Assédio sexual na UEM sobe de tom e a instituição diz que as vítimas devem dar as caras

SOCIEDADE
  • Instituição fala de falta de condições para investigar
  • Assediadores não correspondidos chegam a fazer vida negra aos estudantes
  • Assédio sexual e moral, reprovações em massa, maus-tratos, insultos, entre outros são perpetrados pelos docentes da maior universidade do país

 

Em carta posta a circular semana passada, os estudantes de medicina da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), introduzidos no Estágio Integrado do 6º ano no Hospital Central de Maputo, denunciam assédio sexual e moral, reprovações em massa, maus-tratos, insultos, entre outras “merdas” perpetrados pelos seus docentes. O Hospital Central de Maputo (HCM) diz estar a investigar os casos arrolados, mas a direcção da UEM, que nos últimos dias vem sendo acusada de fazer vista grossa aos relatos de assédio sexual e moral, existindo casos formalmente apresentados, porém arquivados pela instituição, diz que denúncias anónimas com recurso às redes sociais não oferecem condições para a realização de uma investigação coerente e eficaz.

Evidências

É um documento que arrepia a pele de quem lê. De acordo com a massiva, os estagiários de medicina sofrem assédio sexual, maus-tratos e sobrecarga horária protagonizados por seus professores e tutores.

“Vamos falar das merdas que fazem com os estudantes de Medicina da UEM (a tal melhor universidade do país), e principalmente no Estágio Integrado do 6º ano no Hospital Central de Maputo. Estamos a estudar tipo guerra porque os nossos supostos mestres e professores sofreram no tempo deles e acham que temos culpa disso”, inicia o relato, que de acordo com os estudantes, as sevícias não se limitam aos formandos afectos aquele curso, embora observam que é onde mais se manifesta.

Na massiva que o Evidências teve acesso, cada departamento dá para fazer um livro a falar das “merdas” e os certificados são “horríveis” por conta das formas de avaliação, pois o mais importante é reprovar o maior número possível de alunos.

“O departamento de Pediatria merece um testamento inteiro, mas fica para outro dia. O departamento de Cirurgia, Ginecologia e Obstetrícia e Medicinas são os campeões no assédio sexual e moral às estudantes”, sublinha a massiva, que foi secundada por alguns estudantes abordados pelo Evidências para confirmar a veracidade das denúncias feitas na carta anónima.

É um clima de tensão e medo que acompanha os formandos. Eles acusam os médicos de chantagistas e as alunas saem de casa com muito medo de alguns (muitos) médicos famosos em encurralar estudantes e assediar. Havendo casos em que os docentes ameaçam reprovar e repetir o estágio caso os estudantes não cumpram as suas vontades.

De acordo com o documento, houve casos de desistência no final do curso por conta do assédio sexual. “Uma colega no 6º Ano preferiu desistir da formação” e há “colegas que repetem o estágio (de cirurgia principalmente) porque os senhores doutores querem ter objecto de apreciação”, lê-se na massiva.

Os estudantes dizem ainda que a carga horária é extremamente desumana. Depois de um dia cheio na enfermaria eles são obrigados a fazer 12 horas de urgência, das 20h às 8h, e no dia seguinte ficar de novo até 14 horas ou mesmo 17 horas.

“Não há lugar para descansar nem há direito à comida. Sem ter em conta que mesmo assim temos de ficar de estômago vazio para engolir humilhações, ofensas e assédio que não falta”, relatam, para depois acrescentar que “o reitor (Manuel Guilherme Júnior) finge cegueira e demência, a direcção da faculdade não faz nada em nome das boas relações com os seus colegas médicos de merda”.

HCM promete investigação e UEM desdramatiza

Em menos de um dia depois da publicação, o Hospital Central de Maputo reagiu em comunicado, no qual afirma estar em curso diligências para colmatar o problema.

De acordo com a maior unidade hospitalar do país, estas vicissitudes afectam sobremaneira o processo de ensino e aprendizagem, chegando em casos mais graves, a culminar com a desistência dos formandos.

“Por esta via, manifestamos o nosso repúdio e condenamos veementemente qualquer tipo de comportamento desviante, antiético contra a integridade física e moral dos nossos utentes, funcionários, colaboradores, estudantes e a boa imagem institucional, pelo que diligências já foram accionadas junto das partes envolvidas para melhor entender e colmatar o problema”, refere o documento.

A Universidade Eduardo Mondlane também reagiu, através de um comunicado no qual mostra-se preocupada com a onda de “denúncias anónimas”, ignorando assim o conteúdo da denúncia. Adiante, refere que as denúncias com recurso a redes sociais não oferecem condições para a realização de uma investigação coerente e eficaz, de modo a responsabilizar os delegados perpetradores.

O histórico de registos de assédio sexual sem o devido tratamento na UEM acompanha a instituição que mesmo nos casos em que as denunciais são formais não dá qualquer seguimento, pelo contrário, a instituição simplesmente arquiva.

O caso mais polémico que foi destaque neste jornal foi do antigo assessor de Orlando Quilambo (antigo reitor) para assuntos estratégicos, Patrício Langa. Langa terá recorrido aos fundos de um projecto que estava sob a sua responsabilidade, a ‘Climate-U’, financiado pelo governo do Reino Unido, através da Global Research Fund (GRF), para inventar uma viagem para África do Sul, com uma estudante, a pretexto de trabalhar num projecto, mas chegado no país, que nada tinha a ver com a Climate-U, forçou a companheira a partilhar o quarto.

O caso foi denunciado pela vítima, o que levou a Universidade de Londres a solicitar à reitoria da UEM os procedimentos internos para resolução dos casos de assédio que envolvem docentes e alunas e a instar a mesma a investigar o assunto, mas até aqui não houve esclarecimentos.

Na carta em que solicita esclarecimentos, Fiona Ryland, vice-presidente do Instituto de Educação da UCL, uma extensão da Universidade de Londres (University of London), procura saber junto do vice-reitor da UEM a respeito de “uma alegação de má conduta sexual envolvendo um académico e uma estudante da sua universidade”.

No documento com caracter confidencial, Ryland partilhava informações na posse do Instituto de Educação da UCL, a fim de que a UEM possa conduzir “sua própria investigação, de acordo com suas políticas relevantes” de combate a assédio.

Não deixa de ser curioso o facto de a vítima ter se queixado aos financiadores e não à UEM, o que reforça a narrativa de que as queixas internas são arquivadas na instituição.

É que naquele momento o Instituto de Educação da UCL estava envolvido com a Universidade Eduardo Mondlane em um projeto, ‘Climate-U’, financiado pelo governo do Reino Unido, através do Global Challenges Research Fund (GRF), conduzido por Patrício Langa, um dos pesquisadores principais. Não estando claro se o projecto foi suspenso ou continua.

“Recebemos uma denúncia em que é relatado que o Prof. Langa agiu de forma inadequada com uma estudante enquadrada no programa como coordenadora da rede de alunos”, denunciou Fiona Ryland, num documento que o Jornal Evidências teve acesso.

Adiante, lê-se no documento que Langa “convidou a estudante para a África do Sul com base no facto de que ela devia fazer algum trabalho para Climate-U. Quando a estudante chegou, alegou que o Prof. Langa sugeriu que eles deveriam fazer sexo. Fomos informados que o Prof. Langa havia pago apenas por um quarto individual na África do Sul, com a expectativa de que haveria sexo, mas quando a aluna recusou qualquer intimidade ele pagou para ela ter seu próprio quarto”, expôs. A última vez que o jornal procurou se inteirar do estágio do tratamento do caso, em Junho passado, foi que o caso estava em investigação, mas o Evidências soube que, afinal, nenhum seguimento foi dado, até pela nova reitoria.

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