe Nyusi vise travar manifestações que a todo momento podem explodir por causa da saturação dos moçambicanos; criar um conforto político do Presidente de modo a enfrentar o Congresso já marcado;

“O Presidente da República quer minimizar a falsa expectativa que criou nos Funcionários Públicos e desviar a sua atenção sobre a Tabela Salarial Única que depois da sua aprovação transformou-a em nado morto. Infelizmente, não são medidas de alívio ao actual custo de vida”, refere Ossufo Momade.

No que diz respeito à redução do Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA) de 17% para 16%, Ossufo Momade considera uma diminuição irrisória, numa altura em que os custos dos produtos essenciais estão cada vez mais a agravar-se.

“Os cidadãos não se alimentam de macadâmia e outros produtos de exportação, como os minérios, por isso a redução do IVA sobre os produtos de primeira necessidade, de forma significativa, seria uma medida de protecção social e defesa de um dos direitos fundamentais, o direito á alimentação”, defende Ossufo Momade.

Sobre os 10% do rendimento dos recursos destinados às províncias onde são extraídos, Momade considera que não está claro quem fará a sua gestão, se será o Governador ou o Secretário de Estado, sabido que não há clareza quem é quem, e quem faz o quê na província, uma vez que o regime do dia gerou esta sobreposição de entidades.

Por sua vez, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) também diz que as medidas não resolvem os actuais problemas do país e adianta que as famílias vão continuar sufocadas. O MDM entende que o Executivo devia reduzir o IVA nos combustíveis, como forma de travar o elevado custo de vida no país.

De acordo Ismael Nhacucue, porta-voz do MDM, as medidas pecam por serem “cosméticas” e de longo prazo, isto é, não resolverem os problemas que os moçambicanos vivem hoje em dia.

Promo������o

Facebook Comments