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Alexandre Chiure
Há cerca de duas semanas, aconteceu uma coisa muito grave no país. Algo que tem a ver com a segurança do Estado, mas, por incrível que pareça, escapou dos holofotes. É o caso de um navio estranho que apareceu atracado em Gaza, caso espoletado pela imprensa local.
O assunto passou despercebido entre os moçambicanos, daí que pouco ou nada se tenha falado a seu respeito. Todo o mundo correu para comentar o lançamento, pelo governo, de tractores com reboque para o transporte público, polémica que dominou as atenções de todos.
É verdade que essa é, também, uma matéria relevante que mexe com a vida dos moçambicanos. Reconheço que o debate tem que ser feito, pois há, ainda, muita coisa por esclarecer.
O que sabíamos, por exemplo, era que se tratava de apenas 100 unidades, quando, na verdade, vêm mais 300. Gostaríamos de saber quem as comprou. Se foi o antigo governo ou o actual e se a alocação de tractores para aquele fim é prioridade para o país.
Para obtermos as respostas, seria interessante que a Procuradoria-Geral da República investigasse o assunto. É que, ao que parece, o preço foi empolado. O que nos foi dado a consumir é que cada tractor custou 6,5 milhões de meticais.
Da pesquisa feita pela TV Sucesso, ficámos a saber que, afinal, cada unidade é avaliada em 1.2 milhões de meticais e o reboque, entre 300 e 400 mil meticais, o que totaliza entre 1.5 e 1.6 milhões de meticais. Se estas contas estão certas, estamos perante uma sobrefacturação.
Seria, igualmente, importante que a PGR avaliasse o dossier sobre este negócio dos tractores para perceber melhor como é que tudo foi feito. Se houve concurso público ou não para a selecção do fornecedor.
É que se foi na base de uma adjudicação directa, é grave e pode ser ilegal, tendo em conta os valores envolvidos que são bastante altos (2,6 mil milhões de meticais, se o preço por unidade for, mesmo, de 6,5 milhões, num total de 400). Tanto e quanto sei, a lei fixa limites para aquisições sem concurso público.
Na hipótese de ter havido, é preciso verificar quando é que esse concurso foi feito, quem o organizou, quantos concorrentes participaram e quais foram os critérios usados para a selecção da empresa Mahindra, de origem indiana, como vencedora.
Ficámos todos tomados a olhar para este assunto dos tractores. Cegou-nos, por completo, de tal forma que não nos apercebemos de que estávamos em presença de um navio estranho, atracado nas águas territoriais moçambicanas sem uma prévia autorização das autoridades marítimas locais.
O mais preocupante em tudo isto é que, ao que parece, quem tem por missão defender a integridade territorial moçambicana não sabia nada do assunto do navio, a julgar pelas entrevistas feitas aos visados, a partir da província de Gaza.
A Marinha de Guerra de Moçambique (MGM) correu atrás do prejuízo depois de noticiado pela TV Sucesso. Foi na altura em que uma brigada da MGM procurou inteirar-se da presença daquela embarcação em território moçambicano, em particular em Gaza.
Depois de interpelado, ficámos a saber que o navio não representava nenhuma ameaça à segurança do país. Que foi obrigada a atracar nas águas moçambicanas devido ao mau tempo. Tudo bem que não oferece nenhum perigo para nós, mas o problema não está resolvido. O ponto é que o navio escapou do controlo das autoridades e isso é grave do ponto de vista de segurança, pois se fosse para fazer alguma maldade, teria feito.
Eu, como moçambicano, estou muito preocupado com isso. Sei que as nossas Forças Armadas carecem de equipamentos militares para a defesa do território nacional. O que eu não sabia é que somos, assim, tão vulneráveis a ponto de um navio estranho cruzar a linha de fronteira marítima e atracar sem que o nosso exército se aperceba.
Se uma embarcação destas pode entrar nas águas territoriais moçambicanas sem ser detectado nos radares. Atracar. Ficar, num à vontade, durante cerca de uma semana, fora do controlo das nossas autoridades, significa que, a qualquer momento, o país pode ser tomado por uma força estrangeira.
Quer dizer que dada esta vulnerabilidade, tantos outros navios estranhos devem andar por aí a pilhar os nossos recursos a seu bel-prazer. Isto é, no mínimo, assustador. Significa que não estamos seguros.
Aliás, a tripulação do navio indiano diz que enviou um e-mail para as autoridades portuárias a pedir a autorização para atracar no Porto de Maputo, fugindo do mau tempo que se fazia sentir na sua rota com destino ao porto de Malta, pedido esse que, infelizmente, não foi respondido. Nem isso conseguimos fazer bem, o que é, no mínimo, vergonhoso.
É que, numa situação destas, o navio estranho devia ter sido interceptado por lanchas da Marinha de Guerra de Moçambique, logo que entrou nas nossas águas. Isso não aconteceu.
Esperava que se fizesse um inquérito para saber como é que uma embarcação daquelas invadiu o território moçambicano, atracou sem autorização, em Gaza, ficou cerca de uma semana sem ser interpelado pelas autoridades marítimas moçambicanas. Há espaço para apurar as responsabilidades. Que eu saiba, isso não foi feito. É espantoso que tudo tenha sido encarado com normalidade. Estamos mal, e eu estou bastante assustado com tudo isto.

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