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Procurando transportes viáveis

Luca Bussotti

Uma das maiores dores de cabeça, para qualquer moçambicano, é o transporte. Sempre foi assim, e a situação está a dar sinais de degradação ao longo dos últimos anos. Isto é verdade, para qualquer tipo de transporte (via terra, mas e ar), assim como para pessoas e mercadorias.

Sem querer entrar em querelas já abordadas por parte de vários comentadores a volta do transporte urbano (chapa sem condições de segurança, ruas perigosas por falta de manutenção, aumento do preço do chapa, assim como, na região de Maputo, portagens para ir e voltar de Matola e Marracuene), é interessante reflectir sobre o transporte marítimo e aéreo. Dois meios de comunicação de médio-longo alcance, de que não se tem falado muito, mas que versam numa situação lastimável, embora com características diferentes.

Na realidade moçambicana, o transporte aéreo constitui uma alternativa por vezes necessária ao transporte terrestre, pelo menos para viagens de um canto para outro do país. Com efeito, se é verdade que existem autocarros que fazem rotas longas, tipo Maputo-Nampula, é também verdade que viagens dessa natureza são extremamente desconfortáveis e perigosas, como o elevado número de acidentes e de vítimas demonstra. É óbvio que, para quem não tiver alternativas, esta é a única forma de alcançar o seu destino, entretanto algo de diferente podia ser feito. Acima de tudo, o elemento que tornou acessível, no resto do mundo, o transporte aéreo foi a concorrência. Imensas companhias principalmente low-cost penetraram no mercado europeu, asiático e americano, com a vantagem de disponibilizar passagens aéreas extremamente baratas para qualquer tipo de passageiro. No espaço aéreo moçambicano este fenómeno não se tem verificado, a não ser num curto lapso de tempo (aproximadamente desde 2018 até 2021), com tímidas aberturas a companhias estrangeiras, tais como a Ethiopian Airways, que voou dentro de Moçambique, iniciando a constituir uma primeira forma de concorrência à LAM. Com a pandemia, porém, a Ethiopian suspendeu os voos internos, repropondo-se assim o habitual monopólio da LAM. Um monopólio que – seja dito – deveria trazer dividendos chorudos, pois operar sem concorrência, e com custos proibitivos das passagens de aviões quase sempre cheios seria a situação ideal, que todas as companhias gostariam de viver… Mas isto não se verificou. Hoje, a LAM está numa condição de falência técnica, não possui – segundo as informações publicadas por vários órgãos de informação – aviões próprios, dependendo de dois Boeing 373 e dois Q400 alugados, com pilotos e outro pessoal de bordo a ser pago sem poder trabalhar. Diante deste quadro sombrio, o Estado moçambicano vai ter que injectar cada vez mais dinheiro para garantir a sobrevivência desta companhia, sem procurar as causas (e tomar as providências necessárias) para sair deste buraco. Até quando é preciso se perguntar?

Se o céu parece uma alternativa de momento pouco praticável em termos de transporte, o mar o é também. O transporte marítimo tem a ver, para Moçambique, principalmente, com mercadorias, mais do que com passageiros. O transporte de carga tem-se demonstrado um dos business mais rentáveis na pandemia e no pós-pandemia, a nível internacional. As grandes companhias de tranship têm aumentado seus lucros, ao longo dos dois últimos anos, de 900%, (com lucros anuais de 150 mil milhões de dólares), ditando o preço deste tipo de transporte, e causando dificuldades significativas aos médios e pequenos operadores, como tem demonstrado a recente reunião da UNCTAD que envolveu vários países africanos. Neste caso também, apesar de uma aparente concorrência, um dos problemas maiores são os grandes oligopólios que se formaram sobretudo durante a pandemia: 10 companhias controlam 85% do mercado marítimo mundial, deixando as migalhas aos outros.

Moçambique, que também está dentro desses processos globais, goza porém de uma situação relativamente privilegiada: assim como no caso do transporte aéreo, o relativo isolamento e a remuneração não muito elevada do tráfico doméstico criaram um monopólio natural, que poderia ser aproveitado, inclusivamente graças a uma costa de mais de 2000 quilómetros e à presença de pelo menos cinco portos importantes, espalhados para todo o país. As potencialidades, portanto, são evidentes, e a política deveria saber aproveitá-las, com uma estratégia bem pensada e tecnicamente sustentável. Ademais, assim como céu, o mar não precisa de manutenção, mas sim de segurança e de mudança de hábito: e estão sendo estes dois elementos, segundo quanto declarou numa entrevista ao País Económico o Director da Sociedade Moçambicana de Cabotagem, Luís de Carvalho, que determinaram dificuldades crescentes no incipiente transporte marítimo moçambicano. Em termos de segurança, a suspensão do investimento de gás por parte da Total em Afungi obrigou a Sociedade Moçambicana de Cabotagem a abandonar o projecto chamado de Project-cargo, que se baseava, em larga medida, num porta-contentores de grandes dimensões, chamado de Greta, que transportava muita mercadoria para suportar a actividade de exploração de gás em Afungi, à pedido da Total. Antes da suspensão desta actividade e a consequente demissão do Greta, o cargo ocupado – segundo relata Luís de Carvalho – nunca tinha ultrapassado 15% das suas potencialidades, o que tornava insustentável este tipo de transporte, mesmo antes dos constrangimentos derivantes do conflito no Norte do país. Este é um óptimo (e triste) exemplo de resistência à mudança de hábito do transporte terrestre para o marítimo: nestas condições o governo deveria ter adoptado medidas extraordinárias para incentivar, por parte dos privados, o uso da carga via marítima, iniciando o processo de transição terra-mar da carga transportada. Uma vez que isso não foi feito, o projecto foi abaixo, deixando, por enquanto, apenas dois meios operacionais de menores capacidades, que fazem a rota Nacala-Pemba-Afungi. De momento, as ligações cargo Maputo-Beira-Nacala foram interrompidas, ou seja, o eixo principal do transporte de todo o país não está operacional. Não resta dúvidas de que, sem uma acção eficaz, contínua e com incentivos económicos significativos por parte do governo aos privados, pelo menos nesta primeira fase, o transporte marítimo continuará a ser uma cinderela em relação ao transporte terrestre, apesar de suas potencialidades enormes.

Diante deste quadro, onde existem dificuldades objectivas, o que está em falta é uma estratégia governamental bem acertada: se é verdade, segundo dados oficiais que, diante da situação acima descrita, o porto de Maputo, em 2021, viu um crescimento de 21% das suas operações com relação a 2020, e a nível nacional o aumento foi de 18%, isto significa que as potencialidades existem, e que chegou o momento de apostar no transporte interno de carga, complementando assim o espontâneo crescimento determinado do abrandamento da pandemia e, portanto, das condições internacionais mais favoráveis.

O futuro dos transportes, passageiros e cargo, em Moçambique passa necessariamente para o desenvolvimento dos eixos mar e ar. Continuar a privilegiar o meio terrestre significa condenar o país, e seus cidadãos, a ter um transporte ineficiente, caro e perigoso.

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