Felisberto S. Botão
Faz quatro semanas que tento fechar este artigo, e tenho estado literalmente travado. É tanta coisa a acontecer que não fazem sentido, que trazem as nossas energias para um nível muito baixo. Até onde estamos dispostos a destruir a nossa nação por medo?
Ninguém acredita na democracia em Moçambique, nem o presidente da república, nem os candidatos a presidência, nem os antigos presidentes da república vivos, nem a liderança da comissão nacional de eleições, nem os juízes do conselho constitucional, nem os magistrados da procuradoria da república e muito menos dos tribunais, incluindo o supremo. Aliás, até a polícia e o exército, ninguém acredita na democracia, desde as mais altas patentes até ao agente operacional.
Ninguém acredita na democracia porque ninguém sabe o que é a democracia de facto. Ela é uma coisa estranha que nos foi imposta apenas com uma matriz de validação: multipartidarismo e eleições periódicas.
O africano precisa reconhecer a “origem externa” da discussão, da linguagem e da filosofia, quando falamos de democracia, do constitucionalismo e estado de direito, que estas não têm nenhuma raiz africana.
As constituições africanas pregam a união, sem levar em conta as especificidades das tribos, que são a base real da nação. e não tem havido nenhum esforço do poder local em adaptar esta condição e os termos associados, à realidade da cultura africana.
Toda gente está a cumprir uma MISSĀO, e é isso que conta, porque no final do dia, o cumprimento da missão é que vai colocar o pão na sua mesa, para que a sua família subsista.
Se não fosse pela MISSĀO, que não tem nada a ver com a democracia ou com o serviço e interesses do estado, o chefe do estado maior do exercito já se teria levantado e se posicionado para dizer um basta aos atropelos que estamos a assistir; os antigos presidentes já teriam aparecido publicamente a distanciar-se do que está a acontecer; a presidência da assembleia da república já teria aparecido a defender a soberania do povo; o presidente do tribunal supremo já teria aparecido a exigir uma posição da procuradoria, e o procurador já estaria na liderança atrás da cúpula da CNE e do Conselho Constitucional, junto com a CERNIC, a busca da verdade; e o candidato Daniel Chapo já teria aparecido publicamente a afirma “se é para governar assim, estou fora, ponho o meu lugar a disposição”. Pois, o que resta ao Daniel Chapo, nas condições actuais, é a ditadura, e se ele não tiver o sangue ditador, outros vão governar no seu lugar.
Toda gente tem medo de falhar na sua MISSĀO, e quando o medo toma conta, as pessoas se tornam agressivas. As pessoas já nem se quer se lembram que estão numa disputa de um processo dito democrático, pois Moçambique se tornou num campo de batalha, que a obrigação é vencer e cumprir a missão. Todos os meios são válidos, incluindo o abuso de direitos do consumidor, para não falar de outros direitos.
As mentiras que acumulamos durante os anos, são as armadilhas que engatilham o medo que nos guia, desde os antigos presidentes, que devem preferir morrer antes de alguns factos aparecerem. Isso começa lá na época da independência, quando era para, finalmente, construirmos uma nação, um estado, que nos negaram, e negam até hoje. Este é um problema generalizado em África, que deve acabar.
O político africano falhou lá atrás depois da independência, quando acreditou que depois da guerra de libertação, o colono iria querer conviver com ele de igual para igual no chamado “teatro das nações”, e correu para aderir as instituições armadilhadas pelo colono, como a ONU, o FMI, OMC, o Tribunal Internacional, Processo Kimberley, Conselho Mundial do Ouro, e até a Commonwealth, CPLP, etc., e sustentou toda a sua estrutura política, financeira, económica e social sobre uma plataforma que não é sua.
O líder africano falhou lá atrás, quando optou pelo gradualismo, no lugar do radicalismo no processo de união, abrindo espaço para a captura das instituições pelo sistema neocolonial, no modelo do grupo de “Monróvia”, validando Kwame Nkrumah, “o estado que lhe está sujeito é, em teoria, independente e possui todas as armadilhas externas da soberania internacional. Na realidade, o seu sistema económico e, portanto, o seu sistema político é dirigido de fora”.
O político africano falhou lá atrás no acto da independência, quando no desespero da guerra prolongada, aceitou assinar acordos de independência armadilhados pelo colono, que tornaram impossível a governação de África, condição necessário para o neocolonialismo. Foram estes acordos que abriram espaço para traições entre irmãos de luta, como foram os casos de Samora Machel de Moçambique, Patrice Lumumba do Congo, Thomas Sankara do Burkina Faso, Muammar Gaddafi da Líbia, entre outros.
O político africano falhou lá atrás, quando permitiu que as intrigas do colono entrassem no meio de irmãos de luta, no período pós-independência, que resultaram em golpes de estado e guerras civis. E depois de toda nação destruída, e a guerra terminada com acordos de paz mediados pelo colono, abriu portas para a dívida externa armadilhada e ONGs, acreditando que desta forma iria reconstruir a nação, que não está a resultar; e fechar as lacunas das responsabilidades sociais que ele não pode resolver, o que apenas consegue entregar nas mãos alheias a sua educação, saúde, juventude, cultura e arte. Isso deixa o político africano de hoje mais escravo do colono que os seus pais e avós que iniciaram a luta armada para se libertar da escravidão.
A MISSĀO maior que toda esta estrutura de pessoas e instituições têm que cumprir, cada um a seu nível, é a proteção e defesa do neocolonialismo, que é a instituição do colono. O único elemento que está fora desta estrutura é o POVO, o dono da democracia, se esta estivesse a ser praticada de acordo com os pressupostos originais, e o maior alvo do neocolonialismo.
Se o colono, aqui representado pela união europeia, sentir que com o Venâncio Mondlane poderão ter os seus interesses melhor protegidos, o presidente Filipe Nyusi e o seu sucessor Daniel Chapo, correm o risco de caírem. O PR sabe disso, os antigos presidentes sabem disso, a elite política sabe disso, e é daí que vem o medo, que vai sendo repassado para os níveis mais baixos, como uma questão de vida ou morte. E este medo não é sem razão, pois a história africana é rica de exemplos do que aconteceu com dirigentes que não alinharam com o colono.
O colono faz bullying com o nosso líder, que o impede de produzir políticas favoráveis para o seu povo, e por mistura de medo e vergonha, o nosso líder não fala com o seu povo sobre isso. E vai tentando criar alternativas para minimizar o sofrimento do seu povo, acção que é entendida pelo povo como falta de vontade política, de integridade e desrespeito ao seu semelhante. Entretanto, o colono vem ao povo fragilizado e desesperado, e oferece ajuda, que muitas vezes, por alegada corrupção do líder africano, fá-lo de forma directa através de suas ONGs ou embaixadas.
É neste processo de cumprir a missão que os líderes africanos menos íntegros se aproveitam para criar seus próprios desmandos, protegidos pelo sistema local e pelo colono, gerando uma cumplicidade mútua de encobrimento de mentiras e desmandos, entre a liderança africana e o colono.
O nosso líder não percebe que desta forma, deixa margem para o colono o chantagear durante e depois do seu exercício, a ponto de nunca sabermos que posição tomar, enquanto o colono não se posicionar.
Na situação em que metemos o país, vamos caminhar para uma real confrontação directa entre a juventude e a policia, porque muitos dos jovens não tem ocupação, portanto, não tem nada a perder. Porque eles teriam que proteger a ocupação daqueles que lhes parecem ser privilegiados, se para eles ninguém se preocupa, para que também se ocupem?
O Daniel Chapo deve de certeza ter acesso aos vídeos que nós temos acesso, e de certeza que pode ver que a única voz que fala da vitória do Chapo e Frelimo é a CNE. Como pode governar um país como este onde a percepção geral é que você é ilegítimo? O que o diferenciaria de uma ditadura?
Como me referi no passado, na sua maioria, o povo não está com a actual liderança africana, e se mantém vivo na esperança do aparecimento de um revolucionário, numa perfeita imagem da frase explorada pelo Paulino Intepo, de Cabo Delgado, no seu artigo “sobreviver hoje, para continuar a lutar amanhã”.
Definitivamente e infelizmente, este não é nosso processo. A democracia ocidental é um dos apegos que está a matar as nossas sociedades em África. E a narrativa associada ao seu fracasso é a ausência de boa liderança em África, e nós acreditamos. O facto é que o africano está condicionado para levar ao poder maus líderes, ou então estragar os bons que conseguem chegar ao poder.
É assustador como estamos cada dia mais parecidos com o colono, quanto mais o número de anos de independência aumenta. Fica a impressão que aos poucos vamos percebendo as razões do colono, e vamos validando as suas metodologias. Só que não temos a lucidez de perceber que o colono extorquia de nós para dar boa vida ao seu povo lá na terra deles, e nós, usamos a extorsão contra nós mesmos. Isso gera tanta confusão nas nossas cabeças que acabamos mandando dinheiro lá para a terra do colono, pensando que é em casa também.
Nós não estamos a construir uma nação, parece mais que estamos a destruir, voluntariamente.
Vamos rever esta democracia que está a matar-nos, pois o partidarismo não difere do tribalismo, que representa interesses de um grupo, que exclui os outros. As eleições só servem para agravar a divisão entre nós, impedindo a construção da nação, que só é possível com todos nós juntos e unidos.
A democracia ocidental não é para África, ninguém concorda com ela. Porquê insistimos? O esforço de manter a democracia leva-nos a actos macabros, pois a narractiva da democracia gera espectactivas no povo que não estamos preparados a satisfazer, ou mesmo capacitados a responder. A democracia com um sistema de poderes concentrados, nunca vai funcionar. Guiné-Bissau está a excluir opositores, como vimos aqui em Moçambique, no Congo Democrático o Félix quer mudar a constituição, para prolongar a sua permanência no poder, como parece que é o desejo em Moçambique. Isso acontece porque ninguém está confortável com esta democracia imposta do ocidente.
A propósito, o Botsuana passou de um processo similar, muito depois do nosso, e já fechou sem barulho. Afinal nem tudo está perdido para África, ainda há esperança para o povo. Em Botswana não houve tiros e nem gás lacrimogénio, mas o poder passou para a oposição. Botswana acredita que se em 5 anos a oposição não entregar resultados, o actual governo volta ao poder. Qual é o problema com isso?
Seja quem for a tomar o poder, depois da validação do CC, quando este conseguir superar o imbróglio em que se meteu, um Governo de Unidade Nacional deve ser considerado, mas que seja isolada da assessoria do ocidente, pois se isso acontecer, será capturado e não dará em nada, se não a redistribuição de benesses com novos actores. Vamos trazer a contribuição de moçambicanos comprometidos com a nação e com povo africano, e vamos suspender eleições para os próximos 10 anos, para colocarmos este país em pé.
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