Autoridades de Mocímboa da Praia bloqueiam fuga de famílias em meio ao aumento de focos de insegurança

DESTAQUE POLÍTICA
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  • Governo recorre à velha estratégia para manter a narrativa de triunfalismo em Cabo Delgado
  • Bloqueio às famílias relembra a estratégia do consulado anterior para manter narrativa
  • Últimos ataques em Mocímboa da Praia e Muidumbe foram reivindicados pelos terroristas

 Num cenário de medo crescente e violência extrema, a população de Mocímboa da Praia vive aprisionada entre o horror dos ataques terroristas e a impossibilidade de fugir em busca de segurança. O comunicado oficial do Serviço Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia, datado de 17 de Setembro de 2025, determina que as escolas não devem processar os pedidos de transferência de alunos até nova orientação, uma medida que, ainda que burocrática, simboliza o bloqueio institucional à mobilidade de famílias em situação de risco. Essa estratégia faz eco às práticas do executivo anterior que, mesmo em meio ao fogo cruzado e ao colapso da segurança, recorria a medidas de contenção administrativa para travar a saída das populações e funcionários públicos.

Evidências

Este impedimento ocorre num contexto de degradação acelerada da segurança. Em menos de 15 dias, o bairro Filipe Jacinto Nyusi, nos arredores da vila sede, foi novamente alvo de ataques. Na madrugada de ontem, 22 de Setembro, os malfeitores regressaram, decapitando quatro pessoas, elevando para oito o número de vítimas mortais apenas neste ciclo recente de violência em Mocímboa da Praia. Os tiroteios que se seguiram mergulharam a vila num estado de pânico generalizado.

Além das mortes, registaram-se raptos, três pessoas foram levadas, entre elas dois jovens. O adulto só foi libertado após o pagamento de um resgate, num claro esquema de financiamento através do terror. Uma mulher ficou ferida por um disparo durante a fuga, sobrevivendo por pouco.

Perante este cenário, a resposta oficial limita-se a acções pontuais, visitas de condolências às famílias enlutadas por parte dos governos distrital e municipal, enquanto a população, desesperada, tenta escapar. Muitas das famílias que haviam regressado após o ataque do dia 7 de Setembro preparam novamente as malas. É visível o êxodo em curso, com moradores a abandonar em massa os bairros periféricos, deslocando-se para o centro da vila ou tentando sair do distrito.

No entanto, a determinação das escolas para travar as transferências escolares, ainda que temporária, reflecte uma realidade mais ampla, a incapacidade do Estado em garantir segurança, ao mesmo tempo que, indirectamente, condiciona o direito à fuga. O medo já não é apenas dos ataques, é também da impossibilidade de escapar dos al-shabaabs.

A situação em Mocímboa da Praia não é apenas uma crise de segurança. É uma crise humanitária em acelerada progressão, onde a população está encurralada entre o terror dos grupos armados e a paralisia do poder público.

Essa estratégia faz eco às práticas do executivo anterior que, mesmo em meio ao fogo cruzado e ao colapso da segurança, recorria a medidas de contenção administrativa para travar a saída das populações. À época, não apenas se interditavam deslocações e se burocratizavam transferências escolares para conter a fuga de famílias, como também os próprios funcionários públicos eram frequentemente mantidos à força nos postos de trabalho, sob pena de represálias, para evitar que a sua retirada criasse a percepção de abandono institucional. Assim, a permanência forçada de professores, enfermeiros e técnicos do Estado funcionava como peça central de uma narrativa triunfalista de normalidade e controlo, em aberto contraste com a realidade de terror e deslocação que marcava o quotidiano das comunidades.

A onda dos ataques não assombra apenas Mocímboa da Praia. Elementos associados ao grupo extremista Estado Islâmico reivindicaram, ainda nesta segunda, o ataque a uma povoação do distrito de Muidumbe, com pelo menos dois cristãos mortos.

Números mostram aumento de ataques e suas consequências

Apesar de esforços de controlar saídas, os números das pessoas que procuram pelo refúgio mostram aumento. De acordo com os escritórios das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), pelo menos 29 pessoas morreram e outras 208 mil foram afectadas, em Julho, pelos ataques de grupos extremistas em vários distritos de Cabo Delgado.

De acordo com um relatório de campo em Julho, os confrontos entre grupos armados e as forças de segurança moçambicanas resultaram no deslocamento de 56.215 pessoas.

“O número de incidentes registados aumentou de 72 em Junho para 82 em Julho. Uma mudança significativa também foi observada na distribuição geográfica da violência, que se expandiu para o sul, para Ancuabe, Chiúre, em Cabo Delgado, e Eráti, em Nampula”, refere-se no documento com dados actualizados na última sexta-feira.

De acordo com aquela agência da ONU, essa expansão restringiu agora ainda mais o acesso rodoviário a Macomia ao longo da estrada número 380, tanto do norte quanto do sul, “o OCHA estima que mais de 208.122 civis foram afectados, directa e indirectamente, pela violência”.

No documento, avança-se que em Julho foram relatados 47 ataques contra civis, abrangendo assassínios, sequestros, extorsão e saques, que resultaram em “pelo menos 29 mortes e 69 sequestros” e na interrupção de meios de subsistência, além de terem provocado deslocamentos e reforçarem um “clima de medo”.

“Chiúre e Macomia registaram o maior número de incidentes, seguidos por Ancuabe e Muidumbe. Além disso, o estabelecimento de nove postos de controlo informais de veículos ao longo da N380 e da Estrada Número 14 restringiu significativamente o acesso humanitário, atrasando a assistência a mais de 85 mil pessoas em Macomia e Muidumbe”, explica-se.

A agência da ONU avança ainda que os conflitos entre os Grupos Nacionais de Apoio e as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas, incluindo forças locais, intensificaram-se em Chiúre, no litoral de Macomia e em Muidumbe.

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