Alexandre Chiure
Hoje vou começar o meu artigo com fortes aplausos para o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos por, finalmente, ter tomado a já esperada decisão de suspender temporariamente, em todo o país, as actividades da Igreja Velhos Apóstolos até que haja paz e concórdia no seio da congregação.
A medida, todavia, peca por ser tardia. O facto é que o governo se remeteu, eventualmente em nome da tolerância, ao silêncio e quando resolveu intervir foi surpreendentemente para intermediar o conflito, apesar de que o nível de gravidade que o problema tinha atingido exigisse outro tipo de soluções.
Optou pela sensibilização das partes desavindas numa altura em que era preciso a sua mão dura para pôr cobro à escalada de violência que envolvia a direcção encabeçada pelo apóstolo Matlombe e um grupo de crentes que o quer fora da igreja.
A apatia e o “deixa andar” que se observou da parte de quem tinha a responsabilidade de agir atempadamente para evitar um mal maior, perante um caso de extrema gravidade, deu origem a uma situação de vazio de poder.
Os apóstolos em conflito encontraram, neste ambiente de aparente relaxamento das autoridades, terreno fértil para fazer e desfazer a seu bel-prazer.
O governo até pode, de alguma forma, tolerar uma e outra situação no relacionamento com as confissões religiosas existentes no país. O que não deve, nunca, é permitir que a igreja seja transformada num ringue, onde os crentes medem forças.
Não se deve, de modo algum, admitir que haja pancadarias entre os praticantes, bem como disparos e detenções na casa de Deus, lugar considerado sagrado, onde os fiéis cultivam a fé, rezam pela sua libertação espiritual e buscam o Espírito Santo para a sua protecção.
Não é aceitável que homens armados, contratados por quem quer que seja, invadam a igreja sob o pretexto de protecção de alguns dirigentes religiosos. Nada justifica tal ocorrência.
Causou Uma certa estranheza que as autoridades governamentais tenham permitido que o conflito evoluísse até ao estado em que chegou, de as missas dominicais decorrerem com forte presença de agentes de segurança privada armados, ao serviço do apóstolo Matlombe, e de algumas unidades policiais.
É, no mínimo, inaceitável que mesmo depois do registo de casos de agressão física e esfaqueamento entre crentes, o governo não tenha adoptado medidas drásticas para pôr fim ao espectáculo gratuito a que nos foi dado assistir, durante cerca de dois meses, pela igreja Velhos Apóstolos.
Em última análise, é lamentável que o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos tenha levado tanto tempo a concluir que estava na hora de agir, como governo, accionando alguns dispositivos legais ao seu dispor para suster a vergonhosa violência que caracterizava aquela congregação.
Estávamos perante uma situação que afectava, sobremaneira, a imagem daquela igreja e, por tabela, a das restantes congregações pelo mau exemplo que a direcção e os seus crentes estavam a dar na sociedade ao mostrarem-se impotentes na busca de solução para o conflito que lhes dividia na base do diálogo.
Quando se trata de tumultos nas igrejas, o governo é chamado a impor “tolerância zero” para preservar o respeito e a consideração que se tem da casa de Deus. Afinal, ela é a reserva moral na sociedade e defensora da primeira linha, no que diz respeito à opção da resolução de quaisquer conflitos por via de diálogo.
O caso da igreja Velhos Apóstolos remete-nos a uma reflexão profunda sobre o papel das confissões religiosas no país. Ao que tudo indica, parte significativa destas abandonou a sua tradicional função de educação moral da sociedade, ensinando as pessoas a darem valor à vida e a respeitarem o próximo.
Contam-se aos dedos de uma mão as que se mantêm nesta bitola. De uma forma geral, as igrejas estão preocupadas em sacar dinheiro do bolso dos crentes, sob as mais variadas formas, entre as quais a oferta de bens móveis e imóveis e de avultadas somas de dinheiro em nome da fé ou de sacrifício, com a promessa de bênção de Deus.
Tal situação acontece com a cumplicidade das autoridades governamentais, que no lugar de proibir certas práticas religiosas, em protecção do cidadão, vêem em tal exercício uma oportunidade para facturar através do fisco.
A religião tornou-se, assim, numa actividade lucrativa em Moçambique, onde proliferam falsos profetas que, movidos pelo lucro fácil, protagonizam cenas que configuram milagres para prender a audiência nos seus cultos, o que faz com que arrastem consigo milhares de crentes em busca de salvação e de sorte na vida ou nos negócios.
São charlatões que se aproveitam de um terreno fértil para estabelecer as suas igrejas, dado o tipo brando de requisitos exigidos para o efeito. Duas mil assinaturas, certidão de registo criminal e fotocópia do BI é, basicamente, a condição suficiente.
Contrariamente a este cenário, em Angola, a exigência legal é que se reúnam 100 mil assinaturas presenciais, entre tantas outras condições, sendo que o governo proíbe certo tipo de ofertas às igrejas.
O país tem, sim, pastores sérios, profetas e igrejas, mas os demais cingem-se à actividade de enganar as pessoas enveredando por práticas religiosas de venda da fé.