Guerras e guerrinhas na governação provincial

OPINIÃO

Alexandre Chiúre

Passam quatro anos depois que o País começou com a descentralização política. Feito o percurso, importa agora revisitar o processo e verificar que ganhos foram alcançados e que desafios se colocam para a consolidação da mesma.

O Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, já fez a sua avaliação. Num discurso político, ele atribuiu uma nota positiva. Disse que tinha que se começar de algum lado a pôr o projecto em prática.

Partiu de uma realidade em que tudo era decidido em Maputo e com excessiva concentração de poderes na figura de Chefe de Estado. Algo que impactava negativamente no desenvolvimento de Moçambique.

Quer dizer que enquanto as decisões não eram tomadas por quem de direito, porque este estava a atender outras prioridades, projectos de iniciativa local, até de interesse das comunidades nos postos administrativos, distritos ou províncias, atrasavam a entrar em execução.

Vistas as coisas neste prisma, estamos bem. Valeu a ideia de avançar com a descentralização. Hoje, tirando um e outro caso em que a competência na tomada de alguma decisão é do governo central dado à complexidade do assunto, quase tudo é decidido a nível da província. Ou pelo governador ou pelo secretário de Estado.

Este é um lado da história. O outro, é preocupante. É que a descentralização é uma criança que nasceu e está a crescer com alguns defeitos. Os problemas resultam da própria lei que guia o processo, aprovada pela Assembleia da República para acomodar uma das exigências da Renamo que defendia governos provinciais autónomos.

O ponto é que na sequência da descentralização, as províncias têm hoje praticamente dois governos, tornando o sistema muito caro para o país. Há, por um lado, o governo provincial, que presta contas à Assembleia Provincial, e por outro, a Secretaria de Estado, cujo timoneiro é olheiro do Presidente da República.

Por incrível que pareça, o governador provincial, figura eleita nas eleições gerais de 2019, com um mandato de cinco anos e um manifesto por cumprir, tem poucos poderes em relação ao Secretário de Estado, indicado através de um Decreto Presidencial.

Esta situação está a causar um total desconforto da pessoa do governador que era suposto que fosse quem lidere os destinos da província. Abre campo para que os dois governos entrem numa rota de colisão, com um exercício de musculatura feita, quer pelo governador, quer pelo Secretário de Estado na tentativa de cada um deles sobrepor-se ao outro em termos de poder.

Para a população, o dirigente da província é o governador. É a figura mais conhecida no seio da população, pois é com ela que tem estado a trabalhar desde a independência nacional. O Secretário de Estado é uma cara nova.

O pior é que os dois responsáveis provinciais, cada um com a sua estrutura governativa e o staff, no fim do dia fazem quase as mesmas coisas. Há casos em que os dois visitam os mesmos locais, um a seguir ao outro, com a diferença de dias ou horas.

Os dois trabalham nos distritos. Inauguram empreendimentos económicos e sociais e infraestruturas em geral, para além de discursarem em eventos públicos e privados. Só isso dá para concluir que alguma coisa não está bem.

Das duas, um. Ou não há clareza sobre quem faz o quê ou estamos perante a usurpação de competências e atribuições de um pelo outro.

A terceira hipótese é um dos dirigentes estar a mais, pois não faz sentido a existência de dois governos numa província.

A análise a estas questões leva-me a uma conclusão que nunca quis acreditar nela. Que o projecto de descentralização foi desenhado para fazer face aos eventuais governadores da Renamo.

Nessa lógica, a figura de Secretário de Estado surgiu da necessidade de esvaziar o poder desses governadores.

De algum tempo a esta parte, o partido de Afonso Dhlakama habituou-nos a ganhar em Manica, Sofala, Tete, Zambézia e Nampula. O que se esperava, nas eleições de 2019, era que a “perdiz” tivesse elegesse governadores nestas províncias, o que não aconteceu.

Seguindo esse fio de raciocínio, se isso tivesse acontecido, os secretários de Estado teriam a missão de amortecer os poderes dos cinco governadores provinciais eleitos pela Renamo.

Talvez se as coisas tivessem acontecido como estava previsto, não se notariam os problemas que hoje se levantam com esta descentralização. Só que, contra todas as previsões, a Frelimo venceu em todas as províncias.

Hoje, parece doer porque todos os governadores são do partido no poder. Há guerras e guerrinhas entre secretários de Estado e governadores provinciais sobre quem manda mais do que o outro. Em algumas províncias, a situação é mais grave do que parece.

Noutras, dá a ideia de que está tudo sob controlo, mas na verdade, na primeira oportunidade, as fricções ficam à descoberta.

A outra guerra está na cobertura jornalística de actos governativos dos dois (do Secretário do Estado e do governador). Há quem dos dois acha que o outro está a ter melhor coberto que ele e isso está a gerar mau ambiente. Deixa a impressão de que os jornalistas têm intenções de o prejudicar ou que estes tenham sido pagos para favorecerem o outro governante. Mau, mau.

Esta situação chama atenção para a necessidade urgente de mexer com a legislação que introduz a descentralização no país, processo que é bem-vindo. É importante que fique claro sobre os limites de poderes para cada um, pois a convivência entre os dois dirigentes não é salutar.

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