- Mortes trágicas, clientes privados de energia, após corte, e outros com perdas devido a curto circuito
- Conheça o drama de quem perdeu seu entrequerido, eletrocutado enquanto roubava energia
- Há quem vive a anos na escuridão após surpreendido a roubar energia
- Cobra-se valores que variam de 800 a 2500 meticais por esquemas de roubo de energia
- Até empresas grandes estão metidas no roubo de energia e EDM aposta na tecnologia
Corpo inerte no chão. Ouve-se choros e gritos de desespero. Tentativas de reanimação redundadas em fracasso. Acabava de dar o seu último suspiro o jovem Fernando Chilaluque, após um flash de descarga elétrica que não deu sequer tempo para agonia. Era mais um sonho interrompido. Seu destino, tal como o de tantos outros, foi selado pela imprudência de um momento, quando tentava fazer uma ligação clandestina. Fernando é apenas um de dezenas de moçambicanos que perderam a vida de forma violenta quando tentavam “roubar” energia. Para além do trágico fim, esta prática, que configura fraude de rede elétrica, tem gerado prejuízos avultados aos cofres da Eletrecidade de Moçambique e não só, pois os clientes surpreendidos na prática são lhes aplicadas penalizações que vão desde multas a corte de energia. Mas há quem também já perdeu tudo devido a um curto circuito na sequência de uma ligação clandestina mal-feita.
Luísa Muhambe e Edmilson Mate
A vandalização de material e infra-estruturas elétricas e fraude eletrônica tem gerado prejuízos enormes aos cofres da Eletrecidade de Moçambique (EDM). Só em 2023, a empresa pública electricidade perdeu o ano passado mais de cinco mil milhões meticais, o que preocupa sobremaneira as autoridades que buscam sinergias para acabar com este mal.
Mas não é somente a Eletrecidade de Moçambique que perde. Um pouco por todos os bairros, há sempre uma história de perda por contar. Se não são casas inteiras que arderam após ligações clandestinas mal feitas, são clientes que vivem hoje às escuras após corte de energia por terem sido flagrados a a “roubar”. Mas há quem pagou com a própria vida. Embora não haja estatísticas fiáveis, relatos são muitos que chegam a imprensa de pessoas que acabaram perdendo a vida após serem eletrecutadas.
Fernando Chilaluque, de apenas 24 anos de idade, em vida residente do bairro Costa do Sol, é apenas um dos rostos das pessoas que perderam a vida, quando tentavam fazer os famosos “chantes”. Descrito como um jovem alegre e pronto para ajudar, Fernando estava cheio de sonhos e era visto como a esperança para a sua família.
Porém, em uma fatídica manhã, saiu de casa com um grupo de amigos, determinado a realizar um “biscato” na cidade da Matola. Sua mãe, sem imaginar que seria a última vez que o veria com vida, o deixou ir.
“Ele só queria ajudar, só queria uma vida melhor”, lamenta a mãe, entre lágrimas e soluços, incapaz de continuar falando, ao se recordar do telefonema que por volta das 12 horas, recebeu com uma notícia que arrancou uma parte de si.
Fernando havia sido eletrocutado ao tentar fazer uma ligação clandestina e morreu no local. A mãe de Fernando, que havia perdido o marido um mês antes, agora estava mergulhada na mais profunda dor.
“Desde que recebi aquela ligação, sinto que o meu coração morreu junto com ele”, desabafa, desolada. Com a dor da perda, hoje assume-se como uma verdadeira activista contra o roubo de energia e desaconselha a qualquer jovem que pense em enveredar por aquele caminho.
Há quem vive a anos na escuridão após surpreendido a roubar energia
As fraudes na rede elétrica não são apenas crimes contra a EDM, são crimes contra o futuro de Moçambique. As perdas anuais de 2,6 a 5 bilhões de meticais colocam em risco a capacidade de levar luz às áreas mais remotas, onde comunidades inteiras ainda vivem à sombra do subdesenvolvimento. Cada conexão ilegal, cada medidor manipulado, retira das mãos de milhares a esperança de uma vida melhor.
O drama vai além das estatísticas. José Xileuane, por exemplo, vive a cinco anos sem eletricidade, depois de ter sido encontrado a roubar energia. Para além do corte, foi-lhe aplicada uma multa que não consegue pagar.
“Vivo no escuro”, desabafa, com a voz pesada de desespero e confirma: “a vida sem eletricidade é muito complicada. Não consigo fazer as tarefas mais simples. É mais difícil porque tenho crianças”, diz, resignado.
A escuridão física e emocional que tomou conta de sua casa reflete a realidade de muitos que foram surpreendidos com esquemas de manipulação ilegal da rede elétrica um pouco por todo o país, como é o caso de Alberto António, um comerciante que perdeu tudo o que havia construído quando um curto-circuito, causado por uma ligação clandestina, incendiou seu pequeno comércio.
“Tudo queimou, tudo o que construí por anos foi embora em minutos”, relata, ainda atordoado com a lembraça do seu estabelecimento, que era o sustento de sua família, a virar cinzas diante de seus olhos, sem poder fazer nada.
Agora, com a ajuda de amigos e familiares, ele tenta reunir forças para recomeçar, mas o caminho é árduo e incerto. Diante da equipa do Evidências conta que se pudesse voltar no tempo corrigiria o seu erro.
Desvendando os esquemas do submundo das fraudes elétricas
As ligações clandestinas e fraudes são, muitas vezes, realizadas por eletricistas com ou sem ligação à EDM, que veem nesses actos uma oportunidade de sobrevivência. Elias Tembe (nome fictício), é um eletricista que actua em um dos bairros periféricos de Maputo. Ao Evidências, descreve as principais práticas, como actuam e quanto cobram os técnicos que se dedicam àquele acto ilegal.
“As pessoas me procuram, querendo energia de qualquer jeito. É perigoso, eu sei, mas esse é o trabalho que posso ter. A vida não é fácil para ninguém”, revela, mostrando a linha tênue entre o desespero e a ilegalidade.
Elias, que está ciente da sua atividade criminosa, cobra entre 800 a 2.000 meticais, dependendo da complexidade do serviço. Cada vez que escala um poste para reconectar uma casa à rede elétrica de forma clandestina, sua própria vida está em jogo, mas ele se arrisca, nas suas próprias palavras, por causa da necessidade.
O relato de Elias oferece uma visão clara do submundo das fraudes elétricas, onde a necessidade econômica, a deficiente capacidade de fiscalização e a procura por soluções rápidas se misturam, perpetuando um ciclo de perigo, que pode lever até a casos de corrupção.
As fraudes elétricas não apenas paralisam o presente, mas sufocam também o futuro de Moçambique. O Governo e a EDM estabeleceram a meta de eletrificar todo o país até 2030, uma promessa que, a cada fraude, fica mais distante, pois são milhões de meticais que se perdem.
Enquanto isso, o desenvolvimento de Moçambique está sendo lentamente drenado por práticas criminosas que consomem recursos, sobrecarregam a rede e colocam vidas em risco.
A cada morte, como a de Fernando, a cada comércio destruído, como o de Alberto, a nação retrocede. Se as fraudes continuarem, a eletrificação universal pode se tornar um sonho difícil de alcançar nas metas estabelecidas, e Moçambique ficará preso na escuridão, não apenas no sentido literal, mas no figurativo, condenando muitos à estagnação.
Fraudes consomem 15% do total da energia distribuída e há “grandes clientes” no esquema
Segundo dados da EDM, as fraudes consomem 15% do total de energia distribuída, comprometendo seriamente a qualidade do serviço e o desenvolvimento do país. Engane-se quem pensa que as fraudes somente acontecem em ligações intradomiciliárias. Entre os ditos grandes clientes, há os que se dedicam ao roubo de energia.
Em 2020, a EDM denunciou dois supermercados, uma escola privada em Maputo e um restaurante em Tete que foram apanhados na teia de consumo fraudulento de energia eléctrica, lesando o Estado em milhões.
Com o claro objectivo de acabar com essas práticas, a EDM tem feito de forma recorrente campanhas de sensibilização um pouco por todo o país, envolvendo personalidades influentes como embaixadores da iniciativa. É o caso do músico Mr Bow que, há alguns anos, decidiu abraçar a iniciativa e ajuda a empresa a difundir mensagens que visam minimizer o dilemma do roubo de energia na sociedade.
O Evidências, acompanhou, há alguns meses, uma destas jornadas de sensibilização, no bairro de Boquisso, arredores da cidade da Matola. Segundo referiu na ocasião, Samuel Guambe, director da Área de Serviço ao Cliente de Infulene, a campanha apadrinhada por Mr Bow e outras personalidades influents visa consciencializar os clientes a não abraçarem esquemas ilícitos para consumirem energia.
“Esse trabalho representa muito para nós porque estamos a trazer a consciência aos nossos clientes sobre o roubo de energia e vandalização”, disse Guambe, para depois referir que a EDM tem feito campanhas de sensibilização também no seio dos seus trabalhadores para desencorajar ligações clandestinas.
“Temos feito um trabalho de triagem ao nível da EDM para desencorajar os nossos colegas e a população em geral para que não entre em esquemas de redes clandestinas. Escolhemos Boquisso porque é uma zona que demanda muita energia em termos de solicitações, achamos que era oportuno vir cá mostrar a nossa cara para motivar os clientes que estamos com eles nessa missão de fornecer energia. Fazemos essas campanhas de forma recorrente, mas por se tratar dos 46 anos achamos que ia trazer um impacto para enaltecer o dia. Vimos o impacto de trazer uma figura pública para falar com os nossos clientes sobre roubo de energia e vandalização”, referiu, incentivando a colaboração entre a sociedade e a empresa.
A tecnologia como aliada no desmantelamento da fraude
Enquanto clientes e técnicos eletricistas buscam novas estratégias para esquemas de fraude e roubo de energia, a Electricidade de Moçambique também busca ferramentas para poder combater o mal. Uma das estratégias foi a introdução de contadores inteligentes que permitem controlar o consumo de energia dos clientes à distância e dispararam alarme na central quando há tentativa de violação do contador ou consumo ilegal de energia.
Foi esta tecnologia que em 2020, permitiu a EDM detectar mais de uma centena de casos de roubo de energia, incluindo nos ditos grandes consumidores, como é o caso do mediático cado do Centro Comercial Super Marés, que quando foram descobertos, dias depois voltaram a colocar tudo em ordem como quem não tentou roubar energia nem mexeu no contador, sem saber que a tecnologia permite ter um controlo efectivo do que acontece nos consumos.
Outro cliente apanhado na teia de energia naquele ano foi a Princess Cinderella, uma escola privada da cidade de Maputo, em que o alarme soou 27 vezes, tendo uma equipa da EDM se deslocado ao local e detectado a fraude. Enquanto isso, o restaurante INK, à data dos factos era um consumidor ilegal.

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