Cuamba: Depressão Tropical Jude, realidades versus aparências e visita presidencial

OPINIÃO

Arão Valoi

Estava em Cuamba, Província do Niassa, norte de Moçambique, quando as chuvas que acompanharam a Depressão Tropical Jude começaram. Rapidamente, a situação ficou descontrolada e as vias intransitáveis. Devia trabalhar com as comunidades dos Postos Administrativos de Lúrio e Mepica, no âmbito da revisão do Plano Local de Adaptação às Mudanças Climáticas, mas por alguns dias isso se tornou impossível, principalmente porque os caudais dos dois principais rios que atravessam a Cidade de Cuamba, nomeadamente, o Namutimbua e o Muanda, aumentaram de forma significativa. A chuva intensa e os ventos fortes que acompanharam a tempestade não só provocaram inundações, como também destruíram casas e arruinaram plantações, afectando directamente a economia local.

Os agricultores, que constituem a maior parte da população, viram-se impotentes diante de um fenómeno natural que, apesar de recorrente, nunca deixa de trazer novas surpresas. Quando o solo se alaga e as colheitas são perdidas, a dor é imediata e profunda. Além da agricultura, Jude afectou também as infraestruturas públicas. Por exemplo, a estrada que liga Nampula e Lichinga, passando por Cuamba, ficou, por alguns dias, intransitável. A apelidada “rota de estrelas”, devido aos desafios de transitabilidade, principalmente em alguns troços no interior de Malema e nos 25 km à entrada da Vila de Cuamba, é uma via fundamental e vital para a economia do norte. Por aí circulam pessoas e bens que fazem pulsar toda a estrutura económica e social das províncias de Nampula e Niassa e até Cabo Delgado. Dados os desafios que a Estrada Nacional Número 13 apresenta, é “normal” e comum ter camiões tombados, autocarros abandonados. É um cenário desolador.

No ano passado, a Administração Nacional de Estradas (ANE) no Niassa prometeu que as obras de conclusão da via, paralisadas há algum tempo, iriam retomar com fundos do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), mas tal promessa nunca saiu do papel. O que se vê é o sofrimento dos automobilistas que se fazem ao local, apesar de esforços para pincelar esta dura realidade, principalmente devido à visita do Presidente da República ao Distrito de Cuamba, agendado para os finais deste mês. Até à minha saída da Cidade de Cuamba, já eram notórios os movimentos de máquinas a fazerem terraplanagem das solavancadas ruas e avenidas de Cuamba, há algum tempo, em estado deplorável. Além das ruas, havia um trabalho de colocação e reparação de candeeiros de iluminação pública, uma engenhoca de última hora para impressionar Daniel Chapo. Esse movimento repentino gera um grande desconforto, pois fica claro que o governo, tanto a nível municipal quanto distrital, tem mais consideração pela presença de um alto dignitário do que pelo bem-estar diário da população.

Esta acção de terraplanagem e arranjos na iluminação pública, que não resolve o problema estrutural das vias, nem de iluminação, mas apenas melhora superficialmente a sua aparência, é vista como uma tentativa de enganar o Presidente da República e tem sido prática na governação do nosso País. Na verdade, é uma atitude que revela uma clara contradição nas prioridades do governo. A visita do Presidente será acompanhada por um aparato logístico sofisticado, com viaturas de alta cilindrada, como as famosas Landcruiser V8, que são ideais para circular em estradas de má qualidade. O Presidente, provavelmente, não sentirá os buracos e os desafios da cidade, pois estará protegido de todas as imperfeições do solo. Aliás, é bem provável que se faça ao distrito através de helicóptero e, se calhar, nem terá a oportunidade de ver o cenário em que se encontram as vias de acesso. Mas, mesmo assim, os remendos, que nunca são feitos para o zé-povinho, continuam. E a pergunta que não quer calar é esta: Onde ficam os residentes que enfrentam os mesmos buracos todos os dias, que precisam de atravessar essas ruas e avenidas degradadas para ir ao trabalho, à escola ou ao hospital, e que pagam impostos regulares sem ver um retorno condizente com as suas necessidades? Para muitos, esta é uma atitude desprezível, que demonstra que, para as autoridades do nosso País, o povo é apenas uma massa anónima que não merece ser tratada com dignidade. As administrações locais e distritais parecem mais preocupadas em manter as aparências para os visitantes importantes do que oferecer soluções duradouras para as dificuldades reais enfrentadas pelos seus cidadãos.

Ao dar mais atenção à visita presidencial do que ao bem-estar da população, as autoridades perdem a oportunidade de investir, de forma eficaz, na melhoria das infraestruturas que servem à base da pirâmide social e para construir a resiliência das comunidades. Além disso, tal como referimos anteriormente, o Município de Cuamba, assim como outras áreas da Província do Niassa, sofreu os impactos da depressão tropical Jude, que causou severos danos às infraestruturas e interrompeu vias de acesso essenciais. Apesar da gravidade da situação, não houve uma acção urgente por parte do governo para restabelecer essas vias e garantir a mobilidade dos cidadãos, além de uma movimentação estilosa dos quadros da ANE.

A falta de uma resposta eficaz à crise agravou ainda mais a frustração da população, que se vê abandonada, tanto nas emergências, quanto na vida quotidiana. Diante dessa realidade, é impossível não questionar o compromisso do governo com o desenvolvimento real das suas cidades e com a melhoria das condições de vida da população. Se o governo tem a capacidade de realizar intervenções superficiais para agradar a uma visita de alto nível, por que não aplica os mesmos esforços para resolver problemas estruturais que afectam directamente a vida das pessoas? Por que se dá prioridade a soluções temporárias e superficiais, em vez de investir em projectos que realmente resolvam os problemas de infraestrutura? São estas e outras manobras que devem merecer a atenção do nosso Presidente Daniel Chapo, para que “façamos as coisas de forma diferente”, tal como ele disse na tomada de posse. A verdadeira força de uma nação reside no seu povo e é para ele que devemos trabalhar.

Aos altos dignitários do nosso País, devemos mostrar os desafios da governação descentralizada, que sem fundos não se pode mover mundos. Eles precisam de saber a nossa realidade. Tapar o sol com a peneira nunca funcionou, sobretudo considerando que o povo, mais do que nunca, está activo e participa, ferozmente, na vida política do País. Por isso, é essencial que o governo comece a priorizar as necessidades reais do povo de Cuamba e de toda a Província do Niassa, melhorando as infraestruturas, como as ruas e estradas, e proporcionando condições adequadas para o desenvolvimento económico e social das comunidades. Enquanto isso não acontecer, a população continuará a sofrer, e o governo continuará a perder a confiança daqueles que mais necessitam da sua ajuda.

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Nota: Enquanto Moatize chora, pelo paradoxo da pobreza e poluição ambiental num contexto de exploração de recursos minerais, como carvão, por parte de empresas como a Vulcan Resources, Cuamba fica a assistir, na sua desgraça, a passagem da Dash 9, o comboio que carrega o carvão de Moatize até ao Terminal Portuário de Nacala-a-Velha, num troço de 912 km, que também passa por Malawi. Ver os 120 vagões cheios daquele minério a cortar partes do nosso País, cujo denominador comum é a pobreza, é um misto de sentimentos. Se por um lado, somos referência mundial na produção de carvão mineral, por outro lado temos o desafio de transformar essa referência em algo que é benéfico para as nossas comunidades.

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