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- Concurso foi aberto exclusivamente para as duas empresas ligadas a Francisco Madeira
- Francisco Madeira é, também, proprietário da empresa Madeiras Produções, El, uma empresa que não existe no registo notarial
- Rui Costa foi o maestro das duas boladas milionárias
- Não há registos de importação ou aquisição interna dos bens
Em 2020, no pico da pandemia da COVID-19, o Estado moçambicano viu-se obrigado a adquirir gel desinfectante, máscaras, toucas, sabão e javel para travar a propagação da pandemia nas instituições públicas. O Instituto Nacional de Gestão de Desastres Naturais (INGD), agora Instituto Nacional de Gestão do Risco de Desastres, na altura liderada por Augusta Maita, contratou a Damotral Produções Limitada e Francisco Madeira Produções, por sinal todas ligadas a Francisco Madeira, para o fornecimento do material que visava travar a propagação da pandemia da COVID-19, tendo, para o efeito, desembolsado um total de 50,6 milhões de meticais. No entanto, não foram encontradas evidências da aquisição dos bens nas quantidades referenciadas nos contratos por parte das empresas contratantes, uma vez que não há registos de importação ou aquisição interna dos bens, havendo, apenas, a mera referência de terem sido comprados no mercado informal na República da África do Sul, daí que que o Gabinete Central de Combate Contra a Corrupção, por entender que os contratos entre as três partes foram assinados e pagos preços correspectivos, remeteu o processo com n.° 93/11/P/GCCC/2020 e registado sob n°610/2021 ao Tribunal Judicial do Distrito Municipal de Kamphumo, onde se encontra engavetado.
Duarte Sitoe
Quando tomou posse para o segundo e último ciclo de governação, Filipe Nyusi hasteou a bandeira da luta contra a corrupção. No entanto, a arrojada promessa não passou da teoria para a prática, ou seja, saiu da Ponta Vermelha e deixou Moçambique na lista dos países mais corruptos do mundo.
Em 2020, durante o reinado de Augusta Maita, o Instituto O Instituto Nacional de Gestão de Desastres Naturais (INGD) foi tomado por negociatas que se suspeitam que continuam até agora, aproveitaram do pico da pandemia da COVID-19 para encher os bolsos, defraudando o Estado moçambicano em milhões de meticais.
Para evitar a propagação da pandemia viral, o Executivo abriu os cordões à bolsa para adquirir gel desinfectante, máscaras, toucas, sabão, javel entre outras. Para o fornecimento desses produtos, a instituição ora liderada por Maita contratou a Damotral Produções Limitada, uma empresa de publicidade que tem como sócio principal Francisco Augusto Madeira, juntamente com a filha e gerente da empresa Suzete Francisco Madeira, e Francisco Madeira Produções, outra empresa ligada a Francisco Madeira, na altura sem documentação em dia.
Curiosamente, os processos para a contratação destas duas empresas não obedeceram aos procedimentos legais de contratação pública.
No contrato nº 25ª001652/AD/N.º/INGC/FGC/2020, assinado no dia 20 de Maio de 2020, consta que a empresa Damotral Produções, Lda devia fornecer 3.000 unidades de gel desinfectante para as mãos, de 5 litros e 4.000 unidades do mesmo produto, de 01 litro, no valor de 24.973.650.00MT (vinte e quatro milhões, novecentos e setenta e três mil seiscentos e cinquenta meticais).
Ainda na mesma data, o INGD rubricou o contrato nº 25A001652/AD/N.”/INGC/FGC/2020, com a empresa Francisco Madeira Produções, E.I., representada por José Matos Pereira, arguido no processo movido pelo GCCC, para o fornecimento de 2.500 unidades de javel, de 05 litros; 2.000 caixas de barras de sabão; e 5.000 caixas de tocas, no montante de 25.798.500.00MT (vinte e cinco milhões, setecentos e noventa e oito mil e quinhentos meticais).
Rui Costa foi quem facilitou as duas operações
Os contratos com Damotral Produções Limitada e Francisco Madeira Produções surgem na sequência da Informação Proposta n.º 12/MAEFP/INGC/110/2020, para a aquisição de material e contratação de serviços, no âmbito de reforço das medidas de prevenção da COVID-19, tendo sido elaborada no dia 31 de Março de 2020, pelo director da Direcção de Prevenção e Mitigação, César Tembe.
De acordo com o Gabinete Central de Combate Contra a Corrupção, os processos foram tramitados por Rui Costa, na qualidade de coordenador, Manuel Jambane, Técnico de Procurement, e Acácio Niquice, Gestor do Fundo de Gestão de Calamidade, todos arguidos no processo movido pela instituição chancelada pelo Ministério Público, sendo que no dia 24 de Abril de 2020, Manuel Jambane elaborou o pedido de autorização para instauração do processo de contratação, por ajuste directo, para fornecimento de material de desinfecção e protecção no âmbito da prevenção da COVID-19, fazendo referência que as empresas contratadas seriam a Damotral produções, Lda e a Francisco Madeira Produções.
Aliás, Costa foi igualmente responsável pela elaboração da cabimentação da verba, tendo, na altura, referido que existiam fundos para o pagamento de fornecimento de material solicitado pelo INGD.
No entanto, consta no despacho de acusação do Ministério Público que Rui Costa enviou as cartas após o pedido de autorização para contratação com as duas empresas, sendo que no mesmo dia, ou seja, no dia 27 de Abril de 2020, a Damotral Produções apresentou uma cotação, com o número 1956/DM/2020, de três mil unidades de gel, de 05 litros, com o preço de 16.185.000,00MT (dezasseis milhões, cento e oitenta e cinco mil meticais) e, 4.000 unidades de gel, de um litro, no valor de 5.160.000,00MT (cinco milhões, cento e sessenta mil meticais), perfazendo o total de 24.973.650,00MT (vinte e quatro milhões, novecentos e setenta e três mil, seiscentos e cinquenta meticais).
Por sua vez, a Francisco Madeira Produções forneceu a sua cotação, com o número 00145/F.MP/2020, no valor preciso de 25.798.500,00MT (vinte e cinco milhões de meticais, setecentos e noventa e oito mil e quinhentos meticais), no dia 10 de Abril de 2020, portanto, muito antes da carta-convite o que, de certa forma, confirma que os contratos entre as duas partes foram assinados e pagos os preços correspondentes.
Cumpridas todas as formalidades, no dia 11 de Maio, a Damotral Produções, Lda e Francisco Madeira Produções foram comunicadas que seriam contratadas.
Refira-se que no concurso para o fornecimento de material de desinfecção e protecção no âmbito da prevenção da COVID-19, refere-se que não houve participação de outros concorrentes, tendo sido os processos tramitados para beneficiar e contratar exclusivamente Damatral assim como a F. Madeira que pagaram suborno e em troca de aproveitamento nos preços dos contratos, em manifesto prejuízo aos interesses do Estado e da boa administração pública.
Não existem evidências da aquisição dos bens nas quantidades referenciadas nos contratos
O “confirmado” para o pagamento de fornecimento de material de prevenção e mitigação do COVID-19 entrou na conta da Francisco Madeira Produções, através da proposta sem referência e sob suporte da guias de entrada dos produtos a fornecer, foi efectuada no dia 21 de Maio de 2020, por meio de uma nota elaborada por Rui Costa a partir da conta nº 000002210518351900797, titulada pelo Instituto Nacional de Calamidades, no Banco de Moçambique, para a conta bancária nº 1169451310001, domiciliada no BCI.
Os mesmos procedimentos, segundo o Gabinete Central de Combate contra a Corrupção, foram adoptados relativamente a Damotral Produções, Lda, tendo sido a informação proposta /MAEFP/INGC/FGC/2020, datada de 24 de Abril de 2020, elaborada por Manuel Jambane, em que solicitava autorização para a contratação, por ajuste directo.
A Damatral assim como a Francisco Madeira, adquiriu o material de prevenção e mitigação da COVID-19 no “mercado negro” na África do Sul, sendo que os negócios foram intermediados por Lucas Salvador Manusse, José Silvano Sambo e Wasil Siddiq, também arguidos no processo movido pelo GCCC.
Depois de investigar, a instituição chancelada pelo Ministério Público concluiu que não há evidências da aquisição dos bens, nas quantidades referenciadas nos contratos, por parte das empresas contratadas, visto que “não há registos de importação ou aquisição interna dos bens, havendo, apenas, a mera referência de terem sido comprados no mercado informal na República da África do Sul”.
Outrossim, uma vez pagos os valores dos contratos celebrados com instituições do Estado, Francisco Augusto Madeira e José Armando Pereira, arguidos nos processos e responsáveis pelas duas empresas, de acordo com o despacho da acusação do Ministério Público, procuraram dissimular a origem dos fundos por meio de várias operações financeiras, sem justificação plausível, como forma de garantir a sua circulação no mercado formal e, assim, camuflar a ilegalidade da sua proveniência.
O Gabinete Central de Combate Contra a Corrupção por entender que os contratos entre as três partes foram assinados e pagos os preços correspectivos remeteu o processo com n.° 93/11/P/GCCC/2020 e registado sob n°610/2021 ao Tribunal Judicial do Distrito Municipal de Kampfumo, contudo, o mesmo encontra-se engavetado há mais de quatro anos.
De recordar que este não é o primeiro processo relacionado com a corrupção envolvendo fundos da COVID-19 no Instituto Nacional de Gestão do Risco de Desastres (INGD), sendo que até aqui não houve responsabilização dos implicados.

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