Os caminhos da mudança

OPINIÃO

Luca Bussotti

A história da humanidade, inclusive da África, ensina um preceito fundamental: as mudanças políticas em regimes democráticos se fazem por via das eleições.

Com efeito, num passado não muito longínquo as mudanças aconteciam de forma geralmente violenta e brusca. Onde havia regimes monárquicos ou ditatoriais a única forma para alterar o cenário era por intermédio de assassinatos, golpes de estado, até guerras.

Em épocas mais modernas, democracias fracas tiveram de sucumbir a déspotas que mostraram o lado pior da humanidade: o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, seguidos por regimes com a mesma inspiração em Portugal, Espanha, Grécia e por aí fora.

Para restaurar regimes democráticos na Europa foram necessárias duas guerras mundiais, conflitos civis e um número de mortos impressionante.

Em África, o processo de descolonização foi também demorado e, no caso das antigas colónias portuguesas, sangrento. Depois da tentativa de instaurar regimes monopartidários e autoritários de inspiração marxista, seu falhanço levou a adesão ao modelo liberal-democrático ocidental. Talvez imposto, talvez não completamente adequado a realidade africana, mas foi isso que se passou. O que significou que, para alterar o rumo da vida pública foi escolhido um processo pacífico dentro das sociedades africanas, incluindo Moçambique: as eleições.

Infelizmente, os processos eleitorais na maioria dos países africanos nunca foi justo, nem transparente. Mesmo em regimes teoricamente democráticos, tais como Angola, Quênia, o próprio Moçambique, as eleições sempre foram um momento de conflito, de desconfiança entre maioria e oposição, de pouco respeito da vontade popular. Por isso é que as minorias nunca reconheceram os resultados eleitorais, facto que não se costuma verificar nos países com democracias mais consolidadas. Aqui, existe um elemento sagrado, do ponto de vista do funcionamento do sistema democrático: a vontade dos cidadãos, expressa mediante o seu voto livre. Num país como Moçambique este mecanismo está ainda longe de ser aceite por parte de quem sempre governou o país.

A demonstração – segundo as notícias veiculadas por parte da imprensa e das redes sociais – é de que, desde o processo de recenseamento eleitoral, estão a ocorrer irregularidades, abusos e violações que, desde o princípio, arriscam perigar a regularidade do processo eleitoral para as próximas autárquicas.

Num momento de grandes tensões, com um conflito no norte do país ainda longe de terminar, grupos de jovens organizando-se em movimentos de protesto em nome daquela justiça social que o rapper Azagaia sempre tinha enaltecido, uma pobreza difusa e profunda, seria muito importante que o processo eleitoral fluísse na maneira mais regular e transparente possível.

Tem de ser esta a única forma para permitir a mudança num país que se diz democrático, principalmente para aquelas inúmeras partes da população moçambicana marginalizada, e que não se reconhece na política da Frelimo. Se o acesso a justiça resulta extremamente limitado, se as manifestações, mesmo de cunho pacifista, são regularmente reprimidas, o descontentamento só pode ser canalizados para processos eleitorais justos e transparentes.

Historicamente, o fecho de todas as possibilidades de manifestação de contrariedade com relação às políticas governamentais tem resultado em situações bem piores do que perder o controlo deste ou daquele município. Evitar cenários de guerrilhas urbanas, violência e derramamento de sangue é uma das principais responsabilidades de quem actualmente governa o país e tem o controlo da máquina administrativa dos processos eleitorais. É suficiente garantir um jogo limpo para as próximas eleições autárquicas para evitar cenários piores. E depois que o melhor (ou seja, o mais votado) ganhe.

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