Estudantes desconfiam do mecanismo criado pela UEM para combater o assédio sexual

SOCIEDADE
  • Salvaguarda dignidade dos professores e mantém o ambiente universitário livre do assédio

No ano passado, o Evidências despoletou um dos vários escândalos de assédio sexual envolvendo um pesquisador da Universidade Eduardo Mondlane e uma estudante assistente, uma situação que despoletou outros casos de estudantes que foram assediadas, algumas das quais se viram obrigadas a abraçar o silêncio, abandonar os estudos ou ceder à pressão dos docentes assediadores devido as ameaças de repetir as cadeiras. Como que a recuperar a sua imagem, a maior e mais antiga instituição do ensino superior em Moçambique melhorou o seu mecanismo de prevenção e combate ao assédio sexual através da introdução de um dispositivo que visa incentivar a denúncias e responsabilização dos infractores. Contudo, as estudantes não acreditam que o mecanismo traga melhorias, uma vez que, no seu entender, o assédio sexual já foi institucionalizado naquele estabelecimento de ensino superior.

Duarte Sitoe

O caso de Patrício Langa, pesquisador e antigo assessor de Orlando Quilambo, que teria recorrido aos fundos de um projecto que estava sob a sua responsabilidade, o “Climate-U”, financiado pelo governo do Reino Unido, através da Global Research Fund (GRF), para inventar uma viagem para África do Sul, com uma estudante, a pretexto de trabalhar num projecto. Mas chegado naquele país, que nada tinha a ver com o “Climate-U”, forçou a companheira a partilhar o quarto. Foi a gota de água que expôs a institucionalização de uma prática que chegou a forçar muitas estudantes a abandonar o seu sonho.

A vítima denunciou o caso através da Universidade de Londres, que solicitou à reitoria da UEM os procedimentos internos para resolução dos casos de assédio que envolvam docentes e alunas e a instar a mesma a investigar o assunto. Mas, desde o ano passado, ainda não houve esclarecimentos.

Maria Fernando (nome fictício) não teve a mesma sorte da sobrevivente que não aceitou satisfazer os desejos sexuais do seu docente. Por se ter recusado a deitar-se com seu docente viu-se obrigada a repetir uma cadeira.

“O assédio sexual na Universidade Eduardo Mondlane é um assunto com barbas brancas. Infelizmente, os assediadores continuam impunes. Quando estava no terceiro ano teve um docente que fez de tudo para manter relações sexuais comigo, mas não cedi e sem nenhuma justificação plausível fui excluída da sua cadeira. Sabia que se tratava de vingança por não ter ido a cama como ele, tal como as outras fizeram para não repetir de ano”, contou Maria Fernando.

A vítima conta que no ano seguinte encontrou o docente que, sem nenhum pudor, disse na cara da jovem que esta chumbou por culpa própria.

“Aquilo doeu-me, porque sabia que tinha notas para ir ao exame. As minhas amigas disseram que tinha de o denunciar à direcção, mas pelo que ouvi a direcção não tem dado o acompanhamento as denúncias. Mesmo assediada terminei o curso, mas há colegas que desistiram da formação por conta de assédio”, relata.

Incentivar a denúncias e responsabilização dos infractores

Reconhecendo a existência de casos de assédio sexual, a Universidade Eduardo Mondlane, através do Centro de Coordenação dos Assuntos do Género (CECAGE), unidade que se dedica à investigação, formação e prestação de serviços relacionados com a matéria, melhorou o seu mecanismo de prevenção e combate ao assédio sexual através da introdução de um dispositivo que visa incentivar denúncias e responsabilização dos infractores.

Na qualidade de directora da CECAGE, Gracinda Mataveia, referiu que o instrumento deve ser amplamente divulgado nas unidades académicas para permitir a sua assimilação pela comunidade estudantil, considerando ser parte de uma luta contra este mal que compromete a formação dos estudantes.

“A UEM, através do CECAGE, decidiu colocar um instrumento de combate ao assédio sexual na universidade, formar pontos focais para implementarem este regulamento nas unidades orgânicas, as quais esperamos maior colaboração”, vincou, referindo depois que o assédio deve ser combatido com veemência porque é uma fonte de outros problemas como a depressão, a perda de autoestima, e pode mesmo levar ao insucesso escolar.

O mecanismo, para além dos estudantes, visa proteger os professores, investigadores e funcionários, salvaguardando assim a sua dignidade e manter o ambiente universitário livre do assédio.

Entretanto, os estudantes reconhecem que em Moçambique todas as leis são bonitas no papel, mas quando chega a vez da implementação deixam muito a desejar. Aliás, Sheila Domingos não tem dúvidas que a direcção da Universidade Eduardo Mondlane viu-se obrigada a criar o referido mecanismo para limpar a imagem deixada no ano passado.

“No ano passado tivemos muitas denúncias de assédio sexual, mas, debalde, a postura da UEM deixou muito a desejar. Protegeu os professores assediadores em detrimento das estudantes. O mecanismo criado para combater qualquer tipo de assédio é bem-vindo, mas o mesmo não pode ser apenas para o inglês ver tal como aconteceu com as outras iniciativas. Que este dispositivo seja uma verdadeira arma contra o assédio sexual porque mina a formação da rapariga”.

Quem não acredita no instrumento que vai entrar em vigor no corrente ano é Filomena Marrengula que observa que o Centro de Coordenação dos Assuntos do Género (CECAGE) é departamento que está a mais na Universidade Eduardo Mondlane.

“Não podemos estar a pintar coisas de cor de rosa. Esta instituição nunca fez nada para proteger as estudantes que são assediadas todos os dias pelos docentes. Espanta-me ouvir que reforçou mecanismo para combater o assédio sexual que já foi institucionalizado nesta instituição.

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