Terroristas infiltram-se no quartel e atacam de dentro para fora

DESTAQUE POLÍTICA
  • De marginalização de militares à traições que persistem
  • Há várias baixas, incluindo o capitão de fuzileiros Navais
  • Novos ataques acontecem num contexto em que foi reduzida alimentação de militares
  • Militares continuam a receber abaixo do salário mínimo, o que facilita traições

No passado dia 07 do mês em curso, os terroristas atacaram uma posição dos Fuzileiros Navais que estava estacionada no Posto Administrativo de Quiterajo, em Macomia, depois de infiltrarem-se no grupo, um dia antes, quando se apresentaram como grupo de reforço. O resultado do ataque, que começou da base das Forças de Defesa e Segurança (FDS) para fora, culminou com a morte, entre outros, do chefe-Estado Maior do Batalhão de Fuzileiros em Maringanhe, Carlos Francisco, cujo corpo foi encontrado sem cabeça e seu uniforme sem patentes. Os terroristas, em seus ataques esporádicos, voltam a expor fragilidades das Forças de Defesa e Segurança, incluindo traições, para além de conhecidas fragilidades de logística, numa altura em que há relatos de redução da quantidade de alimentos.

Como já o haviam feito antes, os terroristas chegaram à posição dos Fuzileiros Navais na noite de sexta-feira (06), bem equipados e com uniforme “novo”, igual ao de militares que se encontravam na base, tendo se apresentado como colegas de reforço. Junto de novos colegas, os insurgentes jantaram e partilharam momentos com os fuzileiros, mas bastou a madrugada chegar para começarem os disparos.

Não é a primeira vez que os insurgentes se infiltram nas Forças de Defesa e Segurança e atacam de dentro para fora, usando para efeito guias falsas, mas contendo todos os elementos usados nas FADM. Outro detalhe é que dominam os códigos e disciplina das FADM, o que volta a fazer soar os alarmes sobre o envolvimento de altas patentes do exército no terrorismo.

Os números exactos das baixas do lado das Forças de Defesa e Segurança continuam desconhecidos e do lado dos insurgentes nenhuma baixa foi comentada. O Estado Islâmico (EI), que recorreu aos seus canais habituais de informação, na segunda-feira (09,) para reivindicar o ataque, falou de três soldados das FDS mortos.

Entre os abatidos pelos terroristas consta o responsável do batalhão de Fuzileiros, o capitão da fragata, Carlos Francisco, que exercia funções de Chefe de Estado Maior do batalhão de fuzileiros de Maringanhe, em Pemba.

Apesar de ter havido uma drástica redução dos ataques terroristas, os distritos de Macomia e Nangade continuam a registar um fluxo considerável de incursões dos terroristas, que tem sido expelido pelas forças internas e estrangeiras.

Na semana passada, o comandante provincial da Polícia da República de Moçambique em Cabo Delgado, Vicente Chicote, retratou um quadro triunfalista ao afirmar que “o combate ao terrorismo continua, mas continuamos a batalhar para os últimos redutos do inimigo, que neste momento localizam-se no distrito de Macomia e um pequeno círculo que anda aos arredores de Nangade”. Como tem sido tradicional, não fez quase nenhuma referência aos efeitos do ataque onde morreram os seus colegas das FDS.

Falando no lançamento das comemorações dos 47 anos da criação da Polícia da República de Moçambique, que se assinala no próximo dia 17 de Maio, disse, no entanto, que, além do combate armado, a corporação está a desenvolver acções com vista a eliminação das fontes de sobrevivência dos supostos terroristas.

“Nestes últimos dias, a alimentação básica dos terroristas é a mandioca que conseguem obter nas machambas abandonadas das aldeias Quinto Congresso, Nova Zambézia, Chai e lá para interior, por isso estamos a fazer todo esforço para deixar o grupo sufocado pela fome. Mas também trabalhar para cortar as fontes de informação, de modo a limitar a sua fuga para outros pontos da província”, disse Vicente Chicote.

Militares continuam a receber abaixo do salário mínimo

O sucesso dos terroristas nas suas incursões que duram desde 2017, que conheceu a redução depois da intervenção externa, foi sempre relacionado com o fraco desempenho das FDS, que apesar de estarem na linha de frente no combate à insurgência estão no sector que em termos práticos, mesmo com o discurso de reestruturação na Defesa, não tem conhecido dias melhores.

Recentemente, os departamentos que garantem a logística alimentar para os militares foram instruídos para diminuir gramas de alimentação. A ordem criou mal-estar no seio de militares que têm visto seus colegas estrangeiros com logística alimentar diversificada e abastada.

Um outro indicador que influencia no moral dos militares tem a ver com os honorários. Na última actualização, em Abril, o Conselho de Ministros fixou o salário mínimo em 4.591, no sector mais baixo, que é o pesqueiro. Criou-se a percepção de que este é o salário mais baixo em Moçambique, o que não é verdade.

Na Defesa, por exemplo, os soldados rasos, graduados a menos de dois anos, recebem 3500 meticais por mês, e dois anos depois de funções é que passam a receber 4260 meticais, o que continua abaixo do salário mínimo. Esse valor pode vigorar décadas se um militar não tiver a sorte de ser promovido.

Essa situação tem estado a desmoralizar as FDS. A situação na defesa é tão crítica que esses militares que recebem muito abaixo do salário mínimo lutam para ir a Cabo Delgado para terem a chance de melhorar a sua condição salarial através do subsídio de empenhamento. Já houve casos de jovens militares que desertaram e se juntaram aos insurgentes, que pagam bem melhor que o Estado.

O Evidências não conseguiu apurar de Ruanda que seria uma boa referência para comparação e relacionar o desempenho. Mas em Botswana, por exemplo, o salário de um militar recém-graduado (designado B2) é de 3372 Pula por mês, equivalente a 16 860 meticais (1 Pula está para cinco meticais) e 4044 Pula para a segunda categoria, equivalente a 20 220 meticais.

Enquanto na África do Sul, o salário de um militar está 9% acima da média nacional. O investimento na Defesa, a começar por uma gestão não marginalizada de militares, pode ser decisivo para que Moçambique consiga expurgar os insurgentes sem precisar da intervenção militar estrangeira.

Em conversa com um dos militares, este explicou que o que distingue as FDS nacionais da força ruandesa, por exemplo, não são as capacidades operativas, mas os meios: “Eles usam drones, identificam os insurgentes e depois vamos juntos, já sabendo da posição do inimigo, às vezes somos nós que vamos e abatemos o inimigo”, disse clarificando.

O apelo do CNDS

O Conselho Nacional de Defesa e Segurança (CNDS) orientou, semana passada, as forças de DFS a intensificarem as operações para erradicar todas as ameaças terroristas na província de Cabo Delgado, no norte do país.

“O CNDS encorajou as Forças de Defesa e Segurança a intensificarem as acções combativas, visando erradicar todas as ameaças terroristas, factor preponderante para o desenvolvimento das zonas afetadas e do país em geral”, refere uma nota da Presidência da República, emitida após a 9.ª reunião ordinária do órgão em Maputo.

Segundo a nota, o Conselho Nacional de Defesa e Segurança reconhece os esforços que estão a ser desenvolvidos no terreno pelas forças moçambicanas, que conta também com a ajuda de países-membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e do Ruanda.

“O órgão saudou os esforços das Forças de Defesa e Segurança e de seus parceiros internacionais pela consolidação da segurança nos distritos afectados pelas ações terroristas na província de Cabo Delgado, facto que tem contribuído para o retorno progressivo das populações às zonas de origem”, acrescenta-se no comunicado.

Por outro lado, o CNDS pede que as autoridades acelerem as atividades para a restituição dos serviços básicos em pontos conquistados, condição para um regresso “condigno” das populações que fugiram dos distritos afetados pelo conflito.

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