Alexandre Chiure
As manifestações tornaram-se cíclicas no país. Do nada, as comunidades bloqueiam a estrada reivindicando ou a falta de água e energia ou reclamando a degradação das vias de acesso ou, ainda, o custo de vida que é insuportável, as promessas não cumpridas, feitas pelos governos municipais, provinciais ou centrais.
Para alguns, as manifestações a que temos estado a assistir um pouco por todo o país são prova de que a revolução começou em Moçambique. Eu prefiro dizer que o povo moçambicano finalmente acordou, ao perceber que deve se levantar e lutar pelos seus direitos.
Se, em geral, os motivos evocados podem ser considerados justos, o mesmo já não se pode dizer em relação à forma como as revoltas populares têm sido organizadas. Isso não parece importar aos manifestantes.
Colocam barricadas nas ruas e impedem a circulação de pessoas e bens. Limitam os direitos dos outros. As crianças não podem ir à escola porque é perigoso circular.
Os doentes não conseguem chegar ao hospital porque os transportes não circulam. Falham as consultas e os tratamentos. Os médicos, por sua vez, e os restantes funcionários da saúde não conseguem chegar aos seus postos de trabalho porque os populares não deixam os carros passarem. Estamos a falar dos direitos dos manifestantes que se sobrepõem aos direitos dos outros, o que é errado.
Seja como for, as manifestações convocadas por Venâncio Mondlane, antes para exigir a justiça eleitoral, que, mais tarde, se transformaram numa plataforma para reivindicar serviços básicos de qualidade e alívio do custo de vida, despertou nos moçambicanos a coragem, determinação e, acima de tudo, o espírito de cidadania.
As populações perderam a paciência. O nível de exigência é cada vez maior. Não só estão em cobrança os promessas do passado, como também está a ser escrutinado, a todo o momento, o trabalho dos governos municipais, distritais, provinciais e centrais.
Em Boane, um grupo de munícipes saiu à rua a reivindicar a canalização de água para a sua comunidade que não acontece há anos e venceu a batalha. A presidente do município elaborou um ofício que autoriza a FIPAG a instalar as condutas. Será que era preciso se chegar ao extremo de fazer manifestação para o município resolver o problema de água naquelas aldeias?
Em Maputo, a Avenida Julius Nyerere acordou bloqueada, recentemente, como uma chamada de atenção à direcção do município, liderada por Rasaque Manhique para a necessidade de reabilitação do troço Praça dos Combatentes-Magoanine completamente esburacada e intransitável. Este é um problema antigo. Esta estrada foi reabilitada apenas no troço que atravessa a parte nobre da cidade.
Na Matola Gare, província de Maputo, as populações, furiosas, tiveram que desviar, da estrada circular, oito camiões basculantes, carregados de areia vermelha, de um privado, que foi espalhada pelo recinto do centro de saúde local para tentar resolver o problema de inundações que paralisaram por completo as actividades daquela unidade sanitária já há alguns meses, pois o governo furtou-se das suas responsabilidades.
Em Chókwè, Gaza, o móbil da manifestação foi a qualidade de água fornecida pela FIPAG que não é das melhores, enquanto em Mandevo, no distrito de Namaacha, na Ponta de Ouro, em Maputo, e em Macia, Gaza, reclamam pelo custo de vida insuportável.
É absurdo que a população, na cidade da Beira, tenha sido obrigada a manifestar-se e, inclusive, a bloquear a estrada nacional número 6 que dá acesso à fronteira de Machipanda, para que fosse reposta a ponte pedonal que havia sido destruída por um camião em Novembro de 2024. Onde andam as nossas autoridades?
Os megaprojectos não escapam. O projecto das areias pesadas de Chibuto, em Gaza, de Moma, em Nampula, e a mina de turmalina, em Bárué, Manica, foram visitados. Questionam-se os benefícios destes projectos para as comunidades.
Em Chibuto, os investidores prometeram energia em alguns bairros e não foi canalizada. Com as manifestações ficámos a saber que, afinal, os chineses já desembolsaram cerca de seis milhões de meticais para a compra do material destinado à canalização da corrente. O que é feito do projecto, só Deus é que sabe.
Em Chongoene, ainda na província de Gaza, os populares expulsaram os chineses envolvidos no projecto de construção do porto para o escoamento das areias pesadas porque prometeram água, energia, estrada e hospital e nada disso foi feito.
O Fundo de Fomento à Habitação (FFH) também faltou à palavra. Em 2015, as comunidades, em Chongoene, cederam um enorme espaço para a construção de 500 casas. Em troca, ficou combinado que o FFH iria oferecer energia. Não cumpriu e as populações estão revoltadas.
Em Bárué, província de Manica, os investidores, ligados à empresa Suminha, Lda, que explora turmalina, comprometeram-se, em vão, há 18 anos, a construir uma escola secundária, hospital, furo de água, oferecer ambulância e reassentar as comunidades locais. Nada feito.
O que importa, em tudo isto, é que as populações já perceberam que não é nenhum favor uma mineradora financiar obras de responsabilidade social em benefício das comunidades. Pelo contrário, é uma obrigação e que estão no direito de exigir o que é delas.
Se elas não cumprem com as suas obrigações é porque há, em alguns casos, vazio de poder. Uma ausência total de Estado, o que permite com que haja relaxamento ou desleixo por parte de algumas empresas. Com esta vaga de manifestações, estão a passar aos governantes a mensagem de que desta vez não há lugar para brincadeiras. O povo está de olho.

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