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- Executivo viola lei e esconde milhões da vista pública
- Sociedade Civil diz que exclusão é falha grave
O Fundo Soberano de Moçambique (FSM), criado com a promessa de transformar a riqueza extraída do subsolo em desenvolvimento sustentável e poupança para futuras gerações, nasceu sob o signo da desconfiança e da opacidade. Uma análise minuciosa da Lei que o instituiu e uma observação atenta da sua implementação nos primeiros meses de vigência revelam um cenário preocupante de violações legais sistemáticas, lacunas estruturais e um alcance limitado que comprometem seriamente o propósito para o qual foi concebido. No centro das críticas estão a ausência crónica de relatórios mensais sobre todos os valores e transferências efectuados a partir da e para a Conta Transitória, tal como manda a lei.
Luísa Muhambe
A Lei n.º 1/2024, de 9 de janeiro, Lei que cria o Fundo Soberano de Moçambique, estabelece um conjunto de regras que visam dotar o instrumento de transparência e boa governação. Uma das pedras angulares dessa arquitectura legal é o artigo 6, número 3, que determina de forma inequívoca que “Mensalmente, é publicado um relatório sobre todos os valores e transferências efectuados a partir de e para a Conta Transitória”.
A Conta Transitória, por sua vez, é definida no número 1 do mesmo artigo como uma sub-conta da Conta Única do Tesouro, destinada a receber as receitas provenientes da exploração de petróleo e gás. A intenção por detrás desta norma é clara: permitir o rastreamento em tempo real do fluxo de dinheiro desde a origem até à sua alocação final, garantindo a transparência no ponto de entrada da riqueza.
No entanto, desde janeiro de 2024, data em que a lei se tornou plenamente aplicável, o Governo moçambicano tem ignorado sistematicamente este imperativo legal. Nenhum relatório mensal consistente, detalhado e acessível ao público sobre as movimentações financeiras na Conta Transitória foi publicado.
Esta violação contínua da Lei do FSM cria uma grave lacuna de informação que impede qualquer escrutínio independente e eficaz sobre o volume real das receitas que o Estado tem vindo a arrecadar com a exploração, em particular, do Gás Natural Liquefeito (GNL) do projecto Coral Sul FLNG, na Bacia do Rovuma. A ausência destes relatórios torna impossível verificar a pontualidade dos depósitos, a exatidão dos valores e a legalidade das transferências efectuadas a partir desta conta crucial.
A opacidade gerada pela não publicação destes relatórios mensais torna-se ainda mais alarmante quando confrontada com os achados do Tribunal Administrativo (TA), o órgão supremo de controlo externo das finanças públicas em Moçambique. No seu Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2023, que abrange o período até março de 2024, o TA documentou discrepâncias significativas nos valores referentes às receitas do gás. A análise dos auditores revelou uma diferença de 33,7 milhões de dólares entre o montante de receitas provenientes do gás natural declarado pelo Governo e o saldo efetivamente registado na Conta Transitória do FSM.
Para além das violações sistemáticas na transparência das receitas, uma análise à Lei do FSM revela uma limitação estrutural que também compromete o potencial do Fundo como um instrumento de gestão de riqueza nacional a longo prazo: a exclusão de receitas de outros recursos minerais estratégicos. O artigo 5 da lei restringe as fontes de receita do FSM primariamente ao gás natural liquefeito das Áreas 1 e 4 do Rovuma e a futuros projectos de petróleo e gás.
Esta delimitação ignora dezenas de outros minerais de alto valor comercial que Moçambique possui e cuja exploração é ou será uma fonte importante de receita, como grafite, lítio, areias pesadas, diamantes, terras raras, os badalados rubis, entre outros.
Sociedade Civil diz que exclusão é falha grave na concepção da lei
A sociedade civil tem vindo a analisar esta lacuna, argumentando que um Fundo Soberano verdadeiramente eficaz e abrangente deveria gerir as receitas de todos os recursos estratégicos do país de forma integrada.
Fátima Mimbire, coordenadora do Movimento Cívico para o Fundo Soberano, destacou que não há justificativa plausível para deixar de fora recursos que são igualmente valiosos e finitos, cujas receitas deveriam contribuir para o desenvolvimento de longo prazo e a poupança, tal como as do gás.
“O que sugerimos é a existência de um fundo soberano mais robusto e abrangente, que inclua os outros minerais”, defendeu Mimbire, baseando-se na análise do potencial mineiro do país.
Para Mimbire, as violações na transparência e as lacunas estruturais não são meros acasos, mas podem reflectir uma falta de compromisso genuíno com os princípios de um Fundo Soberano robusto e voltado para o desenvolvimento.

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