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Alexandre Chiure
A fraude, à semelhança da corrupção, transformou-se numa forma de ser e estar na política, no país. Em 1994 já se ouvia falar dela, mas os partidos políticos na oposição não tinham capacidade de provar ao público a sua existência ou era feita de forma a não deixar rastos. Por isso, as queixas de Dhlakama eram tidas como manobras dilatórias.
De eleição em eleição, as reclamações foram subindo de tom, mas a não alterar-se nada no xadrez. Por essa razão, os processos eleitorais moçambicanos tornaram-se pouco atractivos e os eleitores a acreditarem cada vez menos nos políticos, dai os índices de abstenção a atingirem mais de 50 por cento dos eleitores.
Hoje, a fraude é um adversário com quem os políticos devem contar, em particular os na oposição, nos seus sonhos ou projectos políticos de governar Moçambique. Instalou-se e ganhou patente. É reconhecida dentro e fora do país com a sua capacidade de viciar os resultados e onde a vontade dos eleitores não tem importância.
Todos nós somos culpados. Vimos a fraude quando ainda criança e não fizemos nada acabar col ela, numa altura em que era praticada de uma forma subtil até aos dias de hoje em que tudo é feito à luz do dia e num à vontade. Cresceu aos olhos de todos os moçambicanos e da comunidade internacional, também.
O mal sofisticou-se e ficou resistente a condenações e manifestações de rua organizadas pelas vítimas da mesma, de entre os diferentes actores políticos. A fraude, essa, não se sentiu ameaçada nem com o regresso de Afonso Dhlakama à guerra.
Em 1994, nas primeiras eleições multipartidárias, a Frelimo e a Renamo decidiram partidarizar os órgãos eleitorais e o Conselho Constitucional de acordo com a proporcionalidade parlamentar. O objectivo era credibilizar as instituições, vigiar os processos eleitorais e garantir que fossem justas e transparentes. Na prática não mudou nada porque quem manda é quem detém a maioria.
As eleições deixaram, por isso, de ter interesse no país quando alguém pode concorrer e ganhar, mas não governar porque, oficialmente, o vencedor é quem perdeu, à semelhança do que aconteceu em algumas autarquias em 2023, cujas eleições foram as mais fraudulentas da história da democracia moçambicana.
Alguns dos importantes municípios caíram nas mãos de partidos na oposição. Toda a gente acompanhou, mas foi-lhes negada a possibilidade de governar. A fraude tomou conta do assunto. O resto, é só ficar calado. Chegamos a um estágio tal em que a fraude já não usa máscara, o mesmo que se pode dizer em relação aos raptores que não precisam de esconder os seus rostos. A impunidade vence o medo e a vergonha.
A fraude começa com o processo de recenseamento eleitoral, cujos resultados são manipulados para atingir alguns objectivos políticos por parte de quem está no poder. A prova disso foi o que aconteceu em Gaza, bastião da Frelimo. Os dados do censo, apurados e tornados públicos pelos órgãos eleitorais, correspondiam às projecções do INE para 2040. Números que davam conta de que naquela província todos eram adultos e em idade eleitoral, o que ficou estranho.
Obedecendo-se ao esquema, destacam-se poucas brigadas para as zonas de influência da oposição, com a simulação sistemática de avarias de equipamento à mistura para causar o desgaste e desistência de potenciais eleitores de registo. Esses círculos eleitorais, ao recensearem poucas pessoas, ficam com menos assentos no parlamento e a oposição perde a sua base de apoio.
Já nas eleições propriamente ditas há os que optam pelo enchimento das urnas e outros, no fim, na fase decisiva, pela manipulação estatística dos resultados eleitorais em que os dados de uns, passam para os outros concorrentes e vice-versa, resultando dai falsos vencedores e falsos vencidos e ponto e final.
Para dificultar a produção de provas de ocorrência da fraude, há quem encarrega-se de fazer sumir editais originais sob guarda dos órgãos eleitorais e ninguém é responsabilizado no meio disso. No lugar destes, aparecem cópias e com dados manipulados e são os que, no fim do dia, ditam o resultado. Coisas de Moçambique.
Nas mesas, o assunto é outro. Alguns presidentes que fazem parte do esquema de fraude recusam-se, pura e simplesmente, a receber recursos de impugnação prévia de queixosos, geralmente partidos na oposição. Eles o fazem conscientes de que, sendo este um procedimento-chave, todos os outros recursos a submeter nos tribunais judiciais de distrito e no Conselho Constitucional seriam chumbados. As coisas ficam assim e ninguém é responsabilizado.
Os MMVs vinham sendo, na sua maioria, professores que na hora de receberem e cumprirem ordens ilegais que comprometem um processo eleitoral inteiro esquecem-se dos problemas de horas extraordinárias não pagas e da falta de condições de trabalho. Este ano, a aposta recaiu sobre agentes da polícia, um grupo profissional com as suas frustrações relativas a promoções, progressões e retroactivos não pagos.
Depois há o jogo da troca de livros ou do surgimento dos com um número excessivo de eleitores, os cortes habituais de energia eléctrica no período de contagem dos resultados um pouco por todo o país. Em suma, estamos perante uma rede que actua a vários níveis e em momentos distintos para dar corpo à fraude e a tornar o vencedor previsível em todos os processos eleitorais.
Do jeito que as coisas estão é quase impossível a oposição chegar ao poder em Moçambique, como sucede noutros países do mundo. Para começar, o partido no poder controla os tribunais, a polícia, os órgãos eleitorais e o Conselho Constitucional. Como se isso não bastasse, controla a economia. Quem tem tudo isto nas mãos, manda e desmanda. Por isso, meus senhores, vai ganhar o partido Frelimo e Daniel Chapo. O resto, é o resto.
Na África do Sul, a situação já é diferente. O ANC, que perdeu a maioria absoluta nas recentes eleições ao obter 40 por cento do total dos votos, não tem qualquer tipo de influência política sobre os tribunais. A polícia não toma partido dos processos eleitorais. Os órgãos que gerem as eleições são independentes e a economia do país está nas mãos dos boers, daí a justiça eleitoral. Aqui, ganha quem ganha e perde quem perde.

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