Luca Bussotti
O Bastonário da Ordem dos Advogados expressou, semana passada, a sua ideia sobre uma questão central em Moçambique: a relativa a divisão dos poderes, tendo como seu fulcro o excesso de poderes nas mãos de uma só figura, o Presidente da República.
Quanto importante seja a divisão dos poderes e a autonomia do judiciário foi demonstrado, recentemente, pelas eleições brasileiras. O Supremo Tribunal Federal Eleitoral -, o equivalente da CNE moçambicana – nunca quis dar um papel no processo eleitoral aos militares, a maioria deles fiéis ao antigo Presidente, Bolsonaro, e que teriam podido tentar alterar o resultado das urnas. E mesmo durante o mandato anterior as pressões contra as instituições da justiça por parte do executivo foram muitas, mas elas não surtiram nenhum efeito. Foi assim que a democracia brasileira conseguiu sobreviver, de forma semelhante a quanto feito anteriormente nos Estados Unidos com Trump.
Em Moçambique, a questão sempre constituiu um entrave a autonomia do judiciário e, portanto, a afirmação da democracia no seu todo. Entretanto, um misto de princípios constitucionais e de senso comum deixou, até hoje, a situação inalterada, com um presidente-patrão com poderes quase que ilimitados.
O posicionamento do Bastonário da OAM não representa novidade nenhuma. De forma recorrente, este debate vem à tona em Moçambique, sobretudo nos meandros académicos ou judiciários. Porém, o que sempre tem faltado é a tradução deste debate – cuja finalidade última seria uma mudança da Constituição no sentido semi-presidencialista – em agenda política. Nunca, dentro e fora do parlamento, os partidos discutiram seriamente deste assunto, assim como as organizações mais destacadas da sociedade civil. As razões são bastante simples: do lado da Frelimo, a certeza da vitória nos pleitos eleitorais sempre aconselhou em manter o poder numa só figura, por sinal o presidente da mesma Frelimo. Sempre foi assim e sempre o será, pelo menos enquanto a Frelimo governar. Guebuza tinha tentado quebrar este hábito, mas em 2015 viu-se obrigado a deixar a Nyusi o cargo de presidente do partido, depois de cessar de exercer a máxima função do Estado. A Renamo sempre teve uma cultura política oposta, mas ao mesmo tempo especular como a da Frelimo. A concentração do poder nas mãos do presidente podia significar que, uma vez assumido o controlo do País, o líder desta formação política (Dhlakama durante muito tempo) ia-se tornar o verdadeiro patrão de Moçambique. Portanto, uma cedência de poder não estava na ordem do dia da agenda da Renamo. O MDM, desde a sua formação, concentrou-se mais no poder local, com resultados inicialmente excelentes, pelo que uma maior divisão dos poderes do Estado não representava a sua prioridade. Finalmente, as organizações da sociedade civil têm muito insistido sobre práticas de corrupção, falta de transparência da administração pública e de participação por parte dos cidadãos a vida política, fiscalização financeira das actividades do Governo, mas raramente propondo a questão da divisão dos poderes como um dos elementos principais de superação da situação actual.
Em suma, um Executivo que controla o judiciário só preocupa a quem diariamente vê este último perder de prestígio e credibilidade, em detrimento da afirmação da democracia, pelo menos na sua forma liberal.
Neste momento, dentro da Frelimo, a questão não se coloca: Nyusi, pelos vistos, ainda espera pelo terceiro mandato e, se assim não for, vai trabalhar para que o seu substituto possa ser homem da confiança dele…portanto, nenhuma conveniência em diminuir os poderes do Presidente. Guebuza também espera colocar no lugar do Nyusi um seu fiel (ou até ele próprio), pelo que partilha a mesma preocupação do Nyusi. Os partidos da oposição continuam em silêncio, estando a janela para ver o que na Frelimo virá a acontecer.
Entretanto, a questão da divisão dos poderes é séria e merece uma atenção especial por parte das várias forças políticas, ao menos as da oposição, que se dizem paladinas da democracia. Estas forças devem saber que sem uma nítida divisão dos poderes nunca Moçambique poderá ter uma democracia madura e credível, portanto a sua própria missão é destinada a falir, caso o ordenamento do Estado continue estando assim, com uma figura institucional a dominar todas as outras, controlando-as ao seu belo prazer.

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