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- Não há sinais de mudança de atitude: Nem inclusão, nem tolerância
- Depois de reprimir marchas de jovens, camaradas marcharam para saudar o grande líder
- Mantém-se padrão dos tempos de Nyusi em que as únicas marchas eram para saudação à moda coreana
- Nos distritos e municípios, partido obriga dirigentes a priorizarem membros do partido nas vagas
A onda de manifestações violentas que sacudiram o País de Outubro de 2024 a Janeiro passado, com um enorme saldo de destruição de bens públicos e privados, para além da perda de mais de 400 vidas, não parece ter sido suficiente para os dirigentes do partido Frelimo mudarem a sua actuação. No último Sábado, apenas duas semanas depois de a Polícia da República de Moçambique (PRM), armada até aos dentes, ter sido orientada para reprimir uma marcha pacífica de jovens na cidade de Maputo, neste fim-de-semana os membros da Frelimo marcharam um pouco por todo o País sem nenhuma interferência da polícia para uma saudação ao Presidente da Frelimo, Daniel Chapo pelos 100 dias de governação, espelhando um padrão iniciado no consulado de Filipe Nyusi, quando as marchas passaram a ser instituto privado da Frelimo e dos seus órgãos sociais, muitas vezes para a saudação do seu líder. Quando se esperava uma maior inclusão e melhor distribuição de oportunidades, que foi um dos principais motes das manifestações, os relatos que nos chegam dos distritos não são nada animadores: os primeiros secretários da Frelimo, continuam a fazer pressão aos dirigentes a nível local para que a ocupação de vagas de emprego no aparelho do Estado e órgãos municipais seja feita por jovens membros do partido Frelimo. O caso mais flagrante chega de Marracuene, na Província de Maputo, onde a primeira secretária está a obrigar que o administrador e presidente da autarquia admitam jovens da Frelimo ainda que não se mostrem competentes para as funções.
Evidências
Quando uma onda de protestos sacudiu o País entre Outubro de 2024 e Janeiro passado, apenas duas certezas pairavam na cabeça de qualquer cidadão de diligência média: que o País nunca mais voltaria a ser o mesmo e que a Frelimo, depois da lição apreendida, iria mudar para uma melhor versão, garantindo mais inclusão dos moçambicanos e melhor distribuição das oportunidades e riquezas.
Contudo, em menos de três meses desde a interrupção das acções violentas nas ruas a Frelimo parece não ter apreendido qualquer lição, mantendo-se com a mesma postura de arrogância que sempre a caracterizou e mantendo práticas comunistas, como é o caso do “culto à personalidade”.
No último Sábado, um pouco por todo o País, milhares de membros e simpatizantes da Frelimo ocuparam praças e ruas em marchas de saudação ao Presidente da República e daquele partido, Daniel Chapo, pelos resultados alcançados nos 100 dias de governação.
Não há relato de qualquer intervenção da PRM ou qualquer tentativa de paralisação das marchas da Frelimo, em contraste com a postura verificada há cerca de duas semanas, quando agentes da Polícia armados até aos dentes, frustraram uma marcha de cerca de 30 jovens liderados pelo jornalista, agora assumido activista social, Clemente Carlos.
Apesar de terem sido cumpridas todas as formalidades, a PRM posicionou-se no local de concentração e não permitiu que a marcha prosseguisse, frustrando a expectativa dos moçambicanos que esperavam que a Frelimo tivesse apreendido que a repressão de manifestações pacíficas era acumular problemas até ao dia em que o povo encontrar um tubo de escape.
De resto, a postura de reprimir todo tipo de manifestação, ainda que pacífica e com liderança identificada, permitindo somente marchas da Frelimo e dos seus órgãos sociais para a saudação do seu líder ao estilo dos cultos de personalidade na Coreia do Norte, foi herdada do consulado de Filipe Nyusi.
Durante quase 10 anos de governação, tida por muitos como a pior de todos os tempos, o Governo de Filipe Nyusi sempre posicionou dispositivos da polícia nos principais pontos para reprimir qualquer tentativa de manifestação, chegando mesmo a usar a força para interromper o cortejo fúnebre do rapper Azagaia. No dia 18 de Março de 2023, a PRM fez dezenas de feridos e alguns mortos, quando jovens queriam simplesmente marchar pelas artérias da cidade em homenagem ao rapper.
Durante quase todo mandato, os moçambicanos, sobretudo jovens, foram acumulando as suas frustrações, até que a 24 de Outubro passado iniciou uma onda de manifestações jamais vistas, nas quais durante três meses pessoas de diferentes estratos sociais “vomitaram” nas ruas a sua frustração, chegando ao extremo de o Governo perder o controlo de partes do território nacional.
Continua prática de priorizar pessoas da Frelimo nas vagas
Numa clara demonstração de que o partido Frelimo continua a enveredar pelo caminho da exclusão social, um pouco por todo o País, a militância no partido continua a ser uma das condições de acesso a emprego no aparelho do Estado e oportunidades diversas.
Dirigentes a vários níveis têm estado a denunciar pressão política do partido no poder, para garantir que cargos estratégicos no governo distrital e nos municípios (como directores de serviços, funcionários, secretários ou chefes de postos) sejam ocupados por membros leais ao partido, mesmo que esses não sejam necessariamente os mais qualificados.
Há dias, a nomeação da nova directora do SDPI, em Marracuene, gerou alguma polémica pelo facto de a indicação ter sido feita sem a consulta do partido. Num desabafo colocado num grupo do partido e interceptado pelo Evidências, mostra o descontentamento da primeira secretária distrital de Marracuene, Lilita Moiane com o facto de o governo distrital e o município preencherem vagas sem consultar o partido para indicar os seus.
“Quando o camarada Aníbal acumulava as funções de director do SDPI e de vereador de infraestruturas no município, o partido manifestou o interesse de que a vaga do SDPI fosse atribuída ao camarada Macheve, num gesto de reconhecimento e valorização dos quadros. O camarada Macheve foi previamente consultado por mim. O camarada administrador negou. Mas o partido não desistiu e voltou a pedir ao camarada administrador a nomeação de um outro quadro para chefe da localidade de Macaneta e, mais uma vez, o camarada administrador negou, justificando que já tinha nomes e os havia enviado para a província. Tratava-se do camarada Mandlate, que não foi consultado antes, pois ainda era um trabalho de base. O camarada administrador disse ainda que não podia fazer mais nada porque tinha recebido os nomes do partido localmente quando já os havia enviado à província. Na ocasião, o partido esclareceu ao camarada administrador que o governo do distrito deve, antes de enviar nomes de quadros para ocupar cargos de chefia e direcção, consultar primeiro o partido”, desabafou queixando-se de secretismo das decisões do administrador numa série de nomeações que promoveu.
“No caso concreto do SDPI e da localidade de Macaneta, o partido solicitou a nomeação dos seus quadros, mas o camarada administrador recusou. Então, que culpa tem o partido?”, defende-se Lilita Moiane perante a pressão para que as vagas de emprego sejam preenchidas por membros da Frelimo.
“Há ainda outra situação recente relacionada com a localidade de Ngalunde(…) O camarada administrador simplesmente ignorou os dois nomes propostos pelo partido. E, mais uma vez, surge a questão: para onde se pretende levar o partido deste jeito? Quem, afinal, não reconhece e não valoriza os quadros que se dedicam, enfrentando sol e chuva, em prol da FRELIMO?”, indaga antes de sugerir uma reunião de quadros urgente com o governo e todas as partes envolvidas para discutir as oportunidades para os membros e a própria saúde do partido.
Outro órgão sob pressão para admitir membros do partido ainda que inaptos e inabilitados é o município de Marracuene, o qual recebeu uma lista enorme de camaradas para acomodar na Polícia Municipal.
“Temos primeiros secretários que concorreram para enquadramento na Polícia Municipal. Como se trata de um concurso, não irei mencionar nomes, mas contamos com o vosso reconhecimento para que eles consigam ingressar nessas oportunidades como forma de valorização. O governo tem distribuído kits e só tomamos conhecimento disso pelas redes sociais. Qual é o critério utilizado? Será que os secretários e primeiros secretários na base colaboram na selecção dos beneficiários? Estão incluídas as nossas mães que se dedicam ao partido? A nossa juventude?”, questionou.

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