Nyusi livra-se de mais um que criticou protagonismo do “primo Bernardino”

DESTAQUE POLÍTICA
  • General expôs conflito de protagonismo, improvisos e manipulação de dados em Cabo Delgado
  • Capitene questionou transformação de um assunto militar em caso de polícia
  • Desde o início da insurgência, Bernardino tem sido a face mais visível da luta
  • Nyusi explica que é preciso evitar falar sem autorização, principalmente em tempos de guerra.

Em pleno dia da paz, o Presidente da República, Filipe Nyusi, não teve nenhuma tolerância ao discurso disruptivo do general Bertolino Capitine, que até a passada sexta-feira (04) assumia o cargo de vice-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). Traçando um cenário de falta de coordenação no Teatro Operacional Norte (TON), decisões operativas tomadas em quintas particulares, uma luta contra o terrorismo feita aos improvisos e maior protagonismo dado a Polícia da República de Moçambique (PRM) em detrimento dos militares, expôs, à uma plateia composta por estudantes e docentes da Universidade Joaquim Chissano, limitações das Forças Armadas no teatro operacional e estabeleceu uma relação conflituosa dos militares com a Polícia da República de Moçambique (PRM). Desde o início da insurgência, o Comandante-Geral da Polícia, Bernardino Rafael, tem sido a face mais visível da luta contra terrorismo, ofuscando os militares, ao que o desabafo parece ter sido feito à sua medida. Capitine, que é general de três estrelas, chega mesmo a questionar os números de terroristas abatidos. Suas declarações, apesar de se mostrarem lúcidas, na perspectiva didática, não foram bem acolhidas pelos seus superiores, pelo que foi no dia seguinte exonerado pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, que é também Comandante em Chefe das Forças de Defesa e Segurança.

Evidências

Era para ter falado somente para a academia, mas o seu discurso, que era dirigido à comunidade acadêmica, acabou ganhando destaque na imprensa, extrapolando mais tarde para as redes sociais.

A rápida repercussão não era para menos. Era a primeira vez que uma alta patente do exército, no caso o vice-chefe do Estado Maior General, general de três estrelas (o limite é quatro), colocava as cartas em cima da mesa e destapava o véu sobre os problemas operativos das Forças de Defesa e Segurança no combate ao terrorismo em Cabo Delgado.

Bertolino usou o espaço para criticar a falta de declaração de guerra em Cabo Delgado, o que limita a actuação das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), dando mais protagonismo à Polícia da República de Moçambique (PRM), que, no seu entender, não tem preparo adequado para combater a realidade no terreno.

“Por causa da ausência de declaração de guerra e, até hoje, aquela famosa FDS, não sei o que é isso de FDS, tenho muita dificuldade porque eu não sou polícia e polícia não é militar, é paramilitar. No nosso sistema, a polícia é paramilitar. Há países em que a polícia é militarizada. São duas situações diferentes em que a formação é a mesma, a única coisa que se vão fazendo quando passam para polícia é ir ser atenuado alguns nervos nas Forças Armadas para ser pessoa. Mas quando chega a vez de ir a promoção, vamos todos, não há nada que acontece aqui. Estamos a exigir à polícia que monte defensiva, ofensiva, contra-ataque, regra de empenhamento, ele não foi ensinado isso. Estamos a sacrificar a companhia, não é tarefa dele. Tem Alshabab, que é sequestrador, prevenir etc, que é muita coisa”, criticou.

Segundo Bertolino, naquilo que é entendido como um desabafo de toda uma classe militar que se sente subalternizada no TON, dando-se maior protagonismo à Polícia, dirigida pelo general Bernardino Rafael, pessoa próxima e de confiança do Presidente da República.

“Há todo esforço de dar mais protagonismo de que a polícia é que manda as Forças Armadas. Não podem as Forças Armadas mandar porque não houve declaração de guerra. Isso ainda é assunto de ordem pública, não tem terrorismo, não tem guerra ali”, elucida, aclarando que só há guerra quando esta for declarada.

O protagonismo dado à polícia, segundo ele, acabou por contribuir para uma espécie de aniquilamento da tão temida Unidade de Intervenção Rápida, principal força especial da polícia. “… em Moçambique, durante a sopa de madrugada, houve um esforço de colocar a Polícia de Intervenção Rápida com alguma capacidade. Não estou contra, só que, porque a formação não foi robusta para todas as linhas possíveis, está aonde agora a UIR? Aquela UIR que qualquer tentativa de queimar pneu um minuto já está lá? Falhou a estratégia”, sustenta.

Ninguém contraria Bernardino Rafael e mantém-se no cargo

A crítica directa do número quatro em linha directa na cadeia de comando das Forças Armadas, ao protagonismo dado à polícia e, por tabela, a Bernardino Rafael, acabou por desagradar ao Presidente da República, Filipe Nyusi, que sem contemplações exonerou, horas depois, Bertolino Capitine.

O despacho não aponta os motivos pelos quais foi exonerado, mas o timing em que acontece aquela mexida sugere, claramente, que foi devido ao incómodo causado pelos pronunciamentos de Bertolino, pelo facto de toda a iniciativa de combate ao terrorismo ter sido dada a Bernardino Rafael e sua corporação.

Não é a primeira vez que alguém em disputa de protagonismo com Bernardino Rafael, figura próxima de Filipe Nyusi, é exonerado do seu cargo. No Ministério do Interior, em menos de cinco anos, caíram quatro ministros, e de todos sempre se alegou problemas de relacionamento com o comandante-geral da PRM.

Com efeito, Filipe Nyusi preferiu sacrificar Basílio Monteiro, Amade Miquidade e Arsénia Massingue, aparentemente devido a problemas de relacionamento com Bernardino Rafael e insubordinação deste em relação aos seus ministros do interior.

Aliás, ele tem sido figura central nos desdobramentos do país para o combate ao terrorismo, tendo, dentre várias acções, segundo escreveu o CDD em Abril de 2021, sido quem liderou a contratação do grupo mercenário sul-africano, DAG, cujos pormenores operativos e financeiros mantém-se no segredo dos Deuses.

Foi também figura central na criação e operacionalização do efémero Teatro Operacional Especial de Afungi, em Março de 2021, bem como o destacamento de uma task-force da polícia denominado Comando Operacional Especial de Afungi, que um mês depois, não conseguiu conter a maior invasão de terrorista em Palma, dentro do perímetro de segurança do projecto, o que culminou com a saída da TotalEnergies alegando Força Maior.

Nyusi diz que lei das Forças Armadas proíbe declarações públicas

Na senda dos pronunciamentos do tenente-general Bertolino Capitine, o Presidente da República alertou aos militares para evitarem fazer declarações públicas que abordem assuntos das Forças Armadas sem autorização superior.

“É preciso aprimorar a disciplina, ética e, sobretudo, a deontologia militar no seio das Forças Armadas de Defesa do Moçambique. Vocês conhecem muito bem a própria lei das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. A lei está clara. Postula que o militar não pode fazer declarações públicas de caráter político ou com questões que podem colocar em causa a coesão. Isso está no artigo 44. Vocês sabem. (…) Quando alguém chega ao cargo de oficialato vocês já sabem muito bem as suas obrigações como um militar, que não pode, sem autorização superior, fazer declarações públicas que abordem assuntos respeitantes às Forças Armadas”, disse Nyusi. Sem mencionar o nome do tenente-general Bertolino, Nyusi procurou dar a entender que a exoneração deveu-se ao facto de ter falado sem autorização.

Prosseguiu afirmando que os militares são orientados para que este aspecto seja escrupulosamente observado, sobretudo em tempos em que “estamos em guerra. Quando nós estamos em guerra, precisamos de alguma coerência no que dissemos. Ao contrário, em um tempo de guerra, podemos não ter sucessos, quando começamos a ouvir conversas de que a operação estava no sítio e falhou por causa disto”, disse Nyusi.

Reagindo aos pronunciamentos de Bertolino, Bernardino Rafael, remou em sentido contrário, destacando que “o Conselho Nacional de Defesa e Segurança considerou aqueles que eram insurgentes, aqueles que eram malfeitores, que eram combatidos pela polícia, como terroristas”.

Uma indignação que vai desde os termos aos dados maquiados

Ainda no seu desabafo, o tenente-general Bertolino Capetine denunciou haver todo um esforço para contornar a gravidade do problema de Cabo Delgado desde quando se tratou o fenómeno como uma acção de simples malfeitores.

“Com aquela turbulência toda que vimos e ouvimos, montaram emboscada, atacaram unidades da polícia, o controlo e a unidade que estava mais em direcção a Macomia na região da subestação de Awasse, atacou o comando distrital de Mocimboa, atacou o quartel da guarda fronteira em simultâneo. Dissemos que não há malfeitores, uma declaração também informal com algum secretismo e nalgum momento, o planeamento era feito nas quintas, não quinta-feira, aquela área grande de Machamba, e havia muito protagonismo”, denunciou.

No seu entender, por causa da ausência de declaração de guerra, a actuação do exército é limitada, dando-se mais destaque a PRM, que não está preparada para agir em cenário de guerra.

“Só em Abril de 2020, de uma forma tímida, o Conselho Nacional de Defesa e Segurança assume que Moçambique está a ser agredido, mas não declara guerra, não sei porquê. Mas devia ter declarado, o razoável é declarar guerra naquela região. Quando declaramos guerra, todas as forças militares e paramilitares subordinam-se ao chefe do Estado Maior General e, por sua vez, o chefe de Estado Maior-General só despacha com o Comandante em Chefe, é de lei”, disse, expondo o problema de convivência.

“Mas, hoje, a sociedade pergunta onde anda o chefe de estado-maior general. Só estamos a ver o fulano. Ele só anda por aí. Com que mandato ele vai aparecer?  Quando chegaram alguns países amigos começaram a ouvir a imprensa dos países deles que progrediram e os nossos não falam porquê. Vão falar como, com que base, com que mandato, o povo não quer, ainda está a tomar sopa da madrugada… Consequentemente, tudo o que estamos a fazer é improviso. Mas, também, o povo não pergunta uma coisa simples. Nós quando falamos que abatemos 150 terroristas, no dia seguinte 350, afinal são quantos? Não acabam? É um desafio”, disse.

Bertolino chega a questionar com que base foi solicitado o apoio de países irmãos como SAMIM, Ruanda, entre outros, sem que tenha sido declarado Estado de guerra.

“Se não declaramos a guerra, com que base Moçambique convidou a SAMIM, convidou Ruanda, Tanzânia, que para além de estar na SAMIM tem a presença bilateral. Com que base convidamos a “DAG”, “GAZEL” da rainha inglesa, o grupo russo?. Agora tem-se o novo fenómeno, que se chama a força local”, questiona.

Adiante, o até então general destacou a necessidade de reflectir sobre a capacidade das forças armadas e as lições que podem ser extraídas de situações em outros países. “Não vamos ter situações como no Sudão, onde as forças armadas são menos robustas em relação à força de intervenção? No Líbano, o Hezbollah é mais forte que as forças armadas libanesas. Não corremos esse risco?”, indagou o Vice-Chefe do Estado-Maior General, Bertolino Jeremias Capitine, enfatizando a importância de um planejamento estratégico eficaz.

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