Haverá um poder paralelo dentro da Frelimo?

OPINIÃO
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Arão Valoi

Perante a continuidade dos assassinatos selectivos e ataques a membros da oposição, nomeadamente os apoiantes do Venâncio Mondlane e, num contexto de esforços concretos visando a reconciliação nacional por parte do Presidente Daniel Chapo, crescem as suspeitas da existência de um poder paralelo dentro do partido Frelimo, uma espécie de estrutura clandestina, com agendas próprias e métodos violentos, que ameaça, não apenas a estabilidade política do País, mas também a autoridade do próprio Presidente da República. Trata-se de uma realidade cada vez mais difícil de ignorar. Os sinais de que há forças internas a operar fora do controlo das instituições oficiais são alarmantes, e o mais recente episódio envolvendo o baleamento de Joel Amaral, mais conhecido por “DJ Trufafa”, em Quelimane, Província da Zambézia, é disso exemplo dramático.

Além de funcionário do Município de Quelimane, onde exerceu várias funções, o MC Trufafa é uma figura pública conhecida por apoiar Venâncio Mondlane. Ele foi alvejado a tiros e encontra-se, neste momento, em estado crítico. O atentado insere-se numa cadeia de acontecimentos que indicam claramente uma escalada de violência política, cuja origem não pode ser atribuída a simples desentendimentos partidários ou episódios isolados. Pelo contrário, os padrões de actuação, o grau de organização e a impunidade com que esses ataques são realizados sugerem que há uma rede de interesses obscuros infiltrada nos bastidores do poder, operando à margem da legalidade, mas com acesso a recursos e protecção institucional. Para já, o posicionamento oportuno da Presidência da República a condenar e a distanciar-se deste evento foi estratégico e mostra o compromisso que Daniel Chapo tem com a reconciliação dos moçambicanos, daí que, a meu ver, nada indica que os propalados esquadrões de morte estejam sob alçada das instituições recentemente formadas. Pelo contrário, tudo aponta para uma rede paralela cujo interesse pode resumir-se em minar a governação do Presidente Chapo e a sabotar, deliberadamente, os esforços de reconciliação e diálogo que têm sido promovidos nos últimos meses.

O encontro recente entre Chapo e Mondlane, que visava exactamente estabelecer pontes e promover a pacificação nacional, foi largamente elogiado como um gesto de maturidade política.

Há quem diga que, dentro das hostes político-partidárias, o gesto de Daniel Chapo foi interpretado doutra forma, afinal, a narrativa prevalecente sempre foi de excluir o candidato Venâncio Mondlane, alegadamente porque promovia o caos e não merecia sentar-se à mesma mesa com o Presidente da República.

A continuidade de ataques contra opositores levanta sérias dúvidas sobre quem realmente controla os instrumentos de repressão e intimidação em Moçambique e qual é, realmente, o interesse por detrás dessas acções.

A forma como este poder paralelo actua sugere uma lógica de terror político: neutralizar fisicamente vozes dissidentes, espalhar o medo entre os apoiantes da oposição e forçar o silêncio através da violência. Trata-se de uma estratégia de guerra fria interna, que visa preservar privilégios e manter o controlo absoluto sobre o Aparelho de Estado, mesmo que isso implique desrespeitar a Constituição, as liberdades fundamentais e o próprio Presidente do País.

No entanto, cabe às instituições judiciais apurar os factos com imparcialidade e celeridade, separando responsabilidades reais de disputas políticas. Ao mesmo tempo, é imperativo que o Presidente tome medidas claras e públicas para identificar e neutralizar qualquer grupo que esteja a agir em nome do partido, mas à margem das suas estruturas formais. Isto é extremamente importante na medida em que a falta de acções enérgicas contra estes actos contribuirá para a ingovernabilidade do País. Este é, de resto, um dos riscos mais graves desta conjuntura. Quando forças não eleitas e não controladas institucionalmente passam a influenciar ou a determinar decisões políticas — sobretudo por meio da violência — o próprio conceito de governo democrático fica comprometido. A autoridade do Presidente enfraquece, o Estado perde legitimidade aos olhos dos cidadãos, e os adversários políticos deixam de reconhecer as estruturas formais como espaço de mediação de conflitos. Essa fragmentação do poder leva ao colapso da confiança pública, à desobediência institucional e ao aumento da polarização.

Além disso, a instabilidade gerada por estes atentados compromete gravemente o funcionamento normal das instituições. O Parlamento torna-se disfuncional, o sistema judicial politizado ou intimidado, e os serviços públicos enfraquecem à medida que o foco do Estado se desloca da governação para o controlo da oposição e da opinião pública. O medo generalizado entre políticos, activistas, sociedade civil e jornalistas vai contribuir para o silêncio e a autocensura, tornando impossível qualquer debate democrático ou construção de consensos a nível nacional.

A eficácia de qualquer esforço de pacificação depende muito da capacidade do Estado moçambicano em restaurar a confiança das suas instituições e demonstrar que ninguém está acima da lei. A inação diante dos ataques em curso poderá ser interpretada como cumplicidade ou fraqueza, duas perceções igualmente perigosas num momento tão delicado da vida nacional.

Neste cenário, o caso de MC Trufafa não pode ser tratado como mais um incidente infeliz. É uma chamada de atenção urgente para a necessidade de desmantelar, com firmeza e transparência, qualquer estrutura paralela que esteja a comprometer o futuro de Moçambique. O Presidente Chapo tem nas mãos a oportunidade histórica de afirmar a sua autoridade, proteger a democracia e liderar uma verdadeira reforma política. Para isso, será necessário enfrentar, com coragem, os interesses instalados que se opõem à mudança.

A pacificação do País não poderá ser alcançada com discursos ou encontros simbólicos, mas sim com acções concretas que garantam justiça, segurança e respeito pelas liberdades fundamentais. Neste momento, podemos afirmar categoricamente que a democracia moçambicana está à prova. E a resposta a essa ameaça determinará, não apenas o rumo do actual mandato presidencial, mas também o futuro da própria nação.

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