Promessas de renovação colidem com cortes de serviços e sinais de retrocesso operacional na LAM

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  • A turbulência continua, desta vez são os Aeroportos que não pagaram SITA
  • Corte de serviço da SITA deixa a LAM “às cegas” em operacionais aeroportuários
  •  Situação acabou agravando atrasos e falhas logísticas, que já eram recorrentes

 Apesar das promessas de reestruturação e modernização, a crise nas Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) mostra-se mais profunda e sistémica do que os anúncios oficiais sugerem. Com problemas que vão desde a pontualidade e fiabilidade operacional até à relação com fornecedores internacionais e nacionais em risco de falência, a companhia aérea de bandeira enfrenta um cenário preocupante. Depois de cortes de serviços essenciais como os da IATA, na semana passada, foi a SITA, ambos devido a falhas de pagamento, colocando em xeque a viabilidade dos esforços de recuperação anunciados pelo Governo e pelos gestores da companhia. Em alguns voos, um dos sinais mais visíveis desse retrocesso é o regresso dos chamados “chips de Simba”, pacotes de batatas fritas industrializadas, como substituto de refeições sólidas nos voos, num contexto de promessas de melhoria, como é o anúncio de aquisição de voos com pelo menos meia idade de vida útil, cuja entrega de propostas termina esta sexta-feira (20).

Evidências

Fez, na semana passada, um mês desde que tomou posse o novo Presidente do Conselho de Administração da LAM, Dane Kondic, encarregado de resgatar uma companhia aérea à beira do esquecimento. A missão é nobre, restaurar a dignidade de voar sob a bandeira moçambicana e, desta vez, as condições pareciam mais vantajosas. Os três accionistas principais, num raro gesto de alinhamento imposto pelo Governo, comprometeram-se a injectar capital para a aquisição de novas aeronaves. No papel, tudo aponta para uma decolagem renovada. Mas no asfalto quente da realidade, a LAM ainda tropeça em dívidas, atrasos e velhos fantasmas operacionais.

 

O episódio mais recente e simbólico da fragilidade da LAM é o corte dos serviços da Société Internationale de Télécommunications Aéronautiques (SITA), por parte dos Aeroportos de Moçambique, que reclamam falta de pagamento do seu parceiro, a companhia, como se dependessem exclusivamente desta.

A SITA fornece soluções tecnológicas cruciais para a comunicação, gestão de bagagens, segurança e operação de voos. A sua ausência deixa a LAM e passageiros literalmente “às cegas” em muitos processos operacionais aero-portuários, agravando atrasos e falhas logísticas, que já eram recorrentes.

Na prática, um passageiro que embarca em Joanesburgo com escala no Aeroporto de Maputo chega ao terminal e não encontra qualquer informação nos painéis electrónicos sobre o estado do seu voo de ligação, porque, sem o serviço da SITA, os dados da LAM deixam de ser partilhados automaticamente com os sistemas internacionais. Mas são só dados da LAM, mas dos demais voos. Isso compromete não só a experiência do passageiro, mas também a coordenação entre aeroportos, segurança e até ao encaminhamento de bagagens.

Antes disso, a própria Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) havia suspendido os serviços à companhia, comprometendo seriamente a sua capacidade de operar internacionalmente com reconhecimento e coordenação técnica dentro dos padrões globais. Sem estar integrada na IATA, a LAM continua excluída de plataformas essenciais como os sistemas de liquidação financeira e de reserva integrada, dificultando tanto a venda de bilhetes como o relacionamento com outras companhias aéreas e aeroportos.

Mas a LAM não está sozinha quando se fala em problemas com a IATA. O Governo, em conluio com o Banco de Moçambique, são acusados por diversas companhias internacionais de reter indevidamente cerca de 206 milhões de dólares em receitas geradas no país e que deveriam ser repatriadas. Esse congelamento de fundos, em violação das regras internacionais da IATA, afecta gravemente as operações de várias transportadoras estrangeiras que operam em Moçambique, gerando tensão no sector e colocando em risco a continuidade de rotas estratégicas. Alias, já há companhias a incerteza quanto ao manter os seus voos regulares em Maputo.

O caso lança uma sombra sobre a fiabilidade institucional de Moçambique no sector da aviação e expõe um padrão de incumprimento que ameaça isolar ainda mais o país no mapa da aviação comercial global. A acumulação de dívidas, a deterioração das relações com parceiros internacionais e a má reputação financeira começam a afectar não apenas a LAM, mas o ecossistema inteiro da aviação moçambicana.

Fora da projecção internacional, cada vez mais comprometida pela exclusão dos sistemas da IATA e da SITA, internamente persistem falhas operacionais crónicas na LAM, como atrasos frequentes, problemas recorrentes de manutenção e incumprimento nos pagamentos aos fornecedores. Um dos sinais mais visíveis desse desinvestimento é o regresso dos chamados “chips de Simba”, pacotes de batatas fritas industrializadas, como substituto de refeições sólidas nos voos. A substituição evidencia não apenas uma redução de custos extrema, mas também a deterioração dos padrões mínimos de serviço a bordo, em contraste com as promessas de reestruturação e modernização que continuam a ser repetidas pela gestão e pelo Governo.

LAM procura por compra ou aluguer de Boeing 737-700 com pelo menos metade de vida

Enquanto isso, a nova administração da LAM, nomeada sob a égide da Knighthood Global Limited, tenta manter o discurso de mudança. Um recente anúncio de concurso público internacional para a aquisição ou arrendamento de até cinco aeronaves Boeing 737-700, com foco em meia-vida útil e configuração compatível com as exigências da malha intra-africana, sinaliza um esforço de modernização da frota. A preferência é por aeronaves com manutenção recente, configuração de classe dupla e certificação EASA ou FAA, requisitos que pretendem garantir fiabilidade e segurança operacional.

Contudo, o anúncio parece caminhar na contramão de uma realidade imediata onde a LAM perde suporte técnico essencial, acumula dívidas com fornecedores estratégicos e enfrenta sintomas de colapso silencioso.

O Governo, que já assumiu existência de grupos que caçam boladas na LAM, apresentou a reestruturação da LAM como um projeto emblemático de recuperação empresarial e eficiência estatal. A intervenção da Knighthood foi vendida como solução tecnocrática para uma empresa cronicamente deficitária. Mas os sinais mais recentes expõem uma desconexão entre as intenções e a execução. A falta de liquidez, a deterioração de relações com fornecedores-chave e o retorno de incertezas operacionais colocam a empresa num ciclo de promessas não cumpridas.

Além disso, persistem os velhos problemas de gestão: opacidade nas contas, interferência política e ausência de um modelo de negócio sustentável no contexto de um mercado aéreo regional cada vez mais competitivo.

Num momento em que a aviação africana caminha para integração digital e eficiência regional, a LAM, paradoxalmente, recua. As boas intenções declaradas, como a renovação da frota e a redefinição estratégica da rede de voos, só terão impacto se vierem acompanhadas de uma verdadeira reforma na governança, no financiamento e no relacionamento com os parceiros operacionais.

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