O Estado é de todos, mas serve a poucos

OPINIÃO
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Edmilson Mate

Em teoria, o Estado moçambicano pertence a todos nós. Está escrito na Constituição da República: “A soberania reside no povo” e “o povo moçambicano exerce a soberania segundo as formas fixadas na Constituição” (Artigo 2.º). Isso significa que o poder não é de partidos, nem de elites, mas, sim, do povo. O Estado deveria existir para servir, proteger e promover o bem-estar da população. No entanto, quando olhamos para a realidade, percebemos algo bem diferente. O Estado parece cada vez mais ser um espaço reservado para uma minoria privilegiada — uma elite política e económica que se serve do poder para defender os seus interesses.

Desde a independência, a maior parte do povo moçambicano carrega o sonho de ter um Estado justo, transparente e voltado para o bem comum. Prometeu-se igualdade, desenvolvimento, justiça social. Contudo, ao longo dos anos, o que temos visto é uma centralização de poder que sufoca a participação cívica, limita o pluralismo e transforma as instituições públicas em instrumentos partidários. Criou-se uma cultura de favorecimento em que o mérito pouco conta e onde o acesso a oportunidades depende, muitas vezes, de ligações políticas com as “costas quentes”

A corrupção tornou-se uma doença crónica do sistema. É visível nos contratos públicos entregues de forma duvidosa, nos concursos manipulados, no nepotismo que domina as nomeações e na impunidade dos que ocupam cargos altos. Quando o Estado deixa de ser um espaço de serviço público e passa a ser visto como propriedade de quem governa, o cidadão pacato deixa de crer no governo.

Enquanto se distribuem milhões em negócios obscuros e viagens de luxo, os hospitais enfrentam falta de medicamentos, equipamentos e profissionais de saúde manifestam-se mais do que trabalham. As escolas estão degradadas, muitas sem carteiras, sem livros, sem condições básicas para o ensino. Há comunidades que vivem há décadas sem acesso à água potável, energia elétrica num país que tem a quarta maior albufeira do continente africano. Tudo isto acontece num país rico em recursos naturais, onde a pobreza não é apenas uma consequência da falta de meios, mas, sim, da má gestão e do desvio de prioridades.

Há dias um contigente policial e com um arsenal de guerra foi reprimir uma marcha pacífica, quando um grupo de jovens activistas e membros da sociedade civil, liderados pelo jornalista e activista social Clemente Carlos organizaram-na para protestar contra os constantes sequestros, assassinatos e desaparecimentos que se tornaram moda nesta pérola do indico. A marcha, marcada para seguir da Estátua de Eduardo Mondlane até à Procuradoria-Geral da República, foi impedida logo no ponto de partida pela Unidade de Intervenção Rápida. Este tipo de repressão contraria abertamente o que está previsto na própria Constituição, no seu Artigo 51, que afirma claramente: “Todos os cidadãos têm direito à liberdade de reunião e manifestação nos termos da lei.” Um Estado verdadeiramente democrático não teme o povo na rua — escuta-o, respeita-o e responde-lhe.

Apesar de todos os obstáculos, há sinais de esperança. Em todo o país, cresce uma juventude consciente, activa e informada. Uma geração que questiona, denuncia, propõe. Em bairros, escolas, universidades, redes sociais, ouve-se cada vez mais a voz de quem se recusa a viver calado. Há um despertar cívico que incomoda o sistema, mas que é fundamental para o futuro do país.

A mudança de que o nosso país precisa não virá de cima, ela (a mudança) virá da base, irá de cidadãos pacatos, de comunidades mobilizadas, de jovens que não aceitam que o seu futuro seja decidido por outros sem a sua participação. Precisamos de mais participação política, de mais fiscalização cidadã, de mais exigência e menos conformismo.

O Estado é — e deve ser — de todos. Deve estar ao serviço da maioria, e não de uma minoria. Quando isso não acontece, instala-se a frustração, a desigualdade e o descrédito nas instituições. Um país que não cuida do seu povo está condenado a repetir os mesmos erros, a perpetuar a pobreza que já atingiu números alarmantes e a sufocar um povo inocente.

Moçambique tem tudo para ser uma nação desenvolvida, em várias vertentes, temos: recursos, cultura, talento, juventude. Falta apenas uma coisa — vontade política de colocar o bem comum acima dos interesses individuais. E essa vontade só surgirá quando o governo entender que este país é do povo, e o povo não aceita mais ser apenas espectador. O povo tem voz. E quando fala, o Estado deve escutar.

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