Os frutos do julgamento

OPINIÃO
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Alexandre Chiure

O juiz Efigénio Baptista apresentou, finalmente, em público, há cerca de uma semana, a esperada sentença do mediatizado caso das dívidas ocultas, depois de três meses de enorme expectativa em torno do que seria o desfecho do assunto, cujo julgamento durou sete meses.

O interesse do público à volta da matéria deveu-se ao envolvimento do filho do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, Ndambi Guebuza, o seu ex-conselheiro para os assuntos políticos, Renato Matusse, a sua ex-secretária particular, Inês Moiane, e de três quadros seniores do Serviço de Informação e Segurança do Estado.

Após uma cansativa leitura de mais de mil folhas, ricas em detalhes e explicações jurídicas exaustivas na tentativa de não deixar margem nenhuma de dúvidas, anunciou, nas últimas folhas, o castigo que cabia a cada um dos 11 réus, sendo que varia de 10 a 12 anos de cadeia. Além disso, absolveu oito co-réus por falta de provas sobre a sua culpabilidade.

Posto isto, Efigénio Baptista concluiu o seu trabalho de quase um ano, mas o assunto ainda não está encerrado. Terminou uma etapa e começou outra.

A sentença ainda não transitou em julgado. Os que respondiam em liberdade, apesar de condenados, continuam livres. Os que estão em reclusão mantêm-se como tal.

O exercício agora é julgar a decisão do juiz, cada grupo, de acordo com os seus interesses ou ponto de vista. Os advogados de defesa dispõem de 20 dias para se manifestarem, no sentido de se conformarem ou discordarem da sentença.

Cabe-lhes o papel de tentar, a todo custo, explorar, no máximo, as possíveis fragilidades que o documento possa apresentar, nomeadamente a má aplicação ou interpretação de algumas leis a que o tribunal recorreu para a fixação das penas e outras questões julgadas relevantes que possam beneficiar os seus clientes.

O objectivo não é propriamente inocentá-los, mas, isso sim, juntar argumentos para tentar convencer outras instâncias da Justiça a reduzirem as suas penas.

O Ministério Público, na qualidade de guardião da legalidade e defensor dos interesses do Estado neste julgamento, tem, igualmente, uma palavra a dizer. Pode entender que as penas aplicadas pelo tribunal aos onze réus não são adequadas.

Pode, porventura, concluir que o juiz não explorou todas as possibilidades de tornar as penas robustas ou ser contrário à absolvição de mais sete réus em relação ao seu pedido, que era de apenas um.

O terceiro nível de julgamento da sentença é relativo ao que o público pensa a seu respeito. O debate é se Ndambi Guebuza, Gregório Leão, António Carlos do Rosário, Teófilo Nhangumele e Cia foram sancionados de forma exemplar ou não, e por via disso verificar se foi feita a justiça ou nem por isso.

O sentimento que persiste a este nível é o de que o juiz da causa poupou os réus ao atribuir-lhes penas brandas, tendo em conta a gravidade dos crimes cometidos, o prejuízo que causaram ao país, quer em termos de endividamento, quer de imagem perante as praças financeiras internacionais e os doadores.

É sentimento comum que houve alguma condescendência da parte do juiz na fixação das penas, sendo que, daqui a poucos anos, os réus serão vistos a circular nas ruas do país e a cuidarem dos seus negócios.

A expectativa do público residia na hipótese da aplicação de penas pesadas, que rondariam os 20 a 28 anos de prisão. Esta situação leva-nos a um outro tipo de debate. É que, pelo que foi notório, o juiz tinha a pretensão de aplicar penas severas, mas o Código Penal não consente.

Curiosamente, o legislador (governo) procedeu à revisão desta lei em baixa no ano de 2019, em pleno caso das dívidas ocultas, fixando a pena máxima contra o crime de peculato de 12 anos de prisão, depois de, a partir de 1979, ter sido de 20 a 24 anos e, em 1986, de 12 a 16 anos.

Quer dizer que, em todo este processo, o mérito vai para o juiz Efigénio Baptista, que se viu amarrado a uma lei que não permite nenhuma flexibilidade na tomada de decisão sobre que penas devem ser aplicadas, no caso específico as de peculato.

O demérito, esse, vai para o legislador que, em atitude pouco clara, resolveu enfraquecer o Código Penal numa altura em que há cada vez mais casos de roubo de dinheiro do erário, crimes de corrupção, branqueamento de capitais, abuso de poder e de cargo, entretantos outros.

Infelizmente, este é o Código Penal que o legislador nos oferece. Uma lei que, em alguns aspectos, parece ter sido revista para favorecer criminosos envolvidos, especificamente no caso das dívidas ocultas. Um Código Penal que deve ser alvo de uma nova revisão pontual para que não culpemos os juízes se estes não aplicarem penas severas, mesmo que tal procedimento se justifique. Efigénio, decepcionado com a situação, recomendou que se faça tal exercício. O resto dependerá da boa vontade do legislador.

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