Sérgio Chichava: “Este País está num beco sem saída”

DESTAQUE POLÍTICA
  • “Se fizesse parte da Comunidade Internacional, não dava dinheiro para eleições porque não servem para nada”
  • “Se o Presidente da República estivesse a governar bem não precisava de tanta bajulação”
  • “Se o campo político moçambicano fosse caracterizado por uma concorrência perfeita, em que só ganha aquele vende o melhor produto, a Frelimo já tinha acabado”

Moçambique é rico e com potencialidades capazes de catapultar a sua economia sem precisar depender da indústria de petróleo e gás. É uma sentença do pesquisador Sérgio Chichava, director do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), que, em conversa com Evidências, para além de abordar desafios económicos, onde questiona o papel das instituições de Bretton Woods, retrata uma oposição atada à inércia. “A Renamo e o MDM nunca vão fazer uma coligação, se fizessem seriam inteligentes, uma coisa que não são. Uma oposição coesa faz melhores resultados do que uma oposição fragmentada, mas não vai haver coligação, não estão preparados”, observa. Num outro desenvolvimento, aponta o dedo a Frelimo, assumindo que numa concorrência honesta, esta não teria sobrevivido: “Se fosse num País sério a Frelimo seria esmagada, essa coisa de Tabela Salarial Única é uma trapalhada. Este País está num beco sem saída. O único que dava um pouco de esperança aos moçambicanos morreu, Dhlakama morreu, embora ele tenha muita culpa do que esteja a acontecer na Renamo”. É uma conversa que não deixou de analisar os municípios, onde o investigador olha com optimismo os municípios da Beira e Nampula.

Duarte Sitoe

Entre 2020 e 2021, a pandemia da Covid-19 e a situação do terrorismo na província de Cabo Delgado foram apontados como factores que contribuíram para o fraco desempenho da economia moçambicana. Em 2022, com o levantamento das medidas restritivas no âmbito da pandemia viral, o abrandamento dos ataques na província de Cabo Delgado e o regresso das instituições da Bretton Woods, Moçambique reentrou na rota do desenvolvimento.

Entretanto, quando parecia que o início da exportação de gás natural e os factores acima supracitados iriam catapultar a economia nacional no ano em curso, advinha-se mais um ano difícil para o moçambicano.

Contra todas as expectativas, mesmo com o regresso dos doadores e início da exploração de gás natural, os moçambicanos terão que, mais uma vez, apertar o cinto. Chivava observa que o país está cada vez mais dependente e que há anos que trabalha com o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, mas nunca foi estável.

“Não acredito que com a volta do FMI e do Banco Mundial haverá melhores dias para a economia moçambicana. Moçambique tem estado a trabalhar com estas instituições há muito tempo, mas nunca esteve estável. Quando é que já esteve? O que está a acontecer é que o fosso está cada vez maior entre ricos e pobres. O País está cada vez mais dependente, cada vez mais endividado. Não sei o que vai entrar na economia moçambicana com o início da exploração e o impacto que isto vai ter na própria economia, assim como na vida das pessoas, é um mistério”, disse Chichava para depois referir que ninguém sabe o que o País vai ganhar com exploração de gás natural.

O investigador defende uma discussão aberta para se mostrar e explicar que impacto isso vai ter para a vida dos moçambicanos. “Como a exploração vai contribuir para acabar com a dependência do défice orçamental? O que vai contribuir para os diversos sectores da sociedade moçambicana e como vai contribuir para a redução da exclusão social e económica? Ninguém sabe. Ninguém sabe o que Moçambique vai ganhar concretamente com a exploração do gás natural. Os que mandam no País é que sabem o que o País vai ganhar e os respectivos impactos”, analisa.

Anotando que, no grosso dos países africanos, a exploração dos recursos naturais perpetuou a situação da pobreza, aumentou os conflitos e a corrupção. O terrorismo em Moçambique é um dos exemplos mais visíveis da maldição dos recursos.

Para não passar por experiências de países como Angola e Nigéria, o pesquisador do IESE observa que Moçambique deve pautar pela transparência das receitas provenientes da exploração de gás natural.

“É preciso saber quanto é que se está a explorar e quanto dessa exploração vai ficar com Moçambique e o que vai se fazer com esse dinheiro. Vai para onde? Vai se fortalecer o sector da saúde e fortalecer o sector da educação? O que Moçambique ambiciona ser? Moçambique ambiciona ser um Dubai, uma Arábia Saudita, uma Noruega, o que ambiciona ser? Essas coisas devem ser discutidas abertamente sem tabus, mas o que está a acontecer é que tudo está envolto a mistérios. É provável que essas elites tenham de facto uma vontade de usar estes recursos para desenvolver o País. Mas como a história do nosso País é marcada por corrupção e o enriquecimento das elites, a falta de transparência do bem público, nada me diz que desta vez será diferente”, anota.

Chichava não tem dúvidas de que Moçambique não depende de gás natural para catapultar a economia, uma vez que, observa, tem tudo para dar certo e ter uma economia bastante diversificada, embora lembre que o gás seria muito importante para o desenvolvimento.

Segundo ele, Moçambique tem o sector do turismo, terras férteis para produzir produtos de alta qualidade. tendo em conta que já foi grandes produtores de café.

“A questão do Fundo Soberano por si só não é uma varinha mágica”

Em Dezembro do ano passado, o Conselho de Ministros apreciou e aprovou a proposta de lei que cria o Fundo soberano. No rol das explicações, o Governo disse que aquele instrumento visa assegurar que as receitas provenientes da exploração dos recursos minerais estimulem o desenvolvimento social e económico do país.

O pesquisador do IESE aplaude a criação do Fundo Soberano, mas entende que o mesmo deve ser gerido por pessoas idôneas para que não seja antro de corrupção ou enriquecimento ilícito.

“A ideia do Fundo Soberano é positiva. É prematuro para mim dizer como é que vai funcionar esse Fundo Soberano, mas são poucos os casos em África em que o tal Fundo Soberano serviu para o propósito pelo qual foi criado.  A questão do Fundo Soberano por si só não é uma varinha mágica, é preciso que as pessoas que vão gerir esse fundo sejam de facto pessoas íntegras e movidas de uma vontade de bem servir. É preciso pessoas que saibam gerir para que o Fundo Soberano não seja um antro de corrupção ou enriquecimento ilícito. Francamente, não sei o modelo que vai se adoptar, mas num contexto como o nosso é que a tendência para tudo estar centralizado em alguns grupos, se for este o caminho a se adoptar, o Fundo Soberano não vai servir o motivo pelo qual foi criado ou está para ser criado”.

“Os doadores são cúmplices da fantochada

Em Outubro do presente ano, o País vai realizar as eleições autárquicas, mas a Comissão Nacional de Eleições já demonstrou sérias limitações financeiras para a organização das mesmas. Chamado a comentar sobre as incógnitas que giram em torno destas eleições, Sérgio Chichava referiu que, se fosse da Comunidade Internacional, não se dignava a dar dinheiro a Moçambique, porque as eleições não servem para nada.

“As eleições estão para dizer a comunidade internacional que aqueles que estão a governar foram eleitos através de um processo democrático, livre, mas sabemos que tudo é fantochada. É brincadeira, essas eleições para se realizarem temos que pedir esmola. Os doadores são cúmplices em tudo isso, se fizesse parte da Comunidade Internacional não dava dinheiro para eleições, porque não servem para nada, mudam o quê? Honestamente falando, não servem para nada, pior agora que morreu oposição, mas mesmo com isso, haverá fraude, não haverá transparência, mas a Frelimo tem todas as condições para varrer em muitos municípios, mas como quer varrer tudo mesmo nos locais que é quase impossível não quer deixar nada para ninguém, vai fazer de tudo para que este processo não seja transparente”.

Em Dezembro de 2022, o Conselho de Ministros aprovou a proposta de lei que cria 12 novas autarquias. Algumas organizações da sociedade civil questionaram o facto de o Executivo criar novos municípios numa altura em que o grosso dos que já existem se debate com problemas financeiros, sendo que alguns não conseguem pagar salários.

Para Sérgio Chichava, os critérios usados para escolha das novas autarquias não passam de conversa para o “boi dormir”. Aliás, o nosso entrevistado refere que, a par do Governo, os municípios não são auto-suficientes.

“O próprio País não é auto-suficiente, qual é o município auto-suficiente? Os novos municípios talvez tenham condições piores em relação aos locais que não são municípios. Escolha de municípios está por detrás de interesses. Esse País vive de doações, vive de empréstimos. Não produz nada, tudo vem de fora. Tudo não devia ser. Se o País vive de doações e não é auto-suficiente como é que você vai exigir ao município que seja auto-suficiente? Esses todos critérios para escolha de município são conversas para o “boi dormir”. Estas com a RENAMO e MDM que não criticam nada, você não tem oposição”.

Frelimo não está em condições de sobreviver num jogo transparente

Em Outubro, para além de manter os municípios que estão sob sua gestão, os partidos da oposição vão tentar roubar alguns municípios ao partido no poder. Questionado se, com as condições actuais, a Renamo e o MDM estariam preparados, declarou que a oposição foi engolida pela inércia, mas aposta que Albano Carige e Paulo Vahale podem renovar os mandatos na Beira e Nampula, respectivamente.

“A oposição tem condições para manter alguns municípios. Não conheço a situação de todos, mas, pelo menos, por aquilo que tenho ouvido falar na opinião pública me parece que em Beira e Nampula estão em melhores condições. Em Quelimane, as coisas não parecem agradáveis. O Vahale parece que é bastante apreciado, começou mal, mas quando se compara com os anteriores governos, exceptuando o Mamudo Amurane, as pessoas sentem que alguma coisa está a acontecer e não me parece que ele esteja em perigo. A situação de Nacala é complicada, é difícil ganhar uma eleição nesse País não sendo do partido no poder, mas agora vão (os partidos da oposição) ser esmagados por inércia, não existe oposição”.

Sem papas na língua, Sérgio Chichava não tem dúvidas que, se Moçambique fosse um País onde reina a concorrência perfeita quando se trata de eleições, a Frelimo já teria sido esmagada, tendo igualmente apontado o dedo ao líder da Renamo pelo actual estágio do maior partido da oposição no País.

“Se fosse num País sério, a Frelimo seria esmagada, essa coisa de Tabela Salarial Única é uma trapalhada. Se o campo político moçambicano fosse caracterizado por uma concorrência perfeita, em que só ganha aquele que vende o melhor produto, a Frelimo já tinha acabado. Num país normal onde há eleições democráticas e livres, achas que esse partido iria sobreviver? Eles sabem que não vão chegar ao poder porque as eleições não são justas, eles não têm a capacidade, não tem ideias. Esse País está num beco sem saída. O único que dava um pouco de esperança aos moçambicanos morreu, Dhlakama morreu, embora ele tenha muita culpa do que está a acontecer na Renamo. Não institucionalizou o partido, aquilo era um partido pessoal, até chamava-se partido Dhlakama, bastou morrer está do jeito que está. Morreu Dhlakama e morreu com partido”.

A Renamo e MDM abriram espaço para uma possível coligação nas próximas Eleições Gerais com vista a tirar do poder, os que actualmente estão a desgovernar o País. De acordo com o pesquisador do Instituto dos Estudos Económicos e Sociais, mesmo chamando o Congresso Nacional Africano (ANC), os dois partidos com assentos na Assembleia na República não seriam capazes de destronar a Frelimo.

“Vai ser uma humilhação. Não é nada, eles podem se coligar e chamarem a avó ou tia, mas a Frelimo vai passear a sua classe, não porque é o melhor partido mas porque não existe ninguém para lhe fazer frente. Se quiserem podem chamar a ANC, mas vão perder. A Renamo e o MDM nunca vão fazer uma coligação, se fizessem seriam inteligentes, uma coisa que não são. Uma oposição coesa faz melhores resultados do que uma oposição fragmentada, mas não vai haver coligação, não estão preparados”, sentencia.

Incluir o filho na comitiva presidencial é “arrogância”

No balanço do terceiro ano do seu ciclo de governação, o Presidente da República referiu que o terrorismo é um facto universal e que “ninguém pode dizer que é legado combater o terrorismo, porque não sabe em que metamorfose ele vai surgir amanhã”.

Com essas palavras, parecia que o Comandante-em-Chefe das Forças de Defesa e Segurança estivesse a atirar a toalha ao chão, reconhecendo que o terrorismo não será erradicado no seu mandato. Entretanto, Chichava observa que Nyusi queria dizer que existe uma outra forma de acabar com a insurgência armada na província de Cabo Delgado.

“Combater é outra coisa, vencer é outra coisa. Acho que ele não queria atirar a toalha ao chão, mas ele queria reconhecer que para, além da via militar, também existem uma forma de chegar ao acordo com os grupos terroristas. É preciso privilegiar outras formas. A Nigéria enfrenta o terrorismo há muitos anos, isso mostra que é muito difícil combater o terrorismo, sobretudo, em contextos onde há exclusão social que leva que haja um campo fértil para o recrutamento de jovens para estes grupos terroristas. Não me lembro de um País com as condições económicas de Moçambique que tenha derrotado o terrorismo”, disse Chichava para depois criticar o silêncio da oposição em relação o facto do Presidente da República incluir o filho na comitiva para as viagens presidenciais no estrangeiro.

“Isso mostra a arrogância. Num País normal, seria uma grande crítica e o Chefe de Estado teria muitos problemas ao fazer isto abertamente. Se o Presidente da República estivesse a governar bem não precisa de tanta a bajular. Nos últimos anos, Guebuza era criticado porque a imagem estava desgastada houve enorme campanha para limpar a imagem, mas com Nyusi as pessoas não importam com ele, só gozam, acham que ele nem sabe o que está a fazer ali”.

Nas entrelinhas, Sérgio Chivava considera que o País tem quadros competentes para mudar o actual estágio do país.

“Este País tem pessoas capazes, tem quadros capazes e inteligentes, mas ainda há falta de vontade e ambição desmedida. As pessoas querem levar as coisas e meter no bolso, não há visão para o desenvolvimento da sociedade no seu todo. Não há interesses dessas elites políticas em haver inclusão social, política e económica. Se não mudar a forma que estar a ser gerido o país vai andar de conflito em conflito. Você vai eliminar o al shaabab e vai surgir outro, porque as raízes estão lá. Eles lutam por alguma coisa, estão insatisfeitas com alguma coisa”.

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