- Há angariadores de “corpos” no Hospital Provincial de Maputo?
- Cidadãos denunciam que os funcionários se oferecem para “cuidar” dos pacientes
- “Há agências funerárias que sujam o sector”, denuncia Rosinha, dona de uma agência funerária
“O nosso maior valor é a vida”, assim diz o slogan do Ministério da Saúde, mas no Hospital Provincial da Matola há relatos de profissionais de saúde que trabalham em conexão com as agências funerárias com o claro propósito de angariar clientes depois dos óbitos, havendo também relatos de que através destas conexões os agentes das agências funerárias tem acesso às enfermarias, se oferecem para ajudar a cuidar dos doentes nos períodos em que os cuidadores se ausentarem, sobretudo quando os pacientes se apresentam em fase terminal. Acompanhantes de doentes denunciam terem sido abordados com tão inusitadas ofertas de ajuda que acreditam ter em vista marcar os pacientes para a morte. Contactada pelo Evidências, a Direcção Provincial da Saúde, na província de Maputo, prometeu fazer uma investigação para posteriormente se pronunciar sobre o modus operandi dos agentes funerários na maior unidade sanitária da Província de Maputo.
Duarte Sitoe
A morte é significado de luto, dor e consternação para muitas famílias, mas significa lucro para as agências funerárias. No Hospital Provincial da Matola, segundo denúncias de algumas vítimas, os funcionários das agências funerárias adoptaram um novo paradigma, ou seja, ao invés de esperar pela morte do doente, começam a promover os seus serviços ainda em vida.
Aliás, segundo relataram algumas fontes ao Evidências, angariadores ligados a algumas funerárias chegam a fazer plantão nos corredores e enfermarias do maior hospital de referência da província de Maputo e “se oferecem para cuidarem do doente (internado) e dias depois o mesmo perde a vida em circunstâncias estranhas”.
Margarida Alfeu (nome fictício) teve o marido internado na maior unidade sanitária da Província de Maputo em Novembro do corrente e conta que ficou espantada quando foi interpelada por uma funcionária de uma agência funerária a se oferecer para cuidar do marido na ausência da mesma.
“Para mim, aquilo foi um verdadeiro apocalipse. Fiquei sem palavras porque se tratava de uma funcionária de uma agência funerária que se oferecia para cuidar do meu marido ainda em vida na minha ausência. Ela me perguntou o nome e o número do quarto, mas não cheguei de dar porque sabia que não era para uma boa causa. Já ouvi alguns rumores sobre o que acontece no Hospital Provincial da Matola, por isso tive a certeza que aquilo seria a assinatura de uma autêntica declaração de morte”, relatou a vítima.
Alfeu conta que chegou a temer pela vida do marido, uma vez que o mesmo estava em estado greve. Contudo, contra todas as expectativas, saiu do Hospital Provincial da Matola com os seus próprios pés.
“O meu marido estava gravemente doente, não andava e a família já estava preparada para o pior, mas felizmente ele respondeu positivamente à medicação e saiu do hospital com os seus próprios pés. Baseando-me no que vi com os meus próprios olhos não recomendaria o Hospital Provincial da Matola a ninguém. É um grande hospital, mas tem cheiro de morte. Pude perceber que há alguns funcionários que trabalham em conexão com as agências funerárias. Pedimos a quem de direito para colocar um travão nesse esquema que visa ceifar vidas de inocentes”, denunciou.
Quando o mesmo rosto que oferece ajuda é o mesmo que traz catálogos de caixões
Samuel Matusse olhava para o Hospital Provincial da Matola como porto seguro em caso de doença, mas, recentemente, viu-se obrigado a mudar de ideias pelo que viu e presenciou naquela unidade sanitária.
A fonte conta que foi abordado por suposto funcionário da agência que funerária, que disse que conhecia alguns enfermeiros do hospital que podiam oferecer um tratamento diferenciado ao seu familiar.
“Quando temos um familiar doente procuramos todas as soluções possíveis para o bem do mesmo. Sabemos como funciona o nosso Sistema Nacional de Saúde e para evitar alguns constrangimentos somos obrigados a pagar por alguns serviços que por norma são gratuitos. A minha mãe estava doente e quando ouvi que podiam cuidar dela foi uma lufada de ar fresco porque alguém podia ficar a cuidar dela em troca de valores monetários”, disse.
Volvidos três dias depois ter anuído a proposta que lhe fora colocada pelo agente da agência, o arrependimento tomou a conta do Matusse porque a mãe viria a perder a vida e o mesmo agente que se prontificou a cuidar da mãe ofereceu-lhe um catálogo com imagens de urnas e os respectivos preços.
“No início olhei para a proposta que me foi oferecida com bons olhos, mas depois percebi que se tratava de um esquema para angariar clientes para as agências funerárias. A minha mãe perdeu a vida num momento em estava a mostrar sinais de melhorias e isso me inquietou bastante. Depois de tudo percebi que a pessoa que disse que podia arranjar um enfermeiro para cuidar dela era um agente da morte. É triste o que está a acontecer naquele hospital. As pessoas já não valorizam a vida humana e fazem tudo para tira-la em nome de dinheiro”, disse Samuel Matusse, para depois apontar o dedo ao Governo.
“O nosso Sistema de Saúde continua uma lastima e o Governo recusa-se a melhorar as condições da classe médica. O ser humano é ambicioso de natureza e, por isso, alguns médicos ou enfermeiros acabam trabalhando com as agências funerárias. Alguma coisa deve mudar, o Governo deve agir para mudar este triste cenário que tem se assistido nos diversos hospitais espalhados pelo país”, desabafou,
“Há agências funerárias que sujam o sector”
As agências funerárias foram criadas com proposito de ajudar os cidadãos no momento mais difícil da sua vida. Assim entende uma proprietária de uma agência funerária que preferiu se identificar pelo nome de Rosinha. Entretanto, num mercado cada vez mais competitivo, Rosinha reconhece que há pessoas que desvirtuaram o conceito das agências funerárias por causa de dinheiro.
“Não é fácil abrir uma agência funerária em Moçambique por estar ligada a morte. Quando abracei esse negócio fui descriminada no seio da minha família e na sociedade, mas, para além da vertente económica, abracei esse negócio com proposito de ajudar o próximo. É triste saber que há agências funerárias que trabalham com alguns hospitais para angariarem clientes. Essas agências estão a sujar o nosso sector na sociedade”, reconheceu.
Rosinha observa que o Governo deve rever urgentemente algumas normas que regem aquela actividade no país, para salvaguardar a moral e ética que por vezes são deixados para traz.
“A nossa actividade não pode interferir no funcionamento dos hospitais. Porém, não é o que tem acontecido. Há agentes funerários que fazem propaganda dos seus serviços na porta dos hospitais. Sabemos que somos sujos perante a sociedade, mas o Governo deve urgentemente rever algumas normas que regulam as nossas actividades. Há pessoas de má fé que fazem esquemas com os médicos por causa de dinheiro. Felizmente, nunca abracei esquemas para angariar clientes. É triste assistir ao que está a acontecer no Hospital Provincial da Matola”, alerta.
Nas entrelinhas, a nossa interlocutora observa que o Governo devia tirar todos os funcionários das agências funerárias nos hospitais com vista a acabar com os esquemas que mancham o nome do sector.
“Cada agência funerária tem a sua sede e sucursais. Ao meu ver, o Governo devia tirar os funcionários das agências funerárias que se instalaram nas morgues. É deveras frustrante ver pessoas a discutirem por um cadáver porque foi o Y ou X que recebeu pessoa aquando da deposição do corpo. Não podemos continuar assim, cada qual deve ficar no seu escritório à espera dos clientes, ao invés de promover os serviços nas portas dos hospitais”, denunciou.
Direcção Provincial da saúde promete investigar
Contactado pelo Evidências, a direcção provincial da Saúde, na província de Maputo, prometeu fazer uma investigação para posteriormente se pronunciar sobre o modus operandi dos agentes funerários na maior unidade sanitária da Província de Maputo.

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