Afinal, algumas minas dos filhos de Nyusi foram arrancadas a ferro e fogo da família Guebuza

DESTAQUE POLÍTICA
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  • Um roteiro de como Flow Boss caçou Mussumbuluko Guebuza até ficar com a mina da Focus 21
  • Edson Macuacuá, secretário de Estado em Manica, foi reduzido a figurante num processo marcado por chantagens, ameaças e apropriação forçada.
  • Florindo chegou a pedir a lista de todos do Governo que assinaram e intervieram no processo do pedido da Focus 21 Explorator S.A

 

A província de Manica vive, há meses, sob o peso da suspensão generalizada da actividade mineira, decretada pelo Governo sob o argumento de reorganizar o sector e travar a mineração que polui o ambiente. Oficialmente, trata-se de uma medida para impor ordem num mercado descontrolado. Contudo, o histórico de disputas políticas, pressões selectivas e negócios de bastidores, em que alguns projectos são travados em nome da legalidade, enquanto outros prosperam sob o manto da protecção política, lança suspeitas sobre a real natureza do processo. É nesse contexto de baralhar para redistribuir os recursos da província a quem detém poder que se inscreve a história da Focus 21 Explorator S.A., empresa que, de acordo com os documentos que o Jornal Evidências teve acesso, se apresentava como exemplo de conformidade legal para operar na mina 10364L, no distrito homónimo, mas que acabaria por ser arrancada das mãos da família Guebuza através de chantagens, ameaças e manobras de força. Florindo Nyusi assumiu a dianteira, chegando a ameaçar “mandar prender” quem ousasse questionar a sua intromissão. No fim, no lugar da Focus 21, prevaleceram as máquinas da Flomining A.S., que a semelhanças de outras minas de família, não escapou a suspensão em nome da defesa da comunidade, que, segundo a governadora da província de Manica, Francisca Tomás, denuncia a contaminação dos rios.

 Nelson Mucandze

Talvez não fossem todas as minas ligadas à família Nyusi que tenham sido arrancadas a ferro e fogo, mas o histórico da disputa em torno da licença 10364L, na província de Manica, distrito homónimo, retrata um passado de confrontos que envolveram todas as esferas do poder até assegurar que a ala com influência política estivesse no controlo económico. O marco inicial remonta a dois de Julho de 2020, quando a Focus 21 avançou com o processo de licenciamento. O mandatário da empresa, D’Clay Juta, deslocou-se aos Serviços Provinciais de Infraestruturas e submeteu as coordenadas da área pretendida. O sistema confirmou que a zona estava livre. Seguiram-se o pagamento das taxas e a emissão do recibo da Licença de Prospecção e Pesquisa (LPP), com o número 10364L.

Dias depois, a empresa cumpre outro requisito da consulta comunitária. A 30 de Julho, em Chazuca, distrito de Manica, a reunião é dirigida pelo Administrador local, Carlos Manlia, e conta com a presença de autoridades administrativas, policiais e líderes comunitários.

A comunidade não levanta objecções. Pelo contrário, impõe três condições simples. A reabilitação da estrada que dá acesso à mina, a prioridade de mão-de-obra local, e a electrificação da escola da aldeia. A Focus 21 compromete-se a cumprir. Dois dias depois, as máquinas já estavam no terreno.

A chegada de uma escavadora Volvo, geradores e materiais para a planta de processamento de ouro gera entusiasmo na população. Mais de cem famílias esperam para beneficiar do projecto. Mas, ao mesmo tempo, a movimentação de equipamentos chama a atenção de rivais e parceiros da Flomining S.A, empresa de Florindo Nyusi, os quais enviam homens ao local para verificar a envergadura do investimento.

As suspeitas confirmam-se, afinal trata-se de material robusto, sinal de um projecto sólido. O que poderia ser apenas concorrência de mercado rapidamente ganha contornos políticos.

Florindo Nyusi caça Mussumbuluko Guebuza

É nesse ambiente que, a 31 de Julho, o engenheiro da Focus 21 recebe uma chamada enigmática, proveniente de um contacto identificado como Flow Boss. Do outro lado da linha, confirma-se que se trata de Florindo Nyusi, filho do então Presidente da República.

A exigência é directa. Flow Boss quer saber o que o engenheiro faz naquilo que classifica como “empresa do contra”. A resposta é cautelosa, o técnico limita-se a dizer que trabalha para a Focus 21 e não pode fornecer contactos do chefe.

O Evidências teve acesso às mensagens trocadas, e lá as ameaças são directas. Florindo quer saber quem são as pessoas que estão por detrás dessa movimentação. “Eu vou mandar prender”, escreve, solicitando com “urgência” a identificação dos responsáveis por movimentar as máquinas. É um contexto político turbulento para a família Guebuza, com Mussumbuluko a ser o rosto da família, enquanto Ndambi, não muito dado à vida empresarial, a somar quase um ano no Língamo, onde estava preso no processo relacionado com as dívidas ocultas, um processo que a família insiste em afirmar que tratava-se de uma perseguição política.

Mas se aquela era perseguição política, nas minas de Manica começava a perseguição económica. Na troca das mensagens, onde o mandatário tenta explicar que a área não é de Flomining S.A, Florindo pergunta a identidade da pessoa que está em frente, e não poupa as ameaças, chegando a afirmar que “vão chorar”. Uma posição que deixará claro que as intenções ou movimentações do projecto da Focus estavam sob escrutínio directo do círculo presidencial.

Alias, Florindo Nyusi declarou, de forma categórica, que todas as actividades da Focus 21 Explorator S.A. eram ilegais e que os responsáveis iriam responder criminalmente. Em contraponto, o mandatário da empresa contestou, afirmando que, segundo a lei moçambicana, não havia qualquer irregularidade no processo e que existiam vários precedentes de licenças atribuídas em condições idênticas, sem qualquer intervenção do órgão competente. O filho do então Presidente da Republica exigiu ainda a lista dos membros do Governo que haviam assinado ou intervindo no processo da Focus 21, pedido que o mandatário não tinha poderes para satisfazer. Limitou-se, por isso, a apresentar exemplos de outros pedidos aprovados em áreas fronteiriças.

Edson Macuácua admite ilegalidade, mas INAMI mostra-se criativa no argumento para suspensão de licença

No meio daquela turbulência política fica tudo claro para a Focus 21, que, ter licença válida não era suficiente. É que segundo se vê nas correspondências consultados pelo Evidências, já não se tratava mais da legalidade do processo, mas de mover todas as instituições de Estado a cooperar para retirar a licença da Focus 21.

Não tardou. O dia dois de Outubro de 2020 marca o início do fim para a Focus 21. Nesse dia, o mandatário da empresa recebe uma chamada informal onde fica a saber que a licença 10364L estaria prestes a ser cancelada. Ao procurar explicações, nenhuma justificação convincente é apresentada.

O representante desloca-se aos Serviços Provinciais de Infra-estrutura (SPI) e confronta o director. A resposta é evasiva, mas estava claro que  existe “pressão externa”, directamente do Director Nacional de Minas, Adriano Silvestre Sevano.

Em busca de solução, o mandatário procura o Secretário de Estado da Província de Manica, Edson Macuácua. O governante reconhece a injustiça e admite intervir, defendendo que o projecto é promissor e benéfico para o Estado e para a comunidade. A sua intervenção suspende temporariamente o cancelamento.

Contudo, o argumento usado pelo Instituto Nacional de Minas (INAMI) para insistir no cancelamento definitivo é peculiar. A instituição argumenta que a área estaria em território fronteiriço entre Moçambique e Zimbabwe, o que inviabilizaria a atribuição da licença. O detalhe é que o próprio INAMI já havia aprovado licenças em situações idênticas, algumas até mais complexas.

A Focus 21 reage. A 17 de Agosto de 2020, submete um pedido formal de redimensionamento da área. Até hoje, cinco anos depois, a empresa nunca recebeu resposta.

Enquanto os processos se arrastam, um vídeo amador começa a circular. Gravado por um motorista da concorrente Flomining S.A., que acusa a Focus 21 de estar a operar ilegalmente, uma acusação que corrobora com o posicionamento do INAMI, o que sugeria que aquela instituição estava a serviço destes.

O caso mobiliza uma equipa do SPI, incluindo o director provincial, inspectores e o administrador distrital. No local, constatam que não há infracção, que os equipamentos, uma escavadora, dois geradores e materiais para a planta de processamento estão intactos, ainda embalados. O único trabalho realizado teria sido a abertura de uma estrada, que foi supostamente no âmbito da responsabilidade social assumida perante a comunidade.

Oficialmente, não há motivos para cancelar a licença. Mas, de Maputo, continuam a chegar ordens informais exigindo a retirada imediata da Focus 21 do terreno.

Edson Macuácua compra argumento do INAMI e cancela a licença enquanto Nyusi ensaia visita

No dia 6 de Setembro de 2020, a empresa é informada de que o então Presidente da República, Filipe Nyusi, visitará a mina. A equipa da Focus 21 prepara-se para a recepção. O Chefe de Estado, porém, limita-se a uma passagem rápida pela piscina olímpica de Manica, sem sequer se deslocar ao local da concessão.

Três dias depois, a 9 de Setembro, quem aparece é o Secretário de Estado Edson Macuácua, acompanhado por altos funcionários locais e provinciais. Na cancela da mina, ordena que ninguém fotografe nem grave a visita.

Em frente às máquinas da empresa, anuncia que a licença está cancelada. A justificação é repetida, tem a ver com a proximidade com a fronteira do Zimbabwe. Para reforçar, liga em viva voz ao Director Nacional de Minas, Adriano Sevano, que confirma a decisão, argumentando que a área é “ilegal” e os equipamentos devem ser retirados.

Edson Macuácua vai mais longe. Aconselha os representantes da Focus 21 a procurarem outra zona e sublinha que até então Primeira-Dama, Isaura Nyusi, estaria preocupada com o caso. Perante o silêncio dos técnicos, insiste: “Até quando vão retirar as máquinas?” Naquele momento, fica decretado que a Focus 21 perdeu a mina.

A 12 de Agosto, chega finalmente a notificação oficial de cancelamento, enviada pelo INAMI. O documento é entregue de forma insólita, via WhatsApp, pelo administrador de Manica, através do serviço de courier Skynet.

O cerco final e a vitória do Flow Boss que solicita a compra da máquinas do seu adversário

A 16 de Setembro, o número Flow Boss volta a aparecer no telemóvel do mandatário. Do outro lado da linha, Florindo Nyusi quer saber se a empresa já retirou os equipamentos. Questiona ainda se não haveria possibilidade de vender o material.

Horas depois, insiste, na chamada, que, se a empresa não vender, ele próprio mandará um camião para retirar os equipamentos à força. O mandatário recusa, afirmando que apenas o representante legal da Focus 21 pode autorizar qualquer movimentação. Pressionado, fornece-lhe o contacto de Mussumbuluko Guebuza, filho do antigo Presidente da República. É o ponto de viragem. A disputa mineira já não se esconde e fica cada vez mais exposta como uma luta directa entre famílias do poder.

Num contexto do novo dono do poder, o caso da Focus 21 é hoje exemplo de como a suspensão mineira em Manica, mais do que para disciplinar o sector, pode servir para redistribuir poder e riqueza. Em teoria, trata-se de apenas de um processo administrativo. Mas, na prática, foi uma guerra silenciosa pelo controlo das riquezas de Manica, uma guerra em que a lei cedeu lugar à força, e em que os filhos do anterior Chefe de Estado perderam espaço para os herdeiros do de Filipe Nyusi, o então dono do poder presidencial.

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