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Alexandre Chiure
Há um forte debate no país sobre quem beneficia da exploração dos recursos minerais, nomeadamente petróleo e gás, areias pesadas e tantos outros. É a população ou as multinacionais? À primeira vista, a impressão que fica é a de que quem tira maior proveito são as companhias petrolíferas. Por quê?
Este pensamento encontra fundamento em alguns aspectos. Primeiro, dominam as tecnologias em uso no sector. Segundo, conhecem melhor o mercado. Terceiro, detêm capacidade técnica e de persuasão para negociar, com o governo, contratos de concessão para a pesquisa e produção dos recursos minerais que lhes sejam favoráveis. São operações bastante caras e o Estado não tem dinheiro para comparticipar nas sociedades.
Para começar, Moçambique despertou tarde em relação aos assuntos de petróleo e gás. Não tinha quatros formados na área à altura de ombrear, na mesa negocial, com especialistas pertencentes às multinacionais que demonstraram interesse em investir no sector.
Com estas fragilidades todas não se podia esperar pelo melhor. Muitos erros foram cometidos no processo e sem o domínio da linguagem e das técnicas apropriadas no trato destas matérias. O governo partiu, na emoção, para a negociação de contratos complexos, numa situação desvantajosa com companhias como Anadarko, ENI, Sasol e outras.
A participação do Estado moçambicano em sociedades que se constituíram, no âmbito de implementação dos projectos de petróleo e gás, é, em todas elas, minoritária. O dono dos recursos que devia ficar com a maior fatia ou com uma percentagem confortável, detém apenas entre 15 e 20 por cento.
Significa dizer que os investidores estrangeiros, com 75 a 80 por cento das acções, são os donos de tudo. São eles que mandam. Cabe a eles decidir a quem vender o gás explorado em Moçambique e a que preço deve ser colocado no mercado. A nossa voz não chega a lado nenhum.
O gás natural de Pande e Temane, na província de Inhambane, é bombeado até Secunda, na África do Sul. Isso acontece há cerca de 20 anos. Esta cidade está em franco crescimento e, na origem, não há sinais de desenvolvimento.
Os distritos de Vilanculos e Inhassoro, onde se localizam os campos de produção, estão quase na mesma. O que se esperava, no início da exploração do recurso, não é o que está a acontecer no terreno. Em alguns casos, as populações estão mais pobres do que antes.
A quem cabe a responsabilidade de mudar o rosto destes distritos depositários dos jazigos de gás natural. À Sasol, por ser a que está a explorar o recurso, ou ao governo moçambicano, através do que recebe da multinacional na forma de impostos e taxas?
Tirando investimentos adicionais como a construção, em curso, de uma fábrica para a produção de gás de cozinha, a intervenção, na comunidade, de qualquer que seja a multinacional não vai para além de obras de responsabilidade social, como a construção de salas de aulas, furos de água e outros projectos de âmbito social.
A Sasol diz que está a cumprir com o que vem nos contratos. Para a empresa, não há macas. Paga por ano 3,8 mil milhões de meticais ao Estado moçambicano. Nos últimos dez anos, desembolsou qualquer coisa como 38 mil milhões de meticais e pronta.
Será que o valor que entra nos cofres do Estado é muito ou pouco, olhando para aquilo que são os rendimentos da petrolífera sul-africana na venda do nosso gás natural? A empresa podia pagar mais aos moçambicanos ou podemos considerar a fatia justa?
Coloquei estas perguntas aos membros da direcção da Sasol, numa conversa de café sobre a vida da empresa, em particular projectos e contribuições financeiras para o Estado. O que me disseram, em resposta, foi que o que pagam é o que vem nos contratos.
A pergunta que se pode fazer, a seguir, é se teremos negociado mal os contratos e é por isso que não podemos ganhar mais do que ganhamos ou não havia como esticar mais a corda?
Nessa conversa, quis saber se há ou não espaço para a renegociação dos contratos com o governo moçambicano. Os executivos da Sasol disseram-me que sim, mas numa condição: Que todas as partes saiam a ganhar.
Por um lado, são os pagamentos que a Sasol faz pela exploração e exportação do gás natural moçambicano para a África do Sul. Outra coisa é a percentagem que fica na província de Inhambane.
Os 3,8 mil milhões de meticais que paga por ano vão para um saco comum onde caem outras receitas. Em Inhambane, não fica quase nada. Por que não a retenção de 20 a 30 por cento do valor arrecadado para financiar projectos que impactam na vida das populações, como estradas, apetrechamento de unidades sanitárias em bens de equipamento e outros investimentos?
Quem fala do gás de Pande e Temane, também pode falar das areias pesadas de Moma, em Nampula, e de Chibuto, na província de Gaza, considerado maior jazigo mundial com um total de 2.660 milhões de toneladas de matéria-prima depositada, a explorar durante 70 a 100 anos. O que é que mudou nestes dois distritos graças à exploração destes recursos? Nada. Tudo continua quase na mesma.
Estamos a falar de importantes fontes de minerais valiosos como zircão, rutilo e ilmenita, este que é matéria-prima na produção de dióxido de titânio que serve como pigmento branco em tintas de alta qualidade. Os metais e os minerais resultantes das areias pesadas são usados na indústria tecnológica e em cosméticos, plásticos e tintas.
O pior é que os moçambicanos não sabem sequer em que condições é que a mina de Chibuto, por exemplo, foi entregue aos chineses, depois da desistência de BHP Billiton, na fase de estudos de viabilidade, ao considerar o projecto de inviável, tudo porque a inexistência de um porto para o escoamento da produção encarece o negócio.
Será que o governo terá adjudicado a mina aos chineses a um dólar, já que, pelas razões descritas, as areias pesadas de Chibuto não eram atractivas ao investimento?
A outra pergunta que se faz é em relação aos dinheiros. Quanto é que o Estado moçambicano ganha com a exploração das areias pesadas de Chibuto e de Moma? É o que se devia pagar num negócio destes ou havia espaço para os investidores pagarem mais do que pagam?
O governo está a renegociar os contratos com a empresa irlandesa Kenmare, a trabalhar em Moma desde 2007, e a cometer os mesmos erros: A falta de transparência. Os moçambicanos não sabem o que é que está em cima da mesa. Tudo é feito em segredo.
O país tem que encontrar espaço para estudar, minuciosamente, o dossier sobre os recursos minerais. Caso a caso, projecto por projecto, para verificar o que é que ganhamos, na verdade, com a sua exploração por parte das multinacionais, aproveitando a deixa de políticos que prometeram, durante a campanha eleitoral, em 2024, renegociar os contratos.
É que a ideia que fica, aos olhos do cidadão, é a de que ganhamos, mas muito pouco. O bolo maior vai para os investidores. O ponto é como inverter a situação a nosso favor, sendo que nós somos os donos dos recursos e devíamos ganhar mais do que ganhamos, mas não é o que está a acontecer.

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