O que resta da firma que prometia segurança marítima a Moçambique?

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  • ProIndicus, S.A.: entre o sigilo de Estado e o peso das dívidas

 Durante anos, a ProIndicus operou como um dos rostos visíveis, e simultaneamente invisíveis, do Estado securitário moçambicano. Criada com o propósito de proteger as águas territoriais contra ameaças externas, tornou-se o epicentro de um dos maiores escândalos financeiros da África Austral. Hoje, 10 anos depois das dívidas ocultas, resta pouco mais do que dívidas, silêncios e bens dispersos sem rumo nem destino. Apesar de ter sido um veículo de Estado, a ProIndicus nunca prestou contas formais ao parlamento nem publicou relatórios auditados de forma sistemática. Os seus gestores, muitos dos quais ligados aos serviços de segurança, operavam sob sigilo institucional. Hoje, não há um responsável formal identificado como CEO ou administrador. Os números de telefone disponíveis não atendem. O site institucional foi desactivado.

Evidências

A ProIndicus, S.A. foi constituída em 2012 com capital misto e controlo operacional por órgãos do Estado. Os principais accionistas eram Monte Binga  (empresa do Ministério da Defesa Nacional) e o GIPS (do SISE – Serviços de Informação e Segurança do Estado)

A sua missão formal: proteger as zonas económicas exclusivas, fiscalizar as rotas de gás natural, prevenir pirataria marítima e fornecer serviços de vigilância costeira a parceiros privados.

Com esse argumento, o governo da época recorreu a bancos internacionais — Credit Suisse e VTB da Rússia — para contrair empréstimos com garantias soberanas no valor de cerca de 722 milhões de dólares americanos, sem o conhecimento nem aprovação da Assembleia da República.

Segundo a auditoria forense conduzida pela Kroll e entregue à Procuradoria-Geral da República em 2017, a ProIndicus utilizou os fundos para adquirir navios patrulheiros; radares costeiros; drones de vigilância; centros de comando móvel; e software militar de monitoria.

A maior parte dos contratos de fornecimento foram assinados com a empresa Privinvest, com sede em Abu Dhabi, através de empresas associadas como a Logistics International.

Contudo, não há clareza sobre onde anda parte substancial dos equipamentos, enquanto outros foram atribuídos sem rastreio a entidades não identificadas. Muitos dos radares nunca chegaram a operar, e parte das embarcações estão inoperacionais há anos, encostadas em Maputo e Pemba, com manutenção inviável.

Em 2016, a revelação das garantias escondidas pela ProIndicus, EMATUM e MAM (Mozambique Asset Management) levou à suspensão de apoios internacionais ao Orçamento de Estado, à desvalorização abrupta do metical e ao colapso da confiança internacional em Moçambique.

O Conselho Constitucional declarou as dívidas inconstitucionais e ilegais, por não observarem o artigo 179.º da Constituição da República, que obriga à autorização parlamentar para qualquer encargo do Estado com impacto orçamental.

Apesar disso, Moçambique foi forçado a renegociar parte das dívidas com os credores, resultando em pagamentos prolongados até 2031, agravando o endividamento público e restringindo a capacidade de investimento do país.

 A morte silenciosa da ProIndicus

Desde 2018, a ProIndicus entrou numa espiral de inactividade, marcada por extinção ou desmobilização dos departamentos operacionais; ausência de relatórios financeiros publicados; dispersão de bens móveis e imóveis; demissão silenciosa de quadros médios e superiores.

Tais decisões demonstram que a gestão de activos passou a ser feita de forma administrativa, sem plano de liquidação ou reestruturação empresarial.

Apesar de ter sido um veículo de Estado, a ProIndicus nunca prestou contas formais ao parlamento nem publicou relatórios auditados de forma sistemática. Os seus gestores, muitos dos quais ligados aos serviços de segurança, operavam sob sigilo institucional.

Hoje, não há um responsável formal identificado como CEO ou administrador. Os números de telefone disponíveis não atendem. O site institucional foi desactivado.

No entanto, os credores chegaram a acordo com o Estado moçambicano, e a dívida da ProIndicus consta como contingente nos relatórios do Ministério das Finanças, afectando os ratings de crédito soberano.

A poucos meses do julgamento do recurso no Reino Unido entre Moçambique e os remanescentes do caso Credit Suisse–Privinvest, várias figuras nacionais envolvidas no escândalo mantêm o silêncio. Nenhum relatório oficial foi publicado desde o encerramento do processo judicial nacional.

Activistas e juristas têm apelado à necessidade de liquidação formal da empresa, responsabilização patrimonial dos gestores e recuperação de activos.

O legado da ProIndicus: quando o segredo mata a soberania

A ProIndicus não é apenas uma empresa. É um símbolo de como o Estado moçambicano foi capturado por redes de interesses paralelos. Ela mostra como o sigilo de Estado foi usado para proteger negócios obscuros, comprometer as finanças públicas e desmobilizar os mecanismos normais de controlo democrático. Hoje, não há segurança marítima, não há frota visível, não há relatórios. Há, apenas, dívidas por pagar, bens sem destino e silêncio institucional.

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