Eleições autárquicas: um balanço preventivo

OPINIÃO

Luca Bussotti

Costuma-se dizer que as eleições locais, qualquer que seja o nível institucional chamado à sua renovação, constituem uma história em si. Esta afirmação é feita quer por parte dos partidos políticos que perdem esta contenda eleitoral, quer pelos observadores por vezes não muito imparciais, que tendem a encobrir este ou aquele insucesso do partido a que se sentem mais próximos.

Em boa verdade, as eleições locais, principalmente as autárquicas, têm características próprias, que as distinguem das gerais: acima de tudo, elas se restringem à renovação de municipalidades (ou, como no caso das eleições de 11 de Outubro, até de primeiro voto de algumas autarquias), não havendo uma influência directa no desempenho do governo central. Em segundo lugar, sempre emergem personalidades, mais ou menos conhecidas, que poderão futuramente ter uma projeção nacional. E finalmente, elas representam um teste para as eleições gerais de 2024.

Se todos estes elementos fazem das autárquicas eleições distintas e separadas, no caso moçambicano elas revestem uma relevância nacional, por várias razões.

Primeiro: diferentemente daquilo que acontece em outros países, as listas que competem nestas autárquicas em Moçambique são fundamentalmente as correspondentes aos partidos políticos, mais ou menos tradicionais. Com efeito, se é verdade que existem agrupamentos cívicos que resolveram concorrer autonomamente em vários municípios, as possibilidades concretas de tais listas de cidadãos conseguirem resultados importantes parecem, até o momento, mínimas. Conclusão: trata-se de eleições sim locais, mas em que o confronto principal será entre quatro partidos fundamentais, Frelimo, Renamo, MDM e Nova Democracia, adquirindo, de antemão, um claro significado político nacional. Nacional no sentido de um confronto entre Frelimo e as principais forças de oposição; mas político também para estabelecer uma hierarquia eleitoral dentro das próprias oposições, que resolveram, na maioria dos casos, não se juntarem em coligações, apresentando listas separadas e com candidatos autónomos.

Segundo: as oposições apostaram em grandes personalidades, ao passo que, aparentemente, a Frelimo decidiu concentrar mais a sua atenção nos símbolos e no nome do próprio partido. Trata-se de duas filosofias diferentes, cujos resultados só poderão ser julgados a posteriori. Entretanto, o investimento que as oposições fizeram em candidatos de cariz nacional (em todas as partes do território nacional) representa uma opção lógica, uma vez que tais figuras poderão granjear a simpatia de eleitores que não necessariamente gostam do partido, mas sim do candidato. Em suma, o diferencial de votos em favor da Frelimo, principalmente no Sul do país, poderá ser compensado por figuras de larga popularidade entre as oposições: Venâncio Mondlane em Maputo e António Muchanga na Matola são apenas dois exemplos desta tentativa de valorizar quadros com grande potencial eleitoral. A Frelimo, pelo contrário, escolheu apostar, como costuma fazer mesmo nas eleições gerais e presidenciais, na força da sua tradição e no seu apurado sistema de mobilização eleitoral. Não que o partido no poder não tenha escolhido, como cabeça de lista, figuras de relevo, um pouco para todo o país; entretanto elas estão muito aquém da importância dada ao símbolo do partido. Esta escolha pode fazer sentido, tratando-se de um partido hegemónico, que sempre quis manter a primazia em relação aos seus quadros, mesmo os mais ilustres. Isso garante o controlo a nível central (salvo episódios inesperados, como no caso de Nampula), mas faz com que o diferencial do potencial eleitoral do candidato possa não constituir uma mais-valia para a vitória neste ou naquele município.

Terceiro: é preciso identificar critérios mínimos para estabelecer quem será o vencedor destas eleições. Isso pode ser feito mediante dois exercícios. Em primeiro lugar, o principal terá de basear-se na conquista dos municípios, e de quais municípios. Se as oposições conseguirão um número maior de municípios com relação aos que já governam, poderá-se dizer que elas alcançaram seus objectivos (embora não se possa descurar a variável constituída pelo aumento do número de autarquias de 2018 até hoje). Existe depois um factor que diz respeito à qualidade dos municípios conquistados: o grande risco, por parte da Frelimo, seria perder algum grande município, principalmente no Sul do país, Maputo e Matola acima de tudo. Isso significaria fechar, por parte das oposições, caso confirmem os resultados de 2018, o circuito das cidades mais significativas do país, tais como Nampula, Nacala, Quelimane, Beira, mais uma ou duas no Sul. Caso isso aconteça, o significado político do voto seria evidente, assim como evidente seria a necessidade, por parte da Frelimo, de mudar repentinamente a sua política nacional, em vista das próximas eleições de 2024, escolhendo devidamente o candidato, ou a candidata, para as presidenciais. Em segundo lugar, será interessante contabilizar o número de votos dos partidos a nível de todas as municipalidades a serem renovadas. Este exercício poderá constituir um factor importante para termos uma ideia mais clara de como poderá orientar-se o voto em 2024, procurando fazer uma projeção com dados realmente saídos das urnas, embora não de cobertura nacional.

Existe um último reparo que é preciso fazer: estas análises poderão ser anuladas no caso em que práticas infelizmente comuns nos processos eleitorais em Moçambique voltem a se repetir: enchimento das urnas, ameaças contra os cidadãos em votar para este ou aquele partido, mecanismos para fazer com que em municípios tradicionalmente favoráveis à oposição os sistemas informáticos não funcionem, impedindo o voto de muitos eleitores. Já o processo de recenseamento eleitoral não foi dos mais transparentes, com casos de gritante irregularidade, como demonstrado pela província de Sofala; se a isso acrescentar-se-á a patente irregularidade na contagem dos votos, isto significaria não tanto que este ou aquele partido poderá ter ganho ou perdido as eleições, mas sim que todo o processo democrático de Moçambique, mais uma vez, será viciado por práticas irregulares e que não farão que incrementar o nível potencial de violência eleitoral e pós-eleitoral em todo o país. Um cenário que as autoridades que governam o país, acima de tudo, deverão ter interesse a evitar, diante da opinião pública nacional, assim como internacional.

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