Maputo engarrafada: O retrato do colapso de um planeamento excessivamente centralizado

OPINIÃO

Arão Valoi

A capital moçambicana, Maputo, vive um autêntico caos. Praticamente, não se anda na capital. Todos os dias, milhares de cidadãos enfrentam o inferno do trânsito, perdendo horas preciosas em veículos que avançam a passos de caracol. Onde existem, os semáforos piscam em vão, e onde deixaram de funcionar, reina a lei da selva. As ruas clamam por uma solução, mas o que se vê é uma cidade presa às suas próprias escolhas do passado. Enquanto o betão da baixa se ergue como um monumento ao caos, o resto da cidade, à medida que cresce na periferia, continua ignorado, sem alternativas viárias, sem instituições públicas que descentralizem o poder e o acesso. O reflexo é claro: a cidade, que deveria ser um organismo dinâmico e fluido, agoniza, engarrafada nas suas próprias contradições.

Os desafios de mobilidade em Maputo requerem uma intervenção urgente e sustentável. As medidas paliativas que vão sendo adoptadas pelas autoridades municipais e pelo Ministério de Transportes, como o uso de mais faixas de rodagem e a colocação de agentes policiais, não vão resolver um problema bicudo como o que se vive em Maputo. A cidade precisa de ser repensada. Além das precárias vias de acesso, todas elas esburacadas, a falta de alternativas viárias obriga que todos os automobilistas se afunilem nas mesmas estradas.

A análise crítica deste fenómeno revela a urgência de um redimensionamento estratégico do espaço urbano, que passa, em grande medida, pela descentralização das instituições e pela construção de alternativas viárias adequadas às necessidades contemporâneas da população. Além das vias alternativas, um dos principais problemas que assolam o trânsito em Maputo é, sem dúvidas, a excessiva concentração de serviços públicos nas áreas centrais da cidade. A maioria das instituições públicas de grande porte, como ministérios, secretarias, e serviços administrativos e algumas privadas, está localizada em poucos quarteirões, sobretudo nas zonas históricas de cidade, como a Baixa, e em bairros próximos a essa área. Este arranjo, embora historicamente consolidado, não corresponde à realidade de uma metrópole moderna que experimenta uma expansão demográfica e uma crescente urbanização. As infraestruturas de transporte e a rede viária da cidade não acompanharam esse crescimento, resultando em uma sobrecarga de tráfego que, diariamente, provoca congestionamentos que prejudicam a fluidez e a qualidade de vida da população. Numa cidade com uma distribuição de serviços tão desproporcionada, o trânsito se transforma num reflexo de um sistema urbano fragmentado e obsoleto. A falta de planeamento eficaz para dispersar estas instituições para áreas periféricas, como Marracuene, Matola e Boane (a chamada região do Grande Maputo) resulta numa centralização exagerada que não só dificulta o acesso aos serviços públicos como também exacerba as desigualdades socioeconómicas. Para os cidadãos que vivem nas zonas mais afastadas da cidade, o tempo perdido no trânsito é imenso, afectando negativamente a produtividade e o bem-estar. A descongestão do tráfego, portanto, exige, além da ampliação da rede de transportes, uma revisão estratégica das localizações dos órgãos públicos. Por exemplo, não consigo entender como é que não temos serviços de registos notariais nos bairros periféricos da cidade.

Num outro artigo nesta rúbrica, abordei a questão do acesso à banca na periferia. Praticamente, não há ATM’s nos bairros e nem se quer agências bancárias. Para se ter serviços de qualidade, os maputenses das zonas periféricas são obrigados a deslocar-se à cidade, onde tudo se concentra. Os ministérios, por exemplo, poderiam criar representações em Marracuene, Matola e Boane para que os funcionários públicos que por lá vivem, trabalhassem e ficassem por lá. Uma coisa que eu chamo aberração é ter, na Baixa da cidade de Maputo, lojas de venda de material de construção. Lojas como a Ferragem Maputo precisam de estar onde estão, na Baixa, enquanto as obras/construções são, na sua maioria, feitas nas regiões periféricas da capital? O resultado disto é ter camiões de grande tonelagem a fecharem, por completo, os acessos aos trabalhadores cujos escritórios se localizam na vizinhança destas lojas.

O planeamento urbano de Maputo, até o momento, tem-se mostrado carente de uma visão sistémica que antecipe as dinâmicas demográficas e económicas do século XXI. As áreas periféricas, que se encontram em expansão e com grandes potencialidades para o desenvolvimento, são negligenciadas, enquanto o centro da cidade é sufocado pela densidade populacional e institucional. Este erro estratégico, se não corrigido, tem o potencial de comprometer o futuro da cidade, que precisa de uma abordagem inovadora e descentralizadora para assegurar o seu crescimento sustentável.

A descentralização das instituições públicas para as zonas periurbanas, como Marracuene, Matola e Boane, surge como uma medida imprescindível para descongestionar a cidade e promover o desenvolvimento equilibrado. Além de aliviar o trânsito e reduzir o tempo de deslocamento dos cidadãos, esta mudança também proporcionaria uma melhor distribuição de recursos e uma maior acessibilidade aos serviços públicos, que hoje são limitados às zonas centrais. Estas áreas periféricas possuem capacidade para absorver esse crescimento institucional, e sua proximidade com grandes vias de acesso e outras infraestruturas de suporte torna-as locais ideais para o estabelecimento de novos polos administrativos.

Para que este processo de descentralização seja bem-sucedido, porém, não basta apenas transferir as instituições para novas localizações; é necessário um plano de infraestrutura abrangente que inclua a construção de novas estradas alternativas e a melhoria da rede de transporte público. Maputo carece de um sistema de mobilidade eficiente, que não apenas descongestione as principais vias da cidade, mas que também garanta a acessibilidade às novas zonas administrativas. A criação de corredores de transporte rápido, como o Bus Rapid Transit (BRT), e a ampliação das vias de acesso às zonas periféricas são medidas essenciais para garantir a fluidez do trânsito e a integração das áreas mais afastadas ao centro da cidade. E isso precisa de coordenação entre os municípios de Maputo, Marracuene, Matola, Matola-Rio e Boane.

Além disso, o planeamento urbano de Maputo deve ser pautado por uma abordagem integrada, que envolva a participação activa da população e de especialistas em urbanismo, transportes e meio ambiente. A construção de infraestruturas viárias deve ser acompanhada de um esforço contínuo de revitalização das zonas já urbanizadas, garantindo que o crescimento de Maputo não se traduza apenas em expansões desordenadas, mas em uma reorganização do espaço urbano que respeite as necessidades das comunidades locais.

É imperativo, portanto, que o planeamento urbano de Maputo se distancie de práticas desactualizadas e se oriente por um modelo que promova a descentralização e a melhoria das condições de mobilidade urbana. A centralização institucional e a falta de investimentos em infraestrutura de transporte são factores determinantes para o actual caos no trânsito e na qualidade de vida da cidade. A implementação de estratégias que envolvam a descentralização administrativa e a construção de vias alternativas é uma necessidade urgente para garantir que Maputo se desenvolva de forma equilibrada e sustentável, atendendo às demandas dos seus cidadãos de maneira eficiente e moderna.

Somente assim, com uma visão crítica e transformadora do planeamento urbano, a cidade de Maputo poderá superar os seus desafios de mobilidade e garantir um futuro mais próspero e acessível para todos os seus habitantes.

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