- Grupo de Nyusi cada vez mais isolado e com pouco apoio
- Há um misto de vergonha, revolta e preocupação, mas prevalece o medo
- Samito, Teodato Hunguana, Josina Machel e Tomaz Salomão quebram silêncio
- Até Chissano afastou-se para não ser associado à Frelimo “Perversa”
Filipe Nyusi e seu núcleo mais próximo estão cada vez mais isolados e com pouco apoio dentro partido, depois da forma como a vitória nas 64 das 65 autarquias foi “arrancada” nas eleições de 11 de Outubro. Depois de digerirem com alguma incredulidade os resultados daquela que é já considerada a fraude mais flagrante da história, alguns “corajosos”, dentre os quais históricos e reputados membros, começam a escalpelizar o seu sentimento de desacordo em relação à fraude e ao uso da força, bem como instituições da justiça para legitimar os resultados. Entre os que romperam a barreira do silêncio que vem sendo arregimentado na Frelimo, destacam-se Samora Machel Júnior, Teodato Hunguana, Tomaz Salomão e Josina Machel, que dão a voz a um coro de descontentamento cada vez mais crescente no seio dos camaradas que não se reveem no comportamento da actual direcção, à qual chegam a rotulá-la de ser de “bandidos”. O descontentamento que vai saindo à miúde faz antever um Comité Central fraturante entre Novembro e Dezembro, contudo desconfia-se que haja uma intenção de postergar o conclave com o medo de abrir feridas, mas também para baixar a “temperatura” actual.
O partido Frelimo vive umas das mais impopulares fases da sua história, um saldo negativo que se debita à má governação de Filipe Nyusi, que empurrou o partido para os seus piores resultados autárquicos da história, perdendo, pelo menos nas urnas, a Capital do País Maputo e a capital económica Matola.
Embora neste momento estejam em curso meios pouco ortodoxos para reverter os resultados a favor do partido Frelimo, o estrago está feito, havendo já um descontentamento crescente no seio dos camaradas que sequer mostram algum entusiasmo na hora de celebrar uma vitória roubada à Renamo por via do consórcio CNE/STAE, que fez apuramento com base em editais e atas falsas, o que faz com que a contagem seja completamente diferente da feita paralelamente pela Renamo, MDM, Nova Democracia e observadores independentes.
E porque o que aconteceu no dia 11 de Outubro são coisas que envergonham até os próprios membros da Frelimo, de forma tímida vão surgindo algumas vozes de membros corajosos que tentam romper as correntes do silêncio que vem sendo arregimentado dentro da Frelimo no últimos anos sob batuta de Filipe Nyusi e Roque Silva.
Depois de Samora Machel Júnior ter apelado a uma reflexão profunda sobre o futuro do país e a sua relação com o povo, bem como uma purificação de fileiras e responsabilização dos que levaram a pior fraude da história, mais vozes juntarem-se ao coro da dita reserva moral que não quer se acovardar diante da degradação de valores no partido.
Teodato Hunguana, Tomaz Salomão e Josina Machel são apenas alguns dos que sem nenhum receio de qualquer tipo de represálias colocaram o dedo na ferida criticando abertamente a direcção actual do partido, a instrumentalização dos órgãos e forças do Estado para oprimir o povo e legitimar resultados que maquiam a pior derrota da história.
Com nome de uma heroína nacional e filha do primeiro Presidente da República, a activista social Josina Machel não se acovardou no silêncio dos camaradas que temem represálias e colocou a boca no trombone, exteriorizando o que todo mundo já sabe, ou seja, o actual governo e liderança do partido atingiu o estágio de desnorte.
“Quando pegas em armas que são para defender o povo e atiras contra esse mesmo povo, já perdeste o poder. É só uma questão de tempo”, disse a filha de Samora Machel com a histórica Graça Machel, que no último Congresso abdicou de um lugar no Comitê Central justamente para não ver o seu nome associado à Frelimo actual.
O seu pronunciamento através do Twitter, agora “X”, sua rede social de eleição, surge em pretexto contra a brutalidade policial demonstrada na passada sexta-feira, em Maputo e Nampula, contra manifestantes. Mas antes, Josina havia reconhecido, através da mesma via, que a Renamo ganhou em Maputo, Matola e demais cidades do país.
“Não estou convencido que a Frelimo tenha vencido” – Tomaz Salomão
Uma captura de ecrã de um texto cuja autoria é debitada a Tomaz Salomão, antigo ministro do Plano e Finanças de Joaquim Chissano e ex-secretário geral da SADC, também exterioriza a temperatura interna dentro da Frelimo e o sentimento de incredulidade da dita reserva moral do partido.
“Eu sou da Frelimo. Todavia, não estou convencido que a Frelimo tenha vencido o pleito eleitoral na cidade de Maputo, por razões que todos conhecemos, em particular o desempenho da governação autárquica, TSU e greve dos médicos… Não vá o resultado anunciado e a postura do presidente da CNE contribuir para denegrir todo um esforço e trabalho feito”, critica aparentemente Salomão, numa mensagem dirigida a um grupo restrito de amigos, que terá sido depois tirada por via de um screenshot.
No entender daquele que é dos mais respeitados membros da Frelimo, “vivemos num mundo dominado por PERCEPÇÕES e determinados actos podem contribuir para retorcer ou amenizar as percepções. Não estou tanto por celebrações de vitória, mas sim pela análise de em que medida as percepções criadas contribuem para o reforço ou descrença nos resultados e em todo o processo eleitoral”.
No fim lança a batata quente para o Conselho Constitucional, frisando que em caso de dúvidas este órgão de soberania deveria anular as eleições.
“Espero bem que o Constitucional saiba assumir as suas responsabilidades e mesmo que em caso de dúvida conduzam à anulação de tais resultados e/ou das próprias eleições na cidade de Maputo. Uma postura FIRME vai conduzir a reposição da IMAGEM DAS INSTITUIÇÕES e crença no ESTADO DE DIREITO. De outro modo…”, encerrou a mensagem.
Há uma arregimentação do silêncio na Frelimo
Numa carta com o título “Dai a César o que é de César”, Teodato Hunguana, uma voz autorizada da Frelimo que já ocupou a pasta da justiça e foi juiz-conselheiro do Tribunal Constitucional, foi o que mais endureceu o discurso contra o actual establisment no partido.
Começando por se insurgir contra a arregimentação do silêncio, Hunguana denunciou a existência de um silêncio que é institucional e organizado como componente essencial de um sistema de poder na Frelimo.
“Portanto, além das vozes em silêncio, de que se tem falado, temos vozes silenciadas, inúmeras, e para ouvir estas vozes basta ter ouvidos de ouvir e curar em ouvi-las. Mas deixemos este intróito sobre o silêncio e vamos adiante ao que interessa, até porque, no que me diz respeito, trata-se, uma vez mais, de romper esse silêncio”, disse em jeito de introdução.
Indo contra o uso das instituições do Estado para legitimar os resultados da fraude, Hunguana disse esperar que o Conselho Constitucional não se prenda somente em questões de legalidade e legalismo quando for chamado a analisar as irregularidades detectadas.
Reconhecendo que caminhamos para o pico de uma crise que não cessou de se agravar, o antigo governante critica a atitude de surdez e cegueira, de obstinação, arrogância e soberba dos governantes e das instituições que gerem os processos, que no seu entender são hostis ao diálogo profícuo e necessário.
“Não haverá justiça sem a verdade. Donde, a paz só será paz verdadeira se for o fruto da justiça”, disse Hunguana, recorrendo à sabedoria bíblica para alertar para que se dê a César o que é do César, pois “se César (entenda-se Governo que usa meios do Estado para oprimir) não der ao povo o que é do povo, César estará a provocar o tumulto e a revolta daqueles cidadãos que não mais são súbditos e que, eventualmente, em algum momento podem reivindicar e chamar a si a soberania de que são donos, para decidir sobre César e para decidir sobre o seu próprio futuro. Portanto, ao fim do dia, terá sido César quem terá criado este estado de coisas, e não os cidadãos”.
Na carta distribuída pelas redações, Hunguana sai em defesa de outras vozes críticas, mas combatidas por quem tem poder como Samora Machel Júnior, Mulweli Rebelo e Brazão Mazula.
“Não encerrarei este texto que já vai longo para o que era minha intenção (infelizmente não tive tempo para ser mais breve) sem um apontamento crítico a algumas vozes que criticam Samora Machel Jr e Mulweli Rebelo, por falarem «fora das estruturas». Na realidade só por indesculpável distracção ou por declarada má-fé se pode fazer tal crítica. É que por um lado se fala de um «silêncio ensurdecedor» de dentro da Frelimo, mas por outro lado quando se fazem ouvir corajosamente estas vozes, que são bem de dentro da Frelimo, lançam-lhes essa crítica”, criticou.
Até Chissano já não se sente confortável ao lado do grupo actual
Joaquim Chissano foi dos poucos que durante a campanha abandonou o conforto do seus aposentos para se juntar à campanha, tendo feito diversas aparições em várias cidades e vilas, contudo, segundo fontes do Evidências, está neste momento retrancado em si, envergonhado com o rumo que as coisas estão a tomar.
Dos mais próximos, há quem garanta que este está desapontado e desiludido com o grupo actualmente no poder por se mostrar bastante astuto e imprevisível, não medindo esforços para alcançar os seus intentos por qualquer que sejam os meios.
Por essa razão, depois de ter se mostrado próximo do grupo Nyusi durante a campanha, e não só, tem estado a evitar aparições públicas, para evitar o embaraço de ser confrontado com perguntas que podem ser conotado com apoio a uma das fases mais nebulosas da história da Frelimo e da democracia moçambicana.
A última aparição pública de Joaquim Alberto Chissano foi exactamente no dia das eleições, quando afirmou que é preciso respeitar a vontade dos eleitores e evitar conflitos depois das eleições.
“Espero que tudo termine bem, para um bom-nome de Moçambique e dos moçambicanos. Estas eleições podem ser exemplares para o nosso povo e também para o mundo inteiro já que ando muito a ver eleições, a mediar conflitos pós-eleitorais. Então, quero apelar que esta calma continue a ser depois das eleições e dos resultados, estejamos sempre em festa”, projectou, sem saber que o seu partido viria a fazer o contrário.
Frelimo no poder quer adiar Comité Central
Com a onda de descontentamento interno ainda fresco, o grupo actualmente no poder procura a todo o custo adiar o Comité Central, que em princípio devia ter lugar no próximo mês de Novembro ou mais tardar princípios de Dezembro.
O mote para o adiamento do Comité Central é postergar tanto for possível a discussão sobre o fracturante debate das eleições de 11 de Outubro, pois por um lado, a ala actualmente no poder procura vender a ilusão de uma vitória retumbante, enquanto a nível dos sectores mais críticos cristalizou-se a ideia de que estas foram as eleições mais fraudulentas.
Os camaradas não perdoam ao actual governo por ter arrastado a reputação da Frelimo para o fundo do poço, a ponto de perder a Capital do País, Maputo e a Capital Económica, Matola (pelo menos no que dizem as contagens paralelas da oposição e observadores independentes).
Ao empurrar o Comité Central com a barriga e tentar adiar por mais tempo possível a também conhecida como Frelimo “perversa”, muito por conta dos seus métodos mais hardcores para atingir os seus objectivos, procura a todo custo ganhar tempo para a poeira baixar e evitar que haja uma reflexão franca sobre o actual estágio do partido, com uma forte oposição de vozes sonantes.
A ideia, na verdade, é deixar o tempo passar, para que os camaradas possam arrefecer a sua fúria e no próximo ano, em vez de se discutirem os resultados desastrosos, uma plateia já coartada aparecer com discursos de saudações a Filipe Nyusi e Roque Silva pela clarividente liderança que, na sua percepção, levou a vitória com números coreanos.
Mas do outro lado, há um grupo que defende uma purga imediata aos membros de topo considerados culpados pelo resultado actual, a começar pelo próprio secretário-geral, Roque Silva, que era cumulativamente presidente do Gabinete de Campanha.

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