- Após congelamento, economistas alertam sobre o risco de insustentabilidade
- Nyusi diz que não vai ser fácil corrigir “erros” e pede calma aos funcionários
- Médicos já ameaçavam greve e professores andavam com nervos à flor da pele
- CC, Tribunal Supremo, Tribunal Administrativo e PGR alertaram o governo
Na sequência do descontentamento generalizado causado por graves erros nos cálculos dos salários dos Funcionários e Agentes do Estado (FAE), como, de resto, alertou o Evidências na sua última edição, o Governo decidiu, na passada terça-feira, in extremis, “congelar” a entrada em vigor da tão esperada Tabela Salarial Única (TSU), mas não fala de nenhuma responsabilização da comissão técnica que errou de forma crassa a equação, prejudicando milhares de pessoas. Evidências apurou que houve intervenção de alguns órgãos de soberania, nomeadamente: Conselho Constitucional (CC), Tribunal Supremo, Tribunal Administrativo, incluindo a Procuradoria-Geral da República (PGR), que alertaram o Executivo para a desconformidade da norma, numa altura em que diversos grupos profissionais ameaçavam manifestar-se e alguns avançavam a possibilidade de uma providência cautelar. Mas fora aos erros, há outros desafios que ameaçam a reforma salarial e inclusive a economia do país. A Associação Moçambicana de Economistas (AMECON) entende que, com um impacto esperado de 13% a 19% no Produto Interno Bruto, existe risco de insustentabilidade, num país como Moçambique, cuja base produtiva é bastante fraca.
Evidências
O anúncio do congelamento da TSU caiu como um golpe às aspirações de milhares de funcionários públicos, mas também um alívio a grande parte dos que se achavam injustiçados por terem sido enquadrados em níveis salariais abaixo das suas expectativas. O Governo decidiu adiar parcialmente a entrada em vigor da TSU por terem sido detectados graves erros que deverão ser corrigidos.
Assim, apenas os pouco mais de 21 mil funcionários públicos abrangidos pelo nível 1, ou seja, o salário mínimo, é que receberão os seus salários actualizados em função da TSU, este mês. Os restantes, incluindo dirigentes, vão receber o ordenado referente ao mês de Julho na base das tabelas anteriores.
“Algumas das correcções só podem ser resolvidas com articulação entre o Governo e outras instituições de soberania. Entretanto, uma vez que a Lei já está em vigor, vamos prosseguir com o pagamento de salários relativo ao mês de Julho a todos os funcionários que já tem a situação regularizada, tomando como prioridade os funcionários enquadrados no nível salarial 01, no caso o salário mínimo, que no quadro deste processo foi duplicado, uma vez que a fixação desta base não toma em conta os critérios de idade e tempo de carreira”, sublinhou.
No entanto, o Governo assegura que no mês seguinte, supridas as irregularidades, os funcionários e agentes do Estado poderão finalmente receber o seu salário actualizado na base da TSU. A boa nova é que vem com retroactivo referente ao mês anterior, tal como garantiu o ministro da Economia e Finanças, Max Tonela.
“Este levantamento das situações de constatação, para além da articulação com as comissões que tem a missão de fazer o acompanhamento do enquadramento, resulta também da interacção com vários grupos profissionais”, esclareceu Max Tonela.
Entretanto, Evidências apurou que os principais órgãos de soberania, nomeadamente: Conselho Constitucional (CC), Tribunal Supremo, Tribunal Administrativo, incluindo a Procuradoria Geral da República (PGR), foram fundamentais ao alertar o Governo para as desconformidades da norma.
Médicos chegaram a ameaçar entrar em greve
Refira-se que desde que foi anunciada, a Tabela Salarial Única transformou-se num verdadeiro TSU(nami) e não havia consenso no seio dos Funcionários e Agentes de Estado (FAE). Os professores já começavam a se mobilizar para formalizar as reclamações, enquanto os médicos, ao seu estilo, já ameaçavam entrar em greve.
Segundo a Ordem dos Médicos de Moçambique, não faz nenhum sentido um especialista e um clínico geral receberem o mesmo salário, e quem trabalha numa zona distante da cidade ganhe o mesmo salário que aquele que não precisa de fazer nenhuma deslocação. Isso acontece numa altura em que os médicos especialistas estão a abandonar o Sistema Nacional de Saúde, para trabalhar nas unidades sanitárias privadas.
Quando foi anunciada a TSU, era esperada com muita expectativa pelos FAE, vista como oportunidade para aumentar os seus ordenados, mas no fim descobriu-se que nem todos vão sorrir. Uma parte considerável dos FAE calhou num nível salarial abaixo do actual e só irá manter os ordenados actuais graças ao subsídio de ajustamento previsto na Lei.
Mas o descontentamento não pára por aí. Há uma excessiva valorização dos anos de carreira, em detrimento do nível académico, de tal forma em que entre dois licenciados exercendo as mesmas funções e diferindo apenas no tempo de serviço podia ter uma diferença salarial de até 100 por cento, o que deixou muitos com os nervos à flor da pele.
Das interpretações que surgem a partir da simulação aventava-se a possibilidade de um simples servente ou guarda, com consideráveis anos de serviço, vir a concorrer, em termos salariais, com um licenciado ainda no início da carreira, o que era visto como um desincentivo aos FAE de dar seguimento aos seus estudos.
PR pede calma aos funcionários públicos e diz que não vai ser fácil corrigir “erros”
O Presidente da República, Filipe Nyusi, falando num evento público, dias depois do anúncio da suspensão da entrada em vigor da Tabela Salarial Única, pediu calma aos moçambicanos e reconheceu que não será fácil corrigir incongruências da TSU, no entanto, garantiu que o governo não irá desistir e todos terão seus salários.
“A Tabela Salarial única não veio como solução do custo de vida. É um processo que iniciou no ano passado e só terminou agora por coincidência. Para os funcionários, não entrem em pânico, porque ninguém ficará sem salário”, assegurou Filipe Nyusi.
Sem falar de nenhuma responsabilização de quem elevou a fasquia do descrédito popular em relação aos projectos do actual governo ao errar de forma crassa os números da equação que compõe a TSU, Filipe Nyusi destacou que há necessidade de corrigir as variáveis.
“O governo não quis que algumas incongruências que existiram no passado voltem a ocorrer, e eu chamei atenção quando lançamos, que não é um produto acabado, vai ser aperfeiçoado. O importante é a intenção e o impacto que vai ter nas nossas vidas”, sublinha.
Entretanto, a Associação Moçambicana dos Juízes defende o envolvimento de todos os sectores na correcção das inconformidades, apontando como erro do governo o facto de não ter partilhado a tabela antes de ser aprovada.
“A tabela não foi satisfatória e não correspondeu às expectativas. Eu não vou falar dos números, falo de todo o processo que culminou com a sua aprovação. Nós temos que assumir que em qualquer actividade, e tendo em conta a profundidade das matérias, compreende-se que tenham havido algumas imperfeições. O Ministério das Finanças devia ter socializado mais o documento e envolvido mais instituições para o seu aprimoramento”, destacou.
Economistas alertam sobre o risco de insustentabilidade
A Associação Moçambicana de Economistas (AMECON) entende que com um impacto esperado de 13% a 19% no Produto Interno Bruto, sem uma análise clara e projecções consistentes, existe risco de insustentabilidade da Tabela Salarial Única (TSU) num país como Moçambique, cuja base produtiva é bastante fraca.
Os economistas dizem que abraçam a ideia de harmonização do salário na Administração Pública. Contudo, defendem que a TSU seja definida de acordo com os indicadores e peso analisados caso a caso, de forma a garantir uma justiça salarial no seio da função pública, tendo em conta que, na situação em que a TSU foi aprovada, há potenciais riscos de desequilíbrios e desincentivo entre os funcionários públicos e agentes do Estado, o que não é desejável.
No comunicado emitido esta quinta-feira, os economistas da EMECON reconhecem a necessidade do recuo na implementação da TSU, “não obstante lamentar o facto deste acontecer depois da aprovação, promulgação e publicação no Boletim da República, no dia 14 de Fevereiro de 2022, cuja entrada em vigor foi definida para 120 dias após a referida publicação, isto é, no dia 14 de Junho de 2022”.
Porém, afirmam que os adiamentos se têm mostrado sucessivos e colidentes com as justas expectativas dos funcionários e agentes do Estado, colocando-os diante de um adiamento que compromete escolhas e expectativas há mais de 60 dias.
“É em face desta situação que a AMECON propõe às autoridades governamentais um diálogo aberto e inclusivo sobre a TSU e demais legislação, e que o mesmo envolva os vários sectores e actores, com particular destaque para as ordens e associações socioprofissionais”, lê-se no documento da associação.
Nesta senda, a AMECON diz que se disponibiliza a prestar suporte técnico ao Governo de Moçambique no processo de revisão, de modo a salvaguardar a justiça salarial na função pública e a sustentabilidade da nossa economia.

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