Das trapalhadas da TSU à milhares de pobres que morrem de fome

DESTAQUE POLÍTICA
  • Mais um ano para esquecer e ainda
  • Um bode expiatório chamado Guerra Rússia e Ucrânia
  • A reforma salarial histórica que está a ser um desastre total
  • DDR esbarra na falta de pensões: Guerrilheiros boicotaram enceramento da última base
  • Entrega de tribunais modernos nos distritos é uma nota positiva para Nyusi e Governo

O Presidente da República, Filipe Nyusi, apresenta, hoje, terça-feira, o seu informe anual sobre o Estado Geral da Nação, num ano em que o país se ressentiu de vários choques internos e externos, oferecendo ao mais alto magistrado da nação alguns bodes expiatórios de que se queixar na hora do balanço. Os últimos sete relatórios, deste e doutro mandato, foram de um renovar de esperança, sem no entanto concluir se o Estado da Nação está bom ou não, balanço que pode vir a se repetir no presente informe, com alguns chavões de dicionário que muitas vezes não encontram respaldo na realidade. Em resumo, os moçambicanos assistiram durante o ano de 2022 a perda do poder de compra; o alastramento do terrorismo e do crime organizado, com destaque para raptos; a degradação dos sistemas nacionais de educação e saúde; o fracasso da implementação da Tabela Salarial Única (TSU); os recuos no DDR e ainda viram o seu país estar colado à Somália e Burundi como o terceiro país mais pobre do mundo. Mas o ano não foi só feito de aspectos negativos, houve também marcos positivos, com destaque para a retoma do FMI e Banco Mundial no apoio directo ao orçamento do Estado, a entrega de tribunais em vários distritos e o início de exploração de gás do Rovuma, com a entrada da plataforma flutuante, num ano em que os indicadores económicos mostraram uma tendência crescente, com o PIB a chegar nos 4 por cento, depois do retrocesso precipitado pela Covid-19.

Nelson Mucandze e Reginaldo Tchambule

Não se sabe se será desta vez que o presidente dirá aos moçambicanos que o Estado da Nação não é satisfatório, uma vez que nas condições actuais seria falta de sensibilidade do Chefe do Estado assumir um estado satisfatório. Aliás, nos anteriores informes anuais, Filipe Nyusi não foi capaz de assumir qualquer satisfação ou insatisfação, limitando-se em alistar eventos que reforcem suas frases de esperança, como se viu em 2021 quando afirmou que o Estado da Nação era de auto-superação, reversão às tendências negativas e conquista da estabilidade económica, ou em 2020 quando disse que o Estado da Nação é de resiliência, quando no ano anterior (2019) disse na casa do povo que era um estado de esperança e de um horizonte promissor.

Tradicionalmente, a cada final do ano, em cumprimento do plasmado na alínea b) do artigo 158 da Constituição da República, Filipe Jacinto Nyusi dirige-se à Assembleia da República para prestar o seu Informe Anual sobre o Estado Geral da Nação.

Saído dos efeitos nefastos da Covid-19, os indicadores económicos do país mostraram uma certa recuperação da economia, que veio a sustentar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 4,37% na primeira metade de 2022 e o Fundo Monetário Internacional (FMI) – que em Maio reabriu o acesso do país a financiamento, apontou para a segunda metade do ano um crescimento de 3,8%. Nesse contexto, o país buscava esse crescimento em meio aos impactos negativos da guerra na Europa, do lado externo, e internamente geria os impactos do terrorismo, que para além de forçar deslocados que pressionam os serviços das principais cidades de Norte, Pemba e Nampula, a acção dos insurgentes precipitou o abandono do investimento da TotalEnergies, avaliado em mais de 24 mil milhões de dólares.

Apesar da alerta desta multinacional, que vem condicionando o seu retorno ao restabelecimento da paz efectiva, o governo de Filipe Nyusi pressionou a TotalEnergies a retomar as suas actividades, investindo em campanhas de que os terroristas estavam encurralados, mas a expansão das acções dos insurgentes veio mostrar que há ainda muito por ser feito em Cabo Delgado. A pressão envolvia a ajuda de Paul Kagame, que antes do encontro com o Presidente Frances, Macron, teria se reunido com Filipe Nyusi. “Nós estamos prontos”, chegou a dizer Nyusi, fazendo vista grossa às exigências da multinacional.

Mas, como diz o velho ditado, quem não tem cão caça com gato, e, como tal, enquanto o maior projecto de gás no país, considerado o maior investimento directo estrangeiro de África, continua estagnado, a maior conquista do país este ano foi o arranque da exportação de gás natural liquefeito, cujo primeiro carregamento chegou, há dias, a portos europeus. Em termos de ganhos económicos, espera-se que o país comece a desfrutar a partir do próximo ano.

Entre êxitos e fracassos

Em mais um ano de actuações pálidas, um dos feitos que Filipe Nyusi e seu governo levam, certamente, como trunfo ao parlamento, no que diz respeito ao capítulo de infra-estruturas, vai ser a entrega massiva de edifícios modernos de tribunais nos distritos um pouco por todo o país, no âmbito do programa um distrito, um tribunal.

Mas o mesmo não se pode dizer em relação ao estagnado programa Um distrito, Um hospital, que desde que foi lançado em 2019 nunca mais voltou a ser tido nem achado e até hoje não foi entregue nenhum hospital no âmbito da referida iniciativa que era suportada pela pasta de Desenvolvimento Rural, que o super ministro levou consigo do Ministério da Terra e Ambiente para o Ministério da Agricultura.

A isso somam-se também fracassos nos sectores de transportes e comunicações e obras públicas. A EN1 continua um calcanhar de Aquiles e apesar das promessas e perspectivas de desembolsos por parte do Banco Mundial o prazo do arranque das obras ainda não está claro, numa altura em que se regista fraco investimento em estradas terciárias.

No sector dos Transportes e Comunicações é já indisfarçável a falta de ideias, com um sistema de transportes metropolitanos obsoleto, enchentes e o fracasso nas compensações e introdução do sistema de bilhética eletrónica. Mas o maior fracasso continua sendo mesmo a companhia de bandeira que está em falência técnica.

Mas, neste sector há uma estrela que cintila no meio dos maus. Trata-se da empresa Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique, que mais uma vez justificou por que é que a sua história confunde-se com a história do país. Para além de contribuir para os cofres do Estado, destacou-se pela inovação com a nova linha de locomotivas que vieram devolver dignidade aos passageiros. O destaque vai para as automotoras  que garantem o transporte de passageiros com algum conforto e segurança.

Custo de vida: Moçambique só é menos pobre que Burundi e Somália

No ano prestes a terminar, os moçambicanos assistiram à subida galopante do custo de vida, influenciada pela inflação geral de preços de combustíveis, que por três vezes sofreram aumento. A guerra Russa – Ucrânia foi o que precipitou as tais subidas, no entanto, quando o baril mostrou uma tendência de descida a nível internacional o Governo não voltou atrás, por pressão das gasolineiras que continuam a chantagear o Governo que tem rabo preso, ou seja, uma dívida astronómica que não consegue pagar.

Num ano em que os moçambicanos assinalaram a passagem de 47 anos da independência de Moçambique, houve poucos motivos para celebrar. Apesar de ser rico em recursos naturais e estar independente há várias décadas, o país foi cotado como o terceiro mais pobre do Mundo, segundo dados do Banco Mundial, ficando somente abaixo de Estados considerados falhados como o Burundi e a Somália, o que pode ser o espelho de sucessivos falhanços nas políticas governamentais, altos níveis de corrupção e má gestão da coisa pública.

A mais nova actualização dos países mais pobres do mundo só veio confirmar a cada vez mais crescente degradação do nível de vida dos moçambicanos, numa altura em que algumas famílias já só conseguem colocar à mesa uma refeição por dia. Especialistas não têm dúvidas de que o problema do empobrecimento do nosso país tem a ver com a fraca liderança, má governação e corrupção.

Numa reportagem publicada neste jornal, publicamos o drama de diversas famílias que já só conseguem ter uma refeição por dia e ouvimos na primeira pessoa o relato de uma jovem que “só comemos carne quando vamos a uma festa … às vezes, dormimos com fome. Só desenrascamos qualquer coisa para as crianças menores não chorarem a noite toda”, desabafou.

Os números não mentem. Segundo o Banco Mundial, Moçambique é o terceiro país mais pobre do mundo, com base na Renda Nacional Bruta (RNB) per capita, estimada em $ 460 dólares. Os países mais pobres do mundo são classificados como economias de baixa renda no sistema de classificação de quatro níveis do Banco Mundial. Esse ranking é baseado na renda nacional bruta (RNB) per capita de cada país, que é uma medida da renda total do país dividida por sua população. O RNB é muito semelhante ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita.

Ambas as métricas medem o valor em dólares de todos os bens e serviços produzidos em um determinado país, mas o RNB também inclui a renda obtida por meio de fontes internacionais (como investimentos estrangeiros ou imóveis). Por esse motivo, o RNB é considerado uma medida um pouco mais precisa da saúde económica de um país.

Entre os países mais pobres do mundo, Moçambique, independente há mais de 40 anos e com enormes reservas de recursos naturais, só fica atrás do Burundi e Somália, dois Estados falhados que ocupam a primeira e segunda posição, respectivamente, e que têm sido governados de forma sazonal.

TSU: De uma reforma salarial histórica a um autêntico falhanço

À margem de aumento de custo, Moçambique ensaiou e tentou uma reforma na Administração Pública, que trouxe mais caos que a revolução salarial esperada. Trata-se da implementação da Tabela Salarial Única, que foi anunciada às pressas, com o objectivo de abrandar os focos de insatisfação do público, que vinham mostrando um alastramento, chegando-se a convocar manifestações pelas redes sociais.

O governo precisava de uma boa notícia e o resgate precipitado de um documento pensado em 1998, mas nunca antes implementado, foi a boa notícia que o Governo encontrou para prometer atenuar a perda do poder de compra pelos moçambicanos face a subida dos preços.

Mas a precipitação de implementar um documento com problemas sérios de concepção e ornado de erro resultou num caos da função pública, com as diversas classes da função pública a ameaçar entrar em grave e a criticar o Executivo por ter aumentado o salário das chefias.

Resultante da TSU, até ao momento, os médicos ainda estão em greve, as pessoas estão a morrer nos hospitais por falta de atendimento especializado adequado, enquanto o governo sob quem recai a responsabilidade sobre o bem-estar dos moçambicanos assobia para o lado.

Para além dos médicos, os professores entraram também em greve, os funcionários do próprio Ministério das Finanças paralisaram actividades e até polícias ameaçaram paralisar tudo. Como se tal não bastasse, há neste momento um murmúrio dos funcionários das 53 autarquias do país que até hoje não foram contemplados pela TSU, de tal sorte que o salário mínimo continua abaixo de cinco mil.

Mas nem tudo são más notícias. Houve uma grande valorização da base. O salário mínimo duplicou e nas Forças de Defesa e Segurança triplicou, embora os licenciados estão descontentes porque esperavam ser enquadrados como outros do seu nível do quadro comum. De resto, há muitos que estão a sorrir com a TSU, mas também há muitos que não têm motivos para estarem felizes.

DDR esbarra na falta de pensões e guerrilheiros boicotaram encerramento da última base

Um dos triunfos do Executivo Nyusi, que deverão ser hasteados no parlamento, tem a ver com o fim das incursões da junta Militar, grupo rebelde da Renamo, que desde a morte do seu líder desapareceu completamente. Aliás, este ano, alguns dos antigos filiados deste grupo começaram a aderir o DDR. Como resultado, não há relato de um tiro sequer na zona Centro do país este ano. É obra.

Mas como em pano branco cai a nódoa, o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) dos Homens Armados da Renamo está a conhecer momentos de alguma tensão. Esta segunda-feira, estava marcado o início do processo de desmobilização da última base da Renamo, em Gorongosa, mas o processo acabou não arrancando devido a alegado boicote dos guerrilheiros, que já não vêem vantagem em entregar as armas, porque as prometidas pensões nunca saem e já lá se vão dois anos.

Neste momento, a denúncia vem de todas as partes, com militares a denunciarem integração no DDR de pessoas que nem são militares, e integrantes a denunciar falta de subsídios, enquanto que a nível político celebra-se o sucesso do encerramento das bases da Renamo. Há relatos até de reagrupamento de alguns guerrilheiros, que apoiados por alguns políticos já projectam voltar às matas, o que pode colocar por água abaixo todo o esforço até aqui empreendido.

Na semana passada, o presidente da Renamo, Ossufo Momade, acusou o executivo, e directamente ao Presidente Nyusi, pela estagnação do DDR, denunciando um pretenso plano de querer forçar os guerrilheiros a perderem a cabeça.

O julgamento das dívidas ocultas foi um alívio para o Executivo Nyusi, na medida em que veio atender os ensejos dos que exigiam responsabilização dos envolvidos no calote, mas foi a ruptura de alas dentro do partido, que apesar de nada dizer aos moçambicanos pode influenciar a administração pública, na medida em que se trata de um partido que se serve do Estado para sobreviver.

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